quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Crítica: A Vida de Chuck (2025)


Será que toda história contada deve ter, obrigatoriamente, respostas esclarecedoras no final e uma linha de interpretação singular? No cinema, assim como na arte em geral, isso sempre foi motivo de discussão, e eu sempre acreditei que o sentimento diferente que um filme desperta em cada espectador é muito mais importante do que elucidações lógicas e racionais. Adaptado de um conto homônimo de Stephen King, A Vida de Chuck (The Life of Chuck), novo filme de Mike Flanagan, é uma destas obras nada convencionais, que traz inúmeras interpretações e pontos de vista, e encanta pela sua maneira particular de trazer questões existenciais da vida humana.


Dividido em três atos, que por sua vez são apresentados na ordem contrária, o filme inicia com um verdadeiro caos generalizado instaurado no mundo, sobretudo nos Estados Unidos. A internet e os serviços de telefonia estão com problemas há meses e à beira de um apagão geral e definitivo, enquanto mudanças climáticas devastam o país e matam milhares. De repente, imagens de um homem chamado Chuck começam a aparecer em televisores, faixas e outdoors por todas as cidades, todos em forma de agradecimento a ele por serviços prestados durante a sua vida. Mas quem é esse homem, e porque estas homenagens em meio a um verdadeiro pandemônio?

Como disse anteriormente, nem tudo será respondido ao longo do filme, mas logo descobrimos que Chuck (Tom Hiddleston) é um homem que está em estado terminal lutando contra um câncer, o que nos leva imediatamente ao segundo ato, passado alguns meses antes do início caótico. Nele, temos uma das cenas mais legais do ano, onde Chuck passa por uma baterista de rua e inicia um grande e envolvente número de dança improvisado. O seguimento, em si, não tem ligação com o final do filme, mas serve para mostrar como Chuck era um homem enigmático, sim, mas que gostava de aproveitar os momentos da vida da melhor forma possível. 


Logo o filme pula para o último ato, onde Chuck ainda criança, tem uma infância bastante afetiva na companhia dos seus avós (Mia Sarah e Mark Hamill) enquanto descobre o talento para a dança. Neste momento, o diretor também lança elementos de ficção científica, envolvendo um sótão misterioso na casa da família, que automaticamente se interliga com o início (final) da história. Entre cenas enigmáticas, há bastante espaço para diálogos espirituosos sobre o sentido da vida e a forma como aproveitamos o nosso tempo nessa vida, além de abordar simbolicamente o rumo que a Terra está tomando por causa das ações do homem.

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Crítica: Amores Materialistas (2025)


Após o estrondoso sucesso de Vidas Passadas, que para mim é um dos melhores filmes da década, a cineasta Celine Song volta a ser o centro das atenções com Amores Materialistas (Materialists), desta vez trabalhando com três "super" estrelas do cinema norte-americano: Dakota Johnson, Chris Evans e Pedro Pascal, mas sem perder a sensibilidade e a sutileza do longa anterior na hora de versar sobre o amor e suas peculiaridades.


O filme acompanha Lucy (Johnson), que trabalha arranjando encontros para pessoas de alto padrão que estão procurando por relacionamento sério. Ela é muito boa no trabalho que faz, e já foi responsável por casar nove "pombinhos" apaixonados. Ela mesma, no entanto, não teve tanto sucesso em sua vida amorosa. O último relacionamento, com John (Evans) terminou após problemas financeiros atrapalharem a vida à dois. Agora, ela tem um novo pretendente, Harry (Pascal), um homem riquíssimo, atraente e educado, que ela conheceu na festa de um dos casamentos que arranjou. No mesmo lugar, no entanto, seu ex-namorado estava ocasionalmente trabalhando de garçom, e ao servir um drink à ela, deixou claro que pretende retomar contato.

Assim como no filme anterior, a diretora nos apresenta uma espécie de "triângulo amoroso", mas sem vilões, sem confusões e sem grandes reviravoltas. A única confusão, na verdade, está dentro da própria cabeça da protagonista, e na forma como ela lida com o amor, o desejo e a paixão. O filme vai muito além de uma comédia romântica, e talvez nem deveria ser certo rotulá-lo desta forma, pois há muito mais profundidade do que costumamos ver em filmes do gênero. 

Através de diálogos espirituosos, Song traz uma crítica aos "amores líquidos" (como já diria Zygmunt Bauman), que surgem e desaparecem na mesma velocidade, num mundo onde todos parecem estar determinados a encontrar o par literalmente perfeito de acordo com uma lista de critérios, descartando-os ao menor sinal de incompatibilidade. Ao mesmo tempo, ela também reflete sobre a essência do amor verdadeiro, aquele que surge inesperadamente e transborda acima de qualquer circunstância ou adversidade, usando até mesmo uma metáfora sobre nossos ancestrais dos tempos das cavernas. Afinal, o que faz a gente amar alguém? E tudo isso de maneira madura, direta e sem clichês emocionais.


Como o nome do filme sugere, o roteiro também disserta sobre a maneira como o dinheiro acaba, muitas vezes, sendo um fator decisivo para o sucesso ou não de uma relação. E isso não é de hoje. Lucy é uma personagem verdadeira, e por isso mesmo às vezes seus pensamentos soam detestáveis. Ela, por exemplo, deixa claro que seu relacionamento anterior acabou por ele não ter condições de levá-la para jantar em um lugar legal nem mesmo em uma data especial. Ao mesmo tempo que se culpa por isso, pensa em encontrar alguém que possa lhe dar estabilidade financeira. Mas a preço de quê, ela mesmo irá se perguntar. Com Amores Materialistas, Celine Song demonstra que sabe como poucos no cinema atual falar de amor, e de como ele é vulnerável, sensível e foge de qualquer controle racional.