quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Crítica: O Agente Secreto (2025)


O recifense Kléber Mendonça Filho é, sem sombra de dúvidas, o maior nome do cinema brasileiro autoral na atualidade, uma posição alcançada com méritos, após uma lista de obras quase irretocáveis que vem desde a sua época de curtas-metragens (como o maravilhoso Recife Frio) até chegar aos longas O Som Ao Redor (2012), Aquarius (2016), Bacurau (2019) e Retratos Fantasmas (2023). Diante deste histórico, as expectativas se tornaram altas desde que começaram a sair as primeiras imagens das gravações do seu novo filme, O Agente Secreto, protagonizado por Wagner Moura e ambientado novamente em Recife (sua "cidade musa"), desta vez durante a ditadura militar.


A trama se passa em 1977, onde Moura interpreta Marcelo, um homem que está retornando para sua terra natal, Recife, após um período afastado. A bordo do seu fusca amarelo fluorescente, ele chega à cidade após três dias de viagem, onde é amorosamente acolhido por Sebastiana (Tânia Mara). Ela é dona de uma pensão onde aparentemente todos os moradores estão vivendo como refugiados, grande parte deles com nomes falsos. E com Marcelo, a situação não é diferente. Apesar dele ter conhecidos na cidade e até mesmo um filho pequeno que vive com o avô, Marcelo precisa viver na clandestinidade, e o motivo vai sendo desvendado aos poucos.

Embora o filme se passe durante o período da ditadura militar, o diretor opta acertadamente por fugir do óbvio. É possível identificar várias referências às tensões políticas da época, com mortes arbitrárias aparecendo nas manchetes dos jornais e breves menções em diálogos, mas o mote central não está diretamente ligado ao regime, que aparece apenas como um eco distante na narrativa. E reitero, que grande acerto da direção neste ponto, pois acaba fugindo do estereotipo de ser "mais um filme brasileiro sobre ditadura militar", quebrando esta expectativa de gênero e se tornando um excelente thriller policial atemporal e universal.

A grande questão do filme é: O que Marcelo fez para estar sendo perseguido? Quem são as pessoas que estão atrás dele, e o que os motivou a isso? São inúmeras perguntas que vão se acumulando ao longo das duas horas e quarenta de filme, e que lentamente vão encontrando suas respostas. É interessante perceber que a tensão do filme não está exatamente no que vemos na tela, mas no sentimento de que algo está para acontecer, uma angústia silenciosa que o diretor maneja com maestria na mente do espectador.


Ao mesmo tempo em que o diretor constrói com precisão o clima de suspense, ele também consegue equilibrar muito bem um leve teor cômico, principalmente quando a personagem de Tânia Mara está em cena. São cenas simples do cotidiano, que graças à atuação brilhante de Tânia, acabam arrancando risos genuínos. Aliás, todos os personagens do filme são extremamente orgânicos e sensíveis, contribuindo para a naturalidade com que o filme se desenrola e reforçando o ótimo trabalho do elenco envolvido.

A recriação do Brasil dos anos 1970 também é impecável em cada detalhe. A nostalgia pulsa na tela, das músicas aos carros coloridos da época, dos figurinos à atmosfera das ruas. Mais do que isso, estamos falando de um apaixonado por cinema detrás das câmeras, e as referências aos filmes antigos da época estão por toda parte, como nos cartazes de filmes espalhados pelas ruas ou pelas paredes do icônico cinema São Luiz, e até na forma como Kleber retrata o encantamento (e o medo) das pessoas diante dos filmes de terror que estavam despontando com força naquela década.


O ritmo do filme é cadenciado, mas de forma alguma monótono, tanto que não vi o tempo passar de tão absorto que estava na narrativa. Kléber enquadra cada cena com um olhar único e uma atenção impressionante aos detalhes, sempre acompanhadas de uma trilha sonora ora assombrosa, ora vibrante. Com um epílogo ambientado nos tempos atuais, o diretor reforça a importância da pesquisa histórica e da memória como peças fundamentais para entendermos quem somos e de onde viemos, neste que é o seu trabalho mais audacioso até então.

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Crítica: Frankenstein (2025)


Conhecido por suas obras fantasiosas, marcadas por uma estética visual singular e pelo uso de metáforas que expõem as imperfeições humanas em seus extremos, o mexicano Guillermo del Toro encontrou em Frankenstein a história perfeita para expandir seu universo autoral. O cineasta revisita o clássico de Mary Shelley imprimindo sua própria assinatura, numa combinação de lirismo sombrio, imaginação exuberante, e uma profunda empatia por seus monstros.


O filme se inicia em 1857, quando Victor Frankenstein (Oscar Isaac) está perdido em meio ao Mar da Noruega congelado, fugindo da criatura que ele próprio deu vida. Ele acaba acolhido por um navio que está aprisionado entre as geleiras, e na cabine do capitão, começa a contar sua história, que serve como narração para o que vem pela frente. Retornamos por um breve momento à sua infância, passada em uma imponente mansão nórdica ao lado dos pais, onde o jovem Victor criou fascínio pela anatomia e pelo mistério do corpo humano ao acompanhar o trabalho do pai (Charles Dance), um cirurgião renomado.

Após a morte dos pais, a curiosidade se transforma em obsessão: movido pelo desejo de "desafiar a morte", Victor mergulha em experimentos cada vez mais ousados, até finalmente alcançar seu propósito. Com o auxílio de uma engenhoca de sua própria invenção, financiada pelo seu tio excêntrico, Henrich Harlander (Christoph Waltz), Victor dá vida a um ser composto de nervos, ossos e tecidos de inúmeros cadáveres. O resultado é uma criatura interpretada de forma visceral e melancólica por Jacob Elordi, que encarna tanto o horror quanto a pureza.


O enredo desenvolve-se em torno de uma inversão moral já clássica, mas que ganha novas camadas sob o olhar do diretor: o verdadeiro monstro da história talvez não seja a criatura, mas sim o seu criador. Ao perceber as imperfeições de sua obra, um ser que não corresponde às suas expectativas de inteligência e autossuficiência, Victor se revolta contra a própria criação. O fascínio científico rapidamente se transforma em repulsa e crueldade. Em cenas duras, vemos ele subjugar o ser à humilhação e à violência, mantendo-o acorrentado e punindo-o sem motivos. A única figura capaz de reconhecer traços de sensibilidade e emoção na criatura é Elizabeth (Mia Goth), a futura cunhada de Victor, cuja compaixão contrasta com a brutalidade do cientista.

Na segunda metade do filme, a narrativa se desloca para o ponto de vista da própria criatura, e é aqui que del Toro mergulha mais fundo nas dimensões filosóficas da história. Ao dar voz ao ser rejeitado, o cineasta explora temas como pertencimento, identidade e a essência do que significa ser humano. A criatura, em sua busca por compreensão e aceitação, revela um sofrimento que transcende o horror: o de existir sem um lugar no mundo, de desejar amor e ser incapaz de recebê-lo. É nesse trecho que o filme se torna mais poético e devastador, equilibrando a beleza visual característica de del Toro com uma reflexão amarga sobre criação, abandono e culpa.

A veia autoral do cineasta pulsa em cada segundo do filme, do design de produção meticulosamente detalhado à fotografia envolta em tons frios e sombrios, que dialoga com a natureza trágica da história. É possível sentir a paixão que ele colocou neste filme, que já era um desejo seu de muitos anos. Enquanto isso, a trilha sonora de Alexandre Desplat se destaca por sua delicadeza melancólica, alternando momentos de grandiosidade orquestral e silêncios que falam mais do que qualquer palavra.


No elenco, todos cumprem com precisão o papel que lhes cabe dentro dessa fábula sombria. Oscar Isaac entrega um Victor Frankenstein dividido entre a genialidade e a loucura, e Jacob Elordi humaniza a criatura com uma presença física e emocional impressionante. Mia Goth, Christoph Waltz e Charles Dance completam o conjunto com atuações competentes que engrandecem ainda mais a obra. Por fim, o resultado é uma obra visualmente deslumbrante e emocionalmente dilacerante, que reafirma o diretor como uma das mentes mais criativas do cinema contemporâneo, ao transformar novamente o horror em compaixão, e o grotesco em beleza.

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Crítica: Kontinental '25 (2025)


Sempre trazendo uma sátira ácida e relevante a respeito da sociedade romena atual, mas que de certa forma também se aplica a todos os seres humanos dos quatro cantos do planeta, o cineasta Radu Jade já possui uma filmografia sólida mas, ao mesmo tempo, polêmica. Depois de "Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental" e "Não Espere Muito do Fim do Mundo", ele volta às telas em boa forma com Kontinental '25,  mais uma "dramédia" social que trata, acima de tudo, da empatia humana e do peso da culpa.


Um morador de rua tira sua própria vida ao se ver sem saída depois de receber uma ação de despejo para deixar uma casa abandonada em que ele estava se abrigando havia algum tempo, o que levaria ele a morar definitivamente na rua, ou ainda em um albergue, o que na visão dele seria pior. Antes da drástica decisão ser tomada, o filme mostrava um pouco da rotina de Ion (Gabriel Spahiu) nos últimos dias, enquanto ele caminhava com sacos de lixo nas costas pedindo qualquer tipo de trabalho às pessoas que encontrava pelo caminho, sem obter sucesso. Ao presenciar a cena da morte, a oficial de justiça Orsulya (Eszter Tompa), que foi a responsável pela ação, se sente extremamente culpada, mesmo que tenha sido obrigada a agir perante a lei e o seu próprio dever do ofício. Essa culpa vai persistir sobre ela pelo resto do filme, ditando seus passos e suas ações dali em diante.

Ao longo do roteiro, Orsulya vai conversando com outros diversos personagens que fazem parte da sua rotina, inclusive um ex-aluno da sua época de professora universitária (interpretado por Adonis Tanta), que ressurge após muitos anos e lhe traz uma perspectiva nova na vida. Todos apresentam suas próprias visões sobre o caso, fazendo com que ela sinta menos ou mais culpa, dependendo do contexto da conversa. E quando o acontecimento chega à mídia e às redes sociais com o habitual sensacionalismo, Orsulya também passa a temer por sua reputação e sua imagem, como se já não bastasse a culpa interna corroendo seu corpo diariamente e que já afetou seu trabalho e sua vida pessoal.

Também há espaço para temas bem contemporâneos nestas conversas da protagonista, como a imigração (Orsulya mesmo é húngara, e já sentiu na pele a intolerância dos nacionalistas) e a desigualdade social que vitima direta e indiretamente, todos os dias, pessoas como Ion. Soma-se a tudo o tema central de discussão, que é a gentrificação dos espaços urbanos. O homem estava sendo despejado para que, no local, fosse construído um grande hotel de luxo, que segundo a própria protagonista, só foi autorizado porque o responsável é amigo de pessoas importantes do governo.


Com humor, mas nunca deixando de tratar os temas com a seriedade que merecem, Radu Jade apresenta uma obra mais centrada e menos caótica que a sua antecessora, e eu gostei muito da maneira como o filme trabalha suas questões, da forma natural e sem pressa, mostrando sobretudo a hipocrisia das pessoas e a falta de empatia generalizada. Mais um trabalho competente deste cineasta que capta com maestria o colapso moral de uma sociedade cada vez mais individualista e egoísta, mas que no meio de tudo, ainda tem respiros de humanidade.

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Crítica: Ladrões (2025)


Conhecido por filmes controversos e que costumam sempre dividir opiniões, como Réquiem Para um Sonho, Cisne Negro, A Mãe e recentemente A Baleia, Darren Aronofsky surpreende ao se afastar do seu estilo habitual e trazer um filme explosivo, frenético e extremamente divertido em sua essência, que me lembrou muito os filmes do Guy Ritchie no início dos anos 2000 como Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998), Snatch - Porcos e Diamantes (2000) e Revolver (2005).


Ladrões (Caught Stealing) se passa em 1998 e acompanha Hank Thompson (Austin Butler), um aspirante no beisebol, que teve que largar a promissora carreira logo cedo após um acidente de carro que vitimou seu melhor amigo. Agora ele vive em Nova Iorque, onde trabalha como barman e vive uma vida agitada entre bebidas e festas. Seus breves momentos de tranquilidade são quando ele está acompanhado da namorada, Yvonne (Zoe Kravitz), e quando ele larga tudo para ligar para sua mãe, algo que ele faz constantemente, mostrando a proximidade que tem com o único elo familiar que lhe restou.

Neste primeiro ato, temos uma boa construção da personalidade de Hank, com suas angústias por carregar o peso de ter perdido a grande oportunidade da sua vida com o incidente trágico e sua maneira desregrada de viver a vida, mas ao mesmo tempo, mostrando também o seu bom coração e uma vontade implacável de viver a vida. Tudo muda quando seu amigo e vizinho de porta Russ (Matt Smith), um punk anárquico e completamente tresloucado, diz que precisa viajar para ver o pai doente e deixa o gato de estimação para Hank cuidar. Logo, ele começa a perceber uma movimentação estranha na frente da porta de Russ, de gâgsters russos a mafiosos judeus, que tentam a todo custo acessar o apartamento vizinho. Não demora para Hank ser incluído na confusão, virando o alvo desta turma perigosa, tendo que pedir socorro à agente policial Roman (Regina King).



Com reviravoltas e um roteiro bem dinâmico, o filme prende o espectador numa trama engraçada e muito vibrante. Apesar de não trazer grandes novidades daquilo que já foi visto em outros filmes do gênero, inclusive apresentando soluções bem convencionais, não dá para negar que o filme tem ótimos momentos de originalidade, como a própria figura do gato (chamado Bud), que rouba a cena e se torna um elemento diferencial da trama. Também é preciso elogiar Austin Butler, que mostra mais uma vez porque é, hoje, um dos atores mais badalados do cinema norte-americano. Sua presença é magnética, e sua atuação impecável. O elenco de apoio também está excelente, com ótimas presenças de Zoe Kravitz, Regina King, Liev Schreiber, Matt Smith e até mesmo do cantor Bad Bunny. Tudo isso acompanhado de uma trilha sonora potente.

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Crítica: A Cozinha (2025)


Dez anos depois de Güeros, um filme extraordinário que na época me conquistou profundamente, o diretor mexicano Alonso Ruizpalacios traz outro drama que aborda temas políticos e sociais com muita consistência e perspicácia, trazendo uma visão diferenciada de Nova Iorque, a visão dos trabalhadores e dos imigrantes da metrópole.


O filme começa com Estela (Anna Diaz), uma imigrante dominicana, chegando para o seu primeiro dia de trabalho no The Grill, um pequeno restaurante próximo da Times Square. A partir de então, começamos a adentrar neste universo particular, caótico, e até mesmo claustrofóbico, mas cheio de nacionalidades, idiomas e personalidades diferentes. E como era de se esperar em um lugar com tantas culturas distintas, é natural que conflitos surjam o tempo inteiro, e isso é o que não falta no enredo. Porém, também há amizade e momentos de descontração entre os personagens, que apesar das diferenças, compartilham sonhos, anseios e esperanças, e buscam, de certa forma, um espírito de união por estarem todos no mesmo barco.

No mesmo dia em que Estela chega ao local, um rombo nas finanças desperta a atenção da chefia, que inicia um processo de "investigação" para descobrir quem foi o responsável. Ao mesmo tempo, outros dramas muito particulares se desenrolam por entre os corredores estreitos, como o caso amoroso de Pedro (Raúl Briones) e Julia (Rooney Mara), que resulta em uma gravidez indesejada. E mesmo que internamente ele deseje ter o filho, ela quer imediatamente o aborto, o que culmina numa extensa discussão sobre este processo.


O grande acerto do filme é tocar com sensibilidade em temas atuais e polêmicos como aborto e imigração, mas focando sobretudo na busca por identidade destes personagens e no espírito de coletivismo, sem forçar nada e nem ser propagandista. O desmantelamento da ideia de um Estados Unidos como centro do mundo, no entanto, é algo que pulsa no roteiro, como em uma cena onde um dos personagens norte-americanos fala com orgulho inflado que é "americano" e alguém responde de prontidão que "todos ali são, pois a América é o continente inteiro".

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Crítica: A Hora do Mal (2025)


Zach Cregger talvez não tenha a verdadeira dimensão do que fez, mas verdade seja dita: ele criou um clássico. Com uma história original e um estilo muito único de desenvolvimento narrativo, A Hora do Mal (Weapons) entra fácil para a lista dos melhores filmes lançados em 2025, mas mais do que isso, já pode ser considerada uma das obras de terror mais peculiares e extraordinárias dos últimos anos.


A trama se passa em uma pequena cidade norte-americana, onde em uma determinada noite, dezessete crianças de uma mesma sala de aula desaparecem misteriosamente. Pelas câmeras de seguranças das residências, é possível ver cada uma delas deixando suas casas pela porta da frente exatamente as 2:17 da madrugada, correndo com braços estendidos em forma de "aviãozinho", aparentemente sem rumo. A única criança da turma que não some é Alex (Cary Christopher), que no dia seguinte está sentado sozinho em sua classe quando a professora Justine (Julia Garner) chega para dar aula. Ela, inclusive, é levantada como principal suspeita dos desaparecimentos pelos membros da comunidade escolar, já que eles não acreditam na mera "coincidência" de todos serem seus alunos. O que intriga a todos, no entanto, é porque um único menino foi poupado.

Através de "capítulos", que vão descortinando a história sob diferentes perspectivas, Cregger vai nos fazendo juntar o quebra-cabeças, e a montagem é tão consistente e instigante, que é impossível não mergulhar de cabeça neste universo estranho e perturbador. O diretor mistura elementos clássicos de terror com momentos de suspense psicológico e até mesmo de comédia, dosando muito bem cada gênero. É um filme que flui à sua maneira, cuja satisfação absoluta é justamente ir descobrindo aos poucos o que há por trás de suas camadas, até chegar a um clímax catártico.


Dentre as visões trazidas ao longo do enredo, nós começamos acompanhando a da professora Justine, que serve como base fundamental. Logo, também seguimos os passos de Archer (Josh Brolin), pai de uma das crianças desaparecidas, do oficial de polícia Paul (Alden Ehrenreich), do diretor da escola Marcus (Benedict Wong), e de James (Austin Abrams), um viciado que busca alternativas de ganhar dinheiro para sustentar seu vício. O mais curioso nessas escolhas da direção, é que por mais que um personagem ou outro pareça deslocado da história e te faça realmente questionar "o que ele trará de útil pra história?", no fim tudo se encaixa e se complementa de maneira surpreendente.

O elenco é muito competente em suas atribuições, com destaques para Julia Garner, que eu conheci através da série Ozark, Austin Abrams, que rouba a cena em suas aparições, e para o experiente Josh Brolin. Ainda não posso deixar de mencionar Amy Madigan, que faz Gladys, uma personagem enigmática e extremamente excêntrica, que serve de elo para todo o resto. Na parte técnica, destaque para os jogos de câmera que o diretor utiliza para deixar o filme ainda mais imersivo e empolgante, como em uma genial cena de perseguição policial, além da trilha sonora sucinta mas certeira e perturbadora.


Por fim, Weapons é um filme que beira quase a perfeição naquilo que se propõe. É cadenciado e misterioso quando precisa ser, é visceral e violento no momento certo, e engraçado sem jamais perder sua seriedade. Mais um grande respiro em um gênero que, para surpresa de muitos, vem se fortalecendo cada vez mais com filmes sólidos e criativos.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Crítica: Eddington (2025)


Eu costumava dizer que Ari Aster era um diretor que dividia opiniões, mas depois de Beau tem Medo, e agora principalmente depois de Eddington, acho que ele não divide mais: todos concordam que ele se perdeu na própria prepotência artística. Conhecido pelo fenomenal Midsommar, que logo foi seguido pelo também interessante Hereditário, Aster parece não saber mais como aproveitar toda a liberdade narrativa que ganha em seus filmes, e mais uma vez traz um roteiro insosso, repleto de sátiras sociais confusas e uma paranoia caótica e sem propósito.


O filme se passa em maio de 2020, época em que, como todos bem lembram, estávamos no pico da pandemia de Covid-19. Assim conhecemos Eddington, uma pequena cidade de pouco mais de dois mil habitantes no estado do Novo México, e que serve como base para traçar um panorama da sociedade norte-americana durante aquele período conturbado. Nela, temos o prefeito Ted Garcia (Pedro Pascal) em busca de reeleição, enquanto faz o que pode para precaver a chegada do vírus na cidade, fechando locais públicos e decretando a obrigatoriedade do uso de máscaras. As medidas incomodam alguns reacionários, como o xerife Joe Cross (Joaquin Phoenix), que se nega a usar máscara e manter os cuidados necessários, o que gera alguns conflitos com moradores por isso e com o próprio prefeito. Utilizando da propaganda negacionista, Cross também resolve se candidatar a prefeito, tentando barrar a reeleição do atual.

Partindo desta premissa, Aster começa a trazer várias outras situações que abordam a polarização que tomou conta, não somente dos Estados Unidos, mas do mundo todo, como aqui no Brasil. Em tese, Aster tenta criticar as teorias da conspiração mirabolantes que surgiam na época sobre o coronavírus, e a disseminação delas através de redes sociais, mas ao mesmo tempo, não faz nenhuma contrapartida, o que deixa uma ideia ambígua sobre a real intenção da direção. Afinal, Aster quer criticar estas "insanidades", ou dar engajamento?

Essa mesma ideia ambígua surge quando o filme começa a mostrar protestos pela cidade, principalmente do movimento conhecido como "Black Lives Matter". A pauta dos manifestantes na vida real era importante e necessária, mas todos os personagens do filme engajados nos protestos são mostrados como se fossem "alienados", sempre repetindo palavras e jargões infantis e fazendo histeria ao menor sinal de repressão. São, de certa forma, ridicularizados, em uma visão que costumamos ver em discursos da extrema direita. O filme ainda tem uma alusão aos falsos religiosos milagrosos, e sobretudo, ao modo como hoje em dia lidamos com a exposição na internet, onde todo e qualquer argumento termina com um "vou gravar isto e postar na internet", o que remete a um dos maiores medo do mundo moderno: o cancelamento. Mas tudo exagerado e fora do tom.


Esteticamente falando, Aster continua fazendo filmes atrativos e cativantes, e isso não dá pra negar que Eddington consegue ser. Porém, narrativamente, o buraco é mais embaixo. Além da confusão de ideias, e dos temas abordados não terem a  profundidade que mereciam, temos também um grande desperdício de talento, como por exemplo os personagens de Austin Butler e Emma Stone, subaproveitados e completamente descartáveis. Aliás, "descartável" é a palavra certa para definir o filme como um todo.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Crítica: A Vida de Chuck (2025)


Será que toda história contada deve ter, obrigatoriamente, respostas esclarecedoras no final e uma linha de interpretação singular? No cinema, assim como na arte em geral, isso sempre foi motivo de discussão, e eu sempre acreditei que o sentimento diferente que um filme desperta em cada espectador é muito mais importante do que elucidações lógicas e racionais. Adaptado de um conto homônimo de Stephen King, A Vida de Chuck (The Life of Chuck), novo filme de Mike Flanagan, é uma destas obras nada convencionais, que traz inúmeras interpretações e pontos de vista, e encanta pela sua maneira particular de trazer questões existenciais da vida humana.


Dividido em três atos, que por sua vez são apresentados na ordem contrária, o filme inicia com um verdadeiro caos generalizado instaurado no mundo, sobretudo nos Estados Unidos. A internet e os serviços de telefonia estão com problemas há meses e à beira de um apagão geral e definitivo, enquanto mudanças climáticas devastam o país e matam milhares. De repente, imagens de um homem chamado Chuck começam a aparecer em televisores, faixas e outdoors por todas as cidades, todos em forma de agradecimento a ele por serviços prestados durante a sua vida. Mas quem é esse homem, e porque estas homenagens em meio a um verdadeiro pandemônio?

Como disse anteriormente, nem tudo será respondido ao longo do filme, mas logo descobrimos que Chuck (Tom Hiddleston) é um homem que está em estado terminal lutando contra um câncer, o que nos leva imediatamente ao segundo ato, passado alguns meses antes do início caótico. Nele, temos uma das cenas mais legais do ano, onde Chuck passa por uma baterista de rua e inicia um grande e envolvente número de dança improvisado. O seguimento, em si, não tem ligação com o final do filme, mas serve para mostrar como Chuck era um homem enigmático, sim, mas que gostava de aproveitar os momentos da vida da melhor forma possível. 


Logo o filme pula para o último ato, onde Chuck ainda criança, tem uma infância bastante afetiva na companhia dos seus avós (Mia Sarah e Mark Hamill) enquanto descobre o talento para a dança. Neste momento, o diretor também lança elementos de ficção científica, envolvendo um sótão misterioso na casa da família, que automaticamente se interliga com o início (final) da história. Entre cenas enigmáticas, há bastante espaço para diálogos espirituosos sobre o sentido da vida e a forma como aproveitamos o nosso tempo nessa vida, além de abordar simbolicamente o rumo que a Terra está tomando por causa das ações do homem.

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Crítica: Amores Materialistas (2025)


Após o estrondoso sucesso de Vidas Passadas, que para mim é um dos melhores filmes da década, a cineasta Celine Song volta a ser o centro das atenções com Amores Materialistas (Materialists), desta vez trabalhando com três "super" estrelas do cinema norte-americano: Dakota Johnson, Chris Evans e Pedro Pascal, mas sem perder a sensibilidade e a sutileza do longa anterior na hora de versar sobre o amor e suas peculiaridades.


O filme acompanha Lucy (Johnson), que trabalha arranjando encontros para pessoas de alto padrão que estão procurando por relacionamento sério. Ela é muito boa no trabalho que faz, e já foi responsável por casar nove "pombinhos" apaixonados. Ela mesma, no entanto, não teve tanto sucesso em sua vida amorosa. O último relacionamento, com John (Evans) terminou após problemas financeiros atrapalharem a vida à dois. Agora, ela tem um novo pretendente, Harry (Pascal), um homem riquíssimo, atraente e educado, que ela conheceu na festa de um dos casamentos que arranjou. No mesmo lugar, no entanto, seu ex-namorado estava ocasionalmente trabalhando de garçom, e ao servir um drink à ela, deixou claro que pretende retomar contato.

Assim como no filme anterior, a diretora nos apresenta uma espécie de "triângulo amoroso", mas sem vilões, sem confusões e sem grandes reviravoltas. A única confusão, na verdade, está dentro da própria cabeça da protagonista, e na forma como ela lida com o amor, o desejo e a paixão. O filme vai muito além de uma comédia romântica, e talvez nem deveria ser certo rotulá-lo desta forma, pois há muito mais profundidade do que costumamos ver em filmes do gênero. 

Através de diálogos espirituosos, Song traz uma crítica aos "amores líquidos" (como já diria Zygmunt Bauman), que surgem e desaparecem na mesma velocidade, num mundo onde todos parecem estar determinados a encontrar o par literalmente perfeito de acordo com uma lista de critérios, descartando-os ao menor sinal de incompatibilidade. Ao mesmo tempo, ela também reflete sobre a essência do amor verdadeiro, aquele que surge inesperadamente e transborda acima de qualquer circunstância ou adversidade, usando até mesmo uma metáfora sobre nossos ancestrais dos tempos das cavernas. Afinal, o que faz a gente amar alguém? E tudo isso de maneira madura, direta e sem clichês emocionais.


Como o nome do filme sugere, o roteiro também disserta sobre a maneira como o dinheiro acaba, muitas vezes, sendo um fator decisivo para o sucesso ou não de uma relação. E isso não é de hoje. Lucy é uma personagem verdadeira, e por isso mesmo às vezes seus pensamentos soam detestáveis. Ela, por exemplo, deixa claro que seu relacionamento anterior acabou por ele não ter condições de levá-la para jantar em um lugar legal nem mesmo em uma data especial. Ao mesmo tempo que se culpa por isso, pensa em encontrar alguém que possa lhe dar estabilidade financeira. Mas a preço de quê, ela mesmo irá se perguntar. Com Amores Materialistas, Celine Song demonstra que sabe como poucos no cinema atual falar de amor, e de como ele é vulnerável, sensível e foge de qualquer controle racional.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Crítica: The Ugly Stepsister (2025)


Filme de estreia da diretora norueguesa Emilie Blichfeldt, The Ugly Stepsister é uma versão sangrenta da história da Cinderela, que conversa muito mais com o conto sombrio escrito pelos irmãos Grimm no século XIX do que com a versão animada da Disney a qual estamos mais acostumados. O grande acerto aqui é trazer como personagem principal a jovem Elvira (Lea Myren), uma das meias-irmãs feias da “Cinderela” (que no filme se chama Agnes e é apenas uma coadjuvante de luxo na história).


O roteiro começa com as irmãs Elvira e Alma (Flo Flagerli) viajando com a mãe (Ane Dahl Torp) para a Suécia, onde a matriarca irá se casar com um homem supostamente rico. Logo após a morte deste mesmo homem, elas acabam ficando na casa, mas descobrem que ele, na verdade, não era tão rico quanto prometia ser. Então, afim de conseguir garantir uma boa vida para elas, a mãe fica obcecada com a ideia de casar a mais nova, justamente Elvira, com o príncipe local, que está para dar um baile com a intenção de conhecer sua futura esposa.

Para isso, no entanto, Elvira precisa ser transformada, e a mãe não mede esforços e nem dinheiro para conseguir realizar o seu grande plano, doa a quem doer. No caso, doa à Elvira, que tem desde o nariz quebrado até cílios postiços literalmente costurados na região dos olhos, além de várias outras intervenções cirúrgicas extremamente violentas. Pior do que isso, a filha também acaba ficando obcecada com a ideia do casamento, tomando atitudes drásticas de automutilação. Para caber em um vestido menor que o seu número, por exemplo, ela ingere um ovo de tênia para que o verme fique dentro do seu intestino e coma tudo o que ela usar para se alimentar. Para que seu pé entre no sapatinho perdido de Agnes durante o baile real, ela corta os dedos dos próprios pés.


Sim, o filme vai a extremos inimagináveis, se tornando um “body horror” com excelentes elementos de gore. Tudo sem filtro e com muita veracidade, e algumas cenas me deixaram realmente agoniado, principalmente uma que inclui uma tênia enorme. Essa é para estômagos fortes. Por fim, apesar de ter essa atmosfera bizarra, nada no filme soa como forçado ou fora do tom. É um debut muito interessante de uma diretora que promete.

sábado, 4 de janeiro de 2025

Crítica: Nosferatu (2024)


Cento e dois anos após o clássico inigualável de F. W. Murnau, e quarenta e cinco após a marcante releitura de Werner Herzog, Nosferatu está novamente entre nós. E mais uma vez, em boas mãos. Com uma autenticidade única e uma assinatura própria que já é marcante mesmo com tão pouco tempo de carreira, Robert Eggers nos apresenta sua visão fascinante e ao mesmo tempo horripilante do conde Orlof, neste que pode ser considerado o primeiro grande acontecimento do cinema no Brasil em 2025.


O filme inicia no ano de 1838, quando Thomas (Nicholas Hoult), um jovem recém casado com Ellen (Lily-Rose Depp), recebe uma missão que vai lhe ajudar a crescer na carreira de agente imobiliário. Ele precisa ir até um lugar muito distante na Transilvânia para recolher a assinatura de um conde enigmático que acaba de adquirir uma mansão na cidade onde Thomas vive, na Alemanha. Animado com a possibilidade de mudar de vida, ele não pensa duas vezes em aceitar, e parte em viagem sem ter ideia do que iria encontrar pelo caminho.

Após enfrentar paisagens bucólicas e amedrontadoras, o rapaz finalmente chega ao castelo, onde conhece o conde Orlof (Bill Skarsgard), que na verdade é um vampiro milenar com feições horripilantes e uma voz gutural assustadora. Orlof logo mostra que sua verdadeira intenção no negócio não é a mansão, mas sim, algo muito mais importante, sobretudo para o próprio Thomas. Paralelamente, acompanhamos o dia a dia de Ellen, que ficou na cidade cuidando da casa e passa a presenciar episódios macabros dentro e fora de sua mente.

A fotografia de Jarin Blaschke é um ponto alto do filme. Com seu tom acinzentado, ela consegue aproveitar muito bem as sombras, e quem viu o clássico expressionista de 1922 sabe o tanto que isso é importante para a obra. Além disso, toda a estética do filme é extremamente bem trabalhada, tanto nos figurinos como nos cenários, criando uma obra visualmente deslumbrante e impactante.


Por mais controverso que tenha sido para alguns, eu gostei bastante do visual do conde criado por Eggers, uma proposta bem mais apavorante do que eu esperava mas sem ser nada extravagante. Também aceitei muito bem as liberdades criativas do diretor, que não fogem tanto da história original, mas dão um ar completamente renovado para ela. Nosferatu foi o meu primeiro filme visto em 2025, e com certeza foi um início com o pé direito.