quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Crítica: Custódia (2018)


O cinema contemporâneo francês possui uma forte característica de exposição dos problemas sociais, e mais uma vez esse aspecto é extremamente bem apresentado em Custódia (Jusqu' à La Garde), primeiro longa da carreira de Xavier Legrand, que de cara já foi premiado como melhor direção em Veneza.



Miriam (Léa Drucker) e Denis (Antoine Besson) estão lutando na justiça em razão da guarda de Julien (Thomas Giorian), o filho de 11 anos do casal. O homem quer ter pelo menos o direito de ver o filho em finais de semana alternados, enquanto a mulher quer proibi-lo de chegar perto da criança. A primeira cena mostra todos reunidos em frente a juíza e possui muitas falas, com os advogados de ambas as partes expondo as razões de cada um. Isso serve para dar uma pincelada de leve na história de cada personagem.

É curioso como o diretor trabalha a ambiguidade dos personagens, principalmente a do pai. Num primeiro momento você sente pena dele e acha correta a decisão do juiz em aceitar que ele possa ter um pouco de contato com o filho. Qualquer pessoa de bom coração também torceria para isso, visto que ele parece realmente querer muito ver a criança. Porém, essa personalidade logo cai por terra na primeira vez que ele pega o menino.

No fundo, Julien se torna apenas uma artimanha de Denis para tentar se reaproximar da ex-mulher, já que nitidamente ele não possui nenhum carinho pelo menino e o trata mal todas as vezes que o vê. Sua obsessão por Miriam começa a ir além, e ele usa o filho para perseguir ela e descobrir sua nova rotina numa ânsia de tentar tê-la de volta a qualquer custo. A reta final da trama é arrebatadora, mostrando as consequências traumáticas que uma relação doentia pode causar a todos os envolvidos. E o que mais dói nessa história é acompanhar o sofrimento de uma criança em meio a tudo isso e saber que isso é mais comum do que se imagina.



Com boas atuações e uma excelente montagem da direção, o enredo de Custódia prende a atenção do início ao fim. Trata-se de um filme extremamente atual, numa época em que vemos nos jornais todos os dias notícias absurdas de feminicídio e violência doméstica. Até quando isso irá acontecer?


quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Crítica: Foxtrot (2017)


Premiado como melhor direção em Veneza e representante de Israel no Óscar de 2018, Foxtrot é sem dúvida um dos melhores filmes vindos do oriente médio nestes últimos anos. Com uma crítica ao exército de Israel, que inclusive gerou polêmica com ministros do país, o longa de Samuel Maoz é impecável em todos os sentidos e uma das melhores surpresas do ano no cinema.



Com uma montagem louvável, o enredo é dividido em três atos e conta a história de forma não-linear. O primeiro começa com membros do exército de Israel chegando à casa da família Feldman para dar a notícia de o filho do casal, Jonathan, foi morto no "cumprimento do dever". Os dois ficam devastados com a informação e a ação começa a se desenrolar a partir deste luto.

O segundo ato mostra a rotina de Jonathan com seus colegas num centro de controle de fronteira isolado no meio do deserto. Sem muito o que fazer, os quatro soldados passam os dias conversando fiado, jogando games, ouvindo música e usando toda e qualquer forma de distração que encontram num ambiente completamente silencioso e solitário, onde nada acontece. O terceiro ato, por sua vez, finaliza o filme de forma grandiosa, fechando todos os pontos sem deixar nada pra trás.



É interessante que Foxtrot fala de guerra mas não possui nenhuma cena de combate. As mortes que acontecem durante a trama, inclusive, são mortes banais, de momentos corriqueiros. Isso não impede de o filme ser tenso a cada segundo. É um filme de detalhes, onde coisas pequenas, que na hora parecem não fazer sentido, logo significam muito e até mesmo mudam o rumo de toda a trama.

Os enquadramentos da câmera mostra uma percepção incrível de cena por parte da direção, tudo isso acompanhado de uma excelente fotografia. Além da parte técnica, é prazeroso acompanhar as atuações no longa, todas muito bem realizadas. Por fim, Foxtrot é um verdadeiro achado, com cenas memoráveis e um argumento muito atual e perspicaz.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Crítica: Respiro (2017)


Escolhido para representar o Irã no Óscar de melhor filme estrangeiro, Respiro (Nafar) criou muita polêmica e levantou diversos debates no país na época do seu lançamento por trazer um tema complicado às telas: a guerra entre Irã e Iraque ocorrida nos anos 1980.



Escrito e dirigido pela cineasta Narges Abyar, o enredo se passa em Yazd, uma pequena cidade localizada no centro do Irã, e acompanha a rotina diária de uma família iraniana, com foco na menina Bahar (Sareh Nour Mousavi), uma criança estudiosa, inteligente e que busca através da imaginação e da pureza infantil driblar os problemas do cotidiano difícil em meio à pobreza.

Melhor aluna na escola, e desenhista de mão cheia, Bahar vive na mesma casa com seu pai, um homem carinhoso mas com problemas de saúde, a avó, uma senhora rígida, e seus irmãos. Mostrando com sutileza o dia-dia da família, o filme mostra um pouco do que era a vida no país naquele período conturbado, logo após a eclosão da revolução iraniana.


É curioso que a diretora usa a personagem de Bahar como centro de tudo, como se fosse os olhos do espectador. Não há nenhuma cena em que a menina não apareça, sendo tudo narrado pelo seu ponto de vista, o de uma criança que, no meio do caos, é obrigada a amadurecer mais cedo do que deveria.

O filme não se preocupa com questões políticas e não defende nenhuma ideologia, apenas mostra o quão nociva é uma guerra, principalmente para os inocentes. Muitas crianças morreram nos conflitos, e a diretora não deixa de abordar isso, sobretudo do meio para o fim. Em meio às cenas dramáticas, há espaço para um alívio cômico, muito bem encaixado na trama e que tira um pouco do peso do que é mostrado. Mais um belo exemplar do cinema iraniano.