quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Crítica: O Agente Secreto (2025)


O recifense Kléber Mendonça Filho é, sem sombra de dúvidas, o maior nome do cinema brasileiro autoral na atualidade, uma posição alcançada com méritos, após uma lista de obras quase irretocáveis que vem desde a sua época de curtas-metragens (como o maravilhoso Recife Frio) até chegar aos longas O Som Ao Redor (2012), Aquarius (2016), Bacurau (2019) e Retratos Fantasmas (2023). Diante deste histórico, as expectativas se tornaram altas desde que começaram a sair as primeiras imagens das gravações do seu novo filme, O Agente Secreto, protagonizado por Wagner Moura e ambientado novamente em Recife (sua "cidade musa"), desta vez durante a ditadura militar.


A trama se passa em 1977, onde Moura interpreta Marcelo, um homem que está retornando para sua terra natal, Recife, após um período afastado. A bordo do seu fusca amarelo fluorescente, ele chega à cidade após três dias de viagem, onde é amorosamente acolhido por Sebastiana (Tânia Mara). Ela é dona de uma pensão onde aparentemente todos os moradores estão vivendo como refugiados, grande parte deles com nomes falsos. E com Marcelo, a situação não é diferente. Apesar dele ter conhecidos na cidade e até mesmo um filho pequeno que vive com o avô, Marcelo precisa viver na clandestinidade, e o motivo vai sendo desvendado aos poucos.

Embora o filme se passe durante o período da ditadura militar, o diretor opta acertadamente por fugir do óbvio. É possível identificar várias referências às tensões políticas da época, com mortes arbitrárias aparecendo nas manchetes dos jornais e breves menções em diálogos, mas o mote central não está diretamente ligado ao regime, que aparece apenas como um eco distante na narrativa. E reitero, que grande acerto da direção neste ponto, pois acaba fugindo do estereotipo de ser "mais um filme brasileiro sobre ditadura militar", quebrando esta expectativa de gênero e se tornando um excelente thriller policial atemporal e universal.

A grande questão do filme é: O que Marcelo fez para estar sendo perseguido? Quem são as pessoas que estão atrás dele, e o que os motivou a isso? São inúmeras perguntas que vão se acumulando ao longo das duas horas e quarenta de filme, e que lentamente vão encontrando suas respostas. É interessante perceber que a tensão do filme não está exatamente no que vemos na tela, mas no sentimento de que algo está para acontecer, uma angústia silenciosa que o diretor maneja com maestria na mente do espectador.


Ao mesmo tempo em que o diretor constrói com precisão o clima de suspense, ele também consegue equilibrar muito bem um leve teor cômico, principalmente quando a personagem de Tânia Mara está em cena. São cenas simples do cotidiano, que graças à atuação brilhante de Tânia, acabam arrancando risos genuínos. Aliás, todos os personagens do filme são extremamente orgânicos e sensíveis, contribuindo para a naturalidade com que o filme se desenrola e reforçando o ótimo trabalho do elenco envolvido.

A recriação do Brasil dos anos 1970 também é impecável em cada detalhe. A nostalgia pulsa na tela, das músicas aos carros coloridos da época, dos figurinos à atmosfera das ruas. Mais do que isso, estamos falando de um apaixonado por cinema detrás das câmeras, e as referências aos filmes antigos da época estão por toda parte, como nos cartazes de filmes espalhados pelas ruas ou pelas paredes do icônico cinema São Luiz, e até na forma como Kleber retrata o encantamento (e o medo) das pessoas diante dos filmes de terror que estavam despontando com força naquela década.


O ritmo do filme é cadenciado, mas de forma alguma monótono, tanto que não vi o tempo passar de tão absorto que estava na narrativa. Kléber enquadra cada cena com um olhar único e uma atenção impressionante aos detalhes, sempre acompanhadas de uma trilha sonora ora assombrosa, ora vibrante. Com um epílogo ambientado nos tempos atuais, o diretor reforça a importância da pesquisa histórica e da memória como peças fundamentais para entendermos quem somos e de onde viemos, neste que é o seu trabalho mais audacioso até então.

Nenhum comentário:

Postar um comentário