Para mostrar o dia dos dois, Noé utiliza a tela dividida, onde cada lado foca em um deles. Esse artifício deixa o filme muito dinâmico, e gostei muito do jogo feito com as câmeras e seus ângulos. Ao acompanhar cada um individualmente, percebemos um vazio muito grande na existência deste casal, que passam um pelo outro dentro de casa como meros desconhecidos, e cujo tempo os isolou emocionalmente. Apesar de tudo, ainda existe uma certa doçura e cumplicidade na relação, como o cuidado que ele tem com ela, que não pode ficar muito tempo sozinha sob perigo de sair porta afora e não saber voltar. Porém, é notório que não existe mais vida ali, não existe mais nenhum resquício de alegria, e a ideia de Noé é justamente mostrar como vamos morrendo aos poucos, muito antes da morte física.
domingo, 31 de julho de 2022
Crítica: Vortex (2022)
Para mostrar o dia dos dois, Noé utiliza a tela dividida, onde cada lado foca em um deles. Esse artifício deixa o filme muito dinâmico, e gostei muito do jogo feito com as câmeras e seus ângulos. Ao acompanhar cada um individualmente, percebemos um vazio muito grande na existência deste casal, que passam um pelo outro dentro de casa como meros desconhecidos, e cujo tempo os isolou emocionalmente. Apesar de tudo, ainda existe uma certa doçura e cumplicidade na relação, como o cuidado que ele tem com ela, que não pode ficar muito tempo sozinha sob perigo de sair porta afora e não saber voltar. Porém, é notório que não existe mais vida ali, não existe mais nenhum resquício de alegria, e a ideia de Noé é justamente mostrar como vamos morrendo aos poucos, muito antes da morte física.
sexta-feira, 29 de julho de 2022
Crítica: O Telefone Preto (2022)
A fotografia antiga, a
trilha sonora dos anos 1970/80, as roupas da época e crianças como
protagonistas. Eu poderia estar falando de Stranger Things, mas também
são características de O Telefone Preto (The Black Phone), filme de
terror que estreou semana passada nos cinemas brasileiros e que,
obviamente, aproveita um pouco do "hype" da série da Netflix para pescar
esse grupo específico de espectadores.
Marcando a volta do
diretor Scott Derrickson ao gênero de terror, depois de ficar conhecido por O
Exorcismo de Emily Rose, A Entidade e Livrai-nos do Mal, o filme é uma
adaptação do conto homônimo escrito por Joe Hill (filho de Stephen King)
e começa mostrando o ambiente escolar de Denver, que vive um clima de
medo após o desaparecimento de um jovem garoto promissor no baseball.
Logo outras crianças também desaparecem, entre elas o tímido Finney
(Mason Thames), e é a partir de então que descobrimos que quem está por
trás de tudo é um homem misterioso que dirige uma van preta e usa uma
máscara sinistra.
Após ser capturado, Finney acaba preso em um
porão a prova de som, onde começa a receber ligações estranhas em um
telefone preto preso à parede, que teoricamente não funciona. Esses
telefonemas partem de antigas vítimas do homem, justamente as crianças
que desapareceram anteriormente, e elas passam a dar instruções de como
Finney deve agir para escapar e não ter o mesmo fim trágico que eles
tiveram.
O enredo prende bastante, isso é inegável, mas senti falta de uma abordagem maior sobre o porquê dessas crianças serem sequestradas e de onde surgiu este homem (interpretado por Ethan Hawke), algo que não é respondido ao final. Em certo momento eu até cogitei que seria para serem estupradas pelo vilão, mas é algo que se descarta no decorrer do filme. O único personagem que é mais aprofundado é Finney, que tem uma família disfuncional composta por um pai violento e uma irmã sensitiva, que por sinal usa esse seu dom para auxiliar a polícia nos desaparecimentos. O Telefone Preto não é aquele típico filme de terror que dá sustos no espectador ou apela para o lado visceral, mas nem por isso deixa de ser terror, ainda que não consiga ser eficiente em tudo que propõem.
quinta-feira, 28 de julho de 2022
Crítica: Elvis (2022)
Um gênero específico
de filmes tem atraído um grande público aos cinemas nos últimos anos e
obtido um enorme sucesso de crítica e bilheteria. Estou falando das
cinebiografias de músicos do Rock n' Roll, que tem como exemplos bem
recentes Bohemian Rhapsody (Freddy Mercury) e Rocketman (Elton John), e
que agora com Elvis atinge o seu ápice. Aproveitando o interesse em alta
neste tipo de filme, Baz Luhrmann (Moulin Rouge / O Grande Gatsby)
resolveu nos apresentar em seu novo musical a trajetória e o legado de
Elvis Presley, considerado por muitos o "Rei do Rock", mesclando a
história do astro com um retrato da sociedade norte-americana dos anos
1950, 1960 e 1970.
Para contar a história de Elvis, desde a sua
infância em Memphis até sua morte em 1977, o diretor utilizou outro
personagem como fio condutor: o coronel Tom Parker (Tom Hanks), que
trabalhava em um circo e descobriu Elvis quando ele ainda era apenas um
jovem promissor. Visto por muitos como vilão e talvez até causador da
morte do cantor, Parker narra a sua versão da história, direto do seu
leito de morte, cabendo ao espectador julgar suas atitudes como certas
ou erradas. O fato é que, inegavelmente, foi Parker quem levou o nome de
Elvis ao mundo (irônico, se você for analisar depois o final do filme).
A
partir dos relatos de Parker, acompanhamos o surgimento de Elvis, sua
amizade com os músicos do blues da icônica Beale Street, sua forçada
carreira militar após ser acusado pelo governo de "andar com negros",
seu casamento com Priscilla, a morte de sua mãe, seu contrato quase
exclusivo de show no International Hotel de Las Vegas e o uso de pílulas
fora de controle, que o levaram ao derradeiro fim. A montagem do filme é
muito dinâmica, contendo inclusive inserções animadas, e tudo
transcorre com muita agilidade, o que não deixa o filme perder o ritmo
em nenhum momento mesmo com suas 2h40 de duração.
O filme não deixa de
lembrar em momento algum que o Rock n' Roll é um gênero criado pelos
pretos, e que eles que serviram de referência direta e indiretamente
para a carreira de Elvis. Temos aparições de B.B. King, Sister Rosetta
Tharpe, Mahalia Jackson e Little Richard, artistas marcantes do rhythm
& blues, que reforçam muito esta ideia. O gingado, a energia e as
letras de Elvis viraram caso de polícia justamente por remeter àquilo
que faziam os músicos pretos da época no palco, visto como "sujo" e
"coisa de selvagem" pela parte conservadora e racista. Vale lembrar que o
filme se passa em um período conturbado e triste da história americana,
onde a segregação ainda estava recém sendo abolida a passos lentos, e o
país presenciou as mortes violentas dos irmãos Kennedy e de Martin
Luther King. Todo esse clima hostil e pessimista quanto ao futuro é
muito bem elaborado pelo diretor, e mostra como isso também refletiu na
vida e na carreira de Elvis.
Não tem como falar desse filme e não exaltar, com uma salva de palmas, de pé, a atuação de Austin Butler. Ele não interpreta Elvis, ele realmente incorpora, ao ponto de uma cena específica me deixar em dúvida se era o ator ou se era o próprio Elvis em imagens de arquivo. Me surpreendeu demais a atuação deste ator que eu pouco conhecia até então, e tenho certeza de que ele estará nas principais premiações daqui para a frente. Outro nome que se destaca é o de Tom Hanks, fora todo o elenco de apoio que também está brilhante. Por fim, diferente de outros filmes do Luhrmann, a estética "exagerada" não me incomodou aqui, pelo contrário, pois serviu para mostrar ainda mais a grandeza deste nome que é Elvis Presley, de uma forma que talvez outro diretor não conseguiria. Um dos melhores filmes do ano, se não o melhor.
sexta-feira, 22 de julho de 2022
Crítica: Aloners (2022)
O filme tem uma atmosfera fria e passa bem a ideia de vazio que existe hoje nas relações interpessoais. Um exemplo bem claro é quando o vizinho do lado de Jina, que tenta puxar assunto com ela no começo e é ignorado, acaba morrendo, e mesmo tendo passado uma semana do ocorrido ela não tinha percebido. Pois é assim que vivemos hoje, sem nem saber direito quem são as pessoas que nos rodeiam, um "bom dia" pelos corredores do condomínio ou do trabalho virou artigo de luxo, e as relações estão cada vez mais reduzidas a afetos passageiros.
sexta-feira, 15 de julho de 2022
Crítica: Concorrência Oficial (2022)
Bastante elogiado após
seu lançamento no Festival de Veneza, Concorrência Oficial (Competencia
Oficial) marca mais uma parceria entre os diretores argentinos Gastón
Duprat e Mariano Cohn, a sexta da carreira. Da mesma forma que fizeram
em seus filmes anteriores, como no também elogiadíssimo O Cidadão
Ilustre, os dois voltam a falar sobre egos individuais, principalmente
com personagens que têm uma certa aproximação com a arte, neste caso o
próprio cinema.
Na trama, um milionário do ramo farmacêutico
acaba de completar 80 anos e em meio a uma crise existencial pensa que
todos o conhecem apenas pelo seu dinheiro. Decidido a fazer algo para
deixar algum legado, duas ideias surgem: inaugurar uma ponte com seu
nome e financiar um filme que leve seu nome eternizado nos créditos.
Para
a realização do filme, ele chama a diretora conceituada Lola Cuevas
(Penélope Cruz), que acumula sucessos ao longo da carreira mas possui um
jeito excêntrico de trabalhar. Lola logo pede para trabalhar com dois
atores, Felix Rivero (Antônio Banderas), um astro que faz filmes
campeões de bilheteria e já ganhou diversos prêmios mundo afora, e Iván
Torres (Oscar Martinez), que tem décadas de carreira no teatro, mas sem
grandes holofotes.
Logo na chegada dos dois já percebemos uma
grande diferença entre o estilo de vida de cada um. Enquanto Ivan chega
de táxi, tranquilamente, Félix chega de carona em uma Lamborghini,
beijando a acompanhante de forma espalhafatosa. Na entrevista, Ivan leva
a sério seu papel, criando até uma historinha pregressa para o seu
personagem, enquanto Félix diz que isso é uma bobagem e só está ali para
cumprir o que está no roteiro e nada mais. Esse é apenas o começo do
joguinho que rola entre os dois, e que precisa ser mediado por Lola com
pulso firme.
O enredo coloca a história do filme que está sendo
filmado dentro do que estamos assistindo, e aos poucos vai mesclando um
ao outro, de uma forma muito competente. Quem gosta de filmes sobre
"fazer filmes" vai se interessar pelo desenrolar, que vai ganhando
contornos cada vez mais exóticos graças aos métodos empregados por Lola.
Seja colocando medo com o uso de uma pedra imensa, seja medindo a intensidade do beijo de cada um para uma cena específica, ou até mesmo provocando de uma maneira sensual, Lola é um personagem à parte, e cabe aqui um elogio para a grande atriz que é Penélope Cruz. Banderas e Martinez também estão muito bem em seus papéis, e o final surpreende de uma maneira ímpar. Por fim, entre vários acertos de Concorrência Oficial, o principal é trazer uma importante crítica ao mundo das artes como um todo, onde as pessoas medem o talento pelo número de prêmios conquistados e o dinheiro sempre fala mais alto.
domingo, 10 de julho de 2022
Crítica: Crimes do Futuro (2022)
Lançado em Cannes,
Crimes do Futuro (Crimes of the Future) já é com certeza um dos filmes
mais perturbadores do ano. E não é para menos, já que estamos falando de
David Cronenberg, diretor responsável por clássicos do gênero "body
horror" como A Mosca, Videodrome e Crash- Estranhos Prazeres, e que
estava longe das telas desde 2012.
O enredo se passa em um futuro
distante, onde o ser humano evoluiu (será mesmo?) ao ponto de não
sentir mais dor. As pessoas já estão acostumadas com essa nova realidade
e um dos prazeres mais compartilhados é o de se cortar. Sim, isso
mesmo. A cirurgia virou o "novo sexo", e são esses procedimentos
cirúrgicos que fazem as pessoas compartilharem prazer entre si. Alguns
seres humanos também possuem a capacidade de criar novos órgãos dentro
do próprio corpo, e é aí que entra a figura de Saul Tenser (Viggo
Mortensen), que com a ajuda de Caprice (Lea Seydoux) faz pequenas
apresentações artísticas onde faz a retirada destes órgãos, para delírio
dos espectadores. No meio deste cenário, tem ainda uma espécie de
sociedade secreta, que está tentando fazer com o que os humanos se
alimentem de plástico.
A estética do filme é sombria, mostrando
que o ser humano, mesmo tendo encontrado uma nova forma de prazer, segue
em um caminho melancólico. Visualmente, o filme tem elementos muito
marcantes, como a cama onde Saul dorme, que possui um formato de concha,
a cadeira onde os humanos comem, cheia de braços mecânicos que auxiliam
na digestão, e até mesmo a máquina de autópsias, que tem o formato de
um sarcófago.
Assim como fez em Crash, Cronenberg também brinca com a sensualidade, que aqui é vista através das expressões de prazer dos personagens enquanto são cortados ou em frases de conotação sexual que remetem a bisturís e cortes profundos. A ideia do diretor, no entanto, parece se perder um pouco no desenrolar da história, e acaba sendo um filme que choca mais do que qualquer outra coisa. Também achei as atuações fracas e pouco convincentes, mesmo com um ótimo elenco envolvido. Apesar de tudo, não deixa de ser uma experiência interessante para quem gosta de histórias fora do "lugar comum".