O conflito entre Israel e Palestina é complexo, traumático e de longa data. Todos crescemos acompanhando notícias na televisão, como se se tratasse de uma guerra eterna, fadada a nunca encontrar um desfecho. Desde o fim do século XIX, e de maneira ainda mais brutal a partir da metade do século XX, milhares de famílias tiveram suas vidas atravessadas pela violência, pelo deslocamento forçado e pela perda. Tudo o Que Resta de Você (All That's Left of You) conta a história de uma delas, acompanhando três gerações diferentes que cresceram com a Guerra literalmente na porta de casa.
O filme se inicia em 1948, ano da Nakba, quando forças sionistas, com apoio do Reino Unido, tomam à força extensas regiões da Palestina para a fundação do Estado de Israel. Entre as cidades tomadas pelo judeus está Jaffa, onde Sharif (Adam Bakri) vivia com a família, cultivando laranjas em campos férteis e abundantes. A perseguição sistemática obriga a população muçulmana local a fugir para campos de refugiados na Cisjordânia, dando início a um êxodo que marcaria a história do povo palestino. A família de Sharif parte, mas ele decide ficar para trás, junto de outros homens, na tentativa desesperada de formar uma resistência. Como era de se esperar diante da assimetria de forças, a iniciativa fracassa: Sharif é capturado e enviado a um campo de trabalhos forçados, de onde retorna anos depois, marcado por cicatrizes visíveis e invisíveis.
Trinta anos se passam, e agora o roteiro acompanha os filhos de Sharif já adultos, vivendo na Cisjorânia. O patriarca, por sua vez, permanece apenas fisicamente presente: sua mente parece aprisionada em um passado que nunca deixou de existir. Claramente desorientado, Sharif vive entre silêncios e lapsos de memória que lhe rasgam por dentro. A família sobrevive sob uma falsa sensação de normalidade, já que a cidade onde vivem está submetida a um rígido controle militar, com toques de recolher arbitrários e a constante ameaça de punições severas. A palavra "paz" nunca esteve no vocabulário da família em décadas.
Na segunda metade do filme, o protagonismo recai sobre Salim, filho de Sharif. A narrativa, que antes acompanhava sua formação, avança no tempo para mostrá-lo adulto, casado com Hanan (interpretada pela própria diretora do filme) e trabalhando como professor. No entanto, a tentativa de construir uma vida comum é novamente interrompida pela violência. Em meio a mais um período de tensões militares, uma tragédia atinge o núcleo familiar, desta vez envolvendo Noor (Muhammad Abed Elrahman), filho do casal, um adolescente que desejava apenas viver a juventude como qualquer outro. Porém, a realidade em que a família está inserida nunca foi e nunca será normal.
O ato final, quase estruturado como um epílogo melancólico, acompanha Salim já idoso, retornando a Jaffa após décadas de ausência. O reencontro com a cidade evidencia não apenas as transformações urbanas e arquitetônicas, mas também o apagamento cultural e simbólico de uma história que lhe foi arrancada. Tudo o Que Resta de Você é, por fim, um drama familiar que trata sobre memórias, perdas, identidade e resiliência. Um filme que lembra que, por trás dos números e das manchetes, existem vidas inteiras marcadas por uma ferida que insiste em não cicatrizar, e um povo que, mais uma vez, em pleno 2025, precisa pedir socorro.



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