quinta-feira, 26 de julho de 2018

Crítica: Ilha dos Cachorros (2018)


Nove anos após lançar O Fantástico Sr. Raposo, o cineasta Wes Anderson volta ao mundo da animação stop motion com Ilha dos Cachorros (Isle of Dogs), premiado com o Urso de Prata de melhor direção no último Festival de Berlim. O enredo mistura ficção científica e fantasia para abordar uma das "guerras" mais antigas do mundo: a dos cães contra os gatos.


Após uma misteriosa doença epidemiológica surgir nos cães da metrópole japonesa de Megazaki, o prefeito Kobayashi ordena que todos os cachorros, de rua ou com donos, sejam deportados para uma ilha, um local inóspito que também serve de depósito para todo o lixo domiciliar da cidade.

Enquanto manifestantes e opositores do governo lutam para reverter a decisão e trazer os caninos de volta para casa, os queridos animais se vêem numa incrível jornada pela ilha quando um piloto, à procura de seu cão de estimação, acaba caindo com seu avião por lá. 


Cores berrantes em tons pastéis, enquadramentos simétricos e estética caprichada são características do cinema de Anderson, e novamente são empregados com primor aqui. Anderson usa um humor seco, a partir dos enquadramentos nos rostos dos seus personagens, para criar diversas facetas no roteiro. 

Uma das coisas mais engraçadas do filme são as dublagens dos animais. O turrão Chief é dublado brilhantemente por Bryan Cranston, enquanto Rex, que se autointitula o líder da matilha, é dublado pro Edward Norton. Além dos dois, outros nomes famosos dublam diversos personagens na estória, como Bill Murray, Scarlett Johansson, Tilda Swinton, Harvey Keitel, Frances McDormand, Liev Schreiber e até mesmo Yoko Ono.


Andersom ainda aproveita para, implicitamente, dar algumas alfinetadas em governos ditatoriais criticando a postura do governo do país nessa situação calamitosa. Por fim, Ilha dos Cachorros é Wes Anderson no seu mais alto nível. Uma animação forte e sólida que encanta todas as idades.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Crítica: Ella e John (2018)


Quem nunca sonhou em comprar um trailer e sair por aí pelas estradas, sem rumo, apenas curtindo o que a vida tem a oferecer? Pois essa sempre foi uma das atividades preferidas de Ella (Helen Mirren) e John (Donald Sunderland) desde que eram jovens namorados. Agora, aposentados, os dois resolveram fazer uma longa viagem juntos para relembrar os velhos tempos.



O casal, extremamente carismático, cruza boa parte dos Estados Unidos a bordo do velho trailer da família, apelidado de "Caçador de Lazer", e parece se divertir como se fosse a primeira vez. No entanto, os dois não tem mais a mesma saúde de antigamente, e pouco a pouco, através de cenas corriqueiras, vamos descobrindo a doença que cada um possui. 

John está sofrendo severamente com Alzheimer, já que tem lapsos de memória e esquece seguidamente coisas importantes como o nome dos próprios filhos. Ella, por sua vez, utiliza peruca para esconder a queda de cabelos, o que aparenta ser um câncer em estado terminal. Partindo desse pressuposto, é muito provável que esta seja a última viagem dos dois, e isso torna tudo muito mais prazeroso.

A trama tem cenas belíssimas e muito bem construídas, e flerta com o humor de forma muito racional. É um filme de atores, que demonstram em cada cena uma afinidade comovente. Helen Mirren e Donald Sunderland fazem uma dupla apaixonante, e é impossível não se emocionar com os dois juntos. O final do filme é impactante e inesperado, e deixa qualquer um de coração na mão.



O maior êxito do filme de Paolo Virzi é mostrar essa parceria entre duas pessoas que, mesmo com o passar do tempo e dos inúmeros problemas e contratempos que enfrentaram, continuam dispostos a dar todo o amor e dedicação ao outro até o último instante. Algo raro nos dias de hoje.


terça-feira, 17 de julho de 2018

Crítica: A Ganha-Pão (2018)


Finalista na categoria de melhor animação no último Óscar, mas com muito menos destaque que as produções norte-americana do gênero, A Ganha Pão (Breadwinner) se passa no Afeganistão, durante o regime talibã, e mostra sob os olhos de uma criança todos os horrores que esse regime, baseado em ideais religiosos ultrapassados, trouxe aos habitantes, principalmente às mulheres.


Durante o regime não era permitido às mulheres andar na rua sem a companhia do marido ou de um membro masculino da família, correndo o risco de prisão e morte caso fossem pegas fazendo isso. Nem mesmo a garotinha Parvana, de apenas 11 anos, tinha liberdade de poder sair pela rua, seja para brincar ou para ajudar o pai nos negócios da família.

Quando o pai de Parvana é perseguido e preso, a única alternativa da menina para manter os sustentos da modesta casa onde mora com a mãe, a irmã mais velha e um irmão caçula, é cortar o cabelo e ser vestir de menino para vender os produtos da família na feira como seu pai fazia. Se antes Parvana era rechaçada pelos populares, mesmo na companhia do pai, agora recebe convites para entrar e consumir tudo que pode nas lojas. Agora ela também pode exercer sua grande paixão, as letras, ao oferecer os serviços de leitura e escrita para a maioria dos homens analfabetos. E é assim que ela conhece alguém que pode lhe ajudar mais tarde com seus maiores desejos.

Muitos podem dizer se tratar de uma realidade bem distante da nossa, mas será mesmo? Vivemos num dos países com maior taxa de mortalidade feminina, e onde mulheres não podem sair tranquilas na rua sem sofrer com assédios e estupros diariamente. Então, por conta disso, o filme de Nora Twomey chega num momento onde, mais que nunca, é importante discutir os direitos igualitários para todos.



O maior mérito da produção é não ser panfletária, mas totalmente humana. É um tapa na cara de quem acredita que animações não podem recorrer a temas realmente adultos e não tenham condições de discutir temas em voga da sociedade. A Ganha-Pão não é apenas um espetáculo narrativo, mas um espetáculo visual. Uma grande obra que merece ser vista e apreciada por todos.


sexta-feira, 13 de julho de 2018

Crítica: O Motorista de Táxi (2018)


Escolhido para representar a Coreia do Sul no Óscar de melhor filme estrangeiro em 2018, O Motorista de Táxi (Taeksi Woonjunsa) mistura humor e drama para abordar um dos períodos mais difíceis da história do país, sob a visão de um cidadão comum que, sem querer, acaba fazendo parte da história.


O enredo se passa nos anos 1980, na tumultuada Coreia do Sul da época que vivia o terror de uma sanguinária intervenção militar. Uma lei marcial, decretada pelo ditador Chun Doo-Hwan, impediu qualquer manifestação democrática e o país vivia em pé de guerra com o povo nas ruas. No centro de tudo estava Man-Seop (Song Kang-Ho), um simples motorista de táxi que fazia de tudo para não perder nenhuma corrida, já que em casa tinha uma filha pequena para sustentar sozinho.

Alheio aos acontecimentos na cidade de Gwangju, palco central de uma batalha campal entre estudantes e militares, o taxista aceita levar o repórter alemão Peter (Thomas Kretschamann) até lá em troca de uma boa quantia de dinheiro. No caminho ele vai percebendo que tem algo de errado acontecendo, mas mesmo assim segue em frente até chegar na cidade e se deparar com o caos.

É curioso perceber a mudança na personalidade do protagonista, que durante o trajeto se mostrava a favor do governo e contrário às manifestações, mas que depois de ver tudo com os próprios olhos, sobretudo a covardia policial, muda de opinião e passa ser a favor do povo. Ele acaba se tornando, sem querer, uma espécia de heroi, já que foi por conta de sua perseverança que o repórter alemão conseguiu chegar ao epicentro dos acontecimentos e registrar imagens que rodaram o mundo e mostraram a verdadeira face daquele regime.



A atuação de Song Kang-Ho é fantástica. Seu personagem é extremamente carismático e logo de cara conquista a todos, e assim como o filme, transita entre momentos cômicos e dramáticos com muita competência. O enredo é empolgante e prende o espectador do início ao fim com sua teia de acontecimentos. O Motorista de Táxi consegue ser uma grande obra de entretenimento mas também serve como lição para que regimes militares nunca mais se repitam pelo mundo.