quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Crítica: A Odisseia dos Tontos (2019)


Sou um grande fã do cinema argentino e da sua maneira bem-humorada de lidar com os problemas do país. O diretor Sebastián Borensztein, que já havia me conquistado com Um Conto Chinês (2011), volta a trabalhar com Ricardo Darín em A Odisseia dos Tontos (La Odisea de los Giles), uma estória de superação e sobretudo de amizade.



O enredo nos coloca dentro da Argentina de 2001, no auge da crise que assolou o país na época. Em uma cidade pequena do interior, um grupo de pessoas decide formar uma cooperativa para juntar dinheiro e comprar uma fábrica abandonada, afim de reaquecer os negócios na região. Porém, logo que fazem o investimento, eles acabam caindo no golpe de um banqueiro e de seu advogado, e ficam sem absolutamente nada. A partir desse acontecimento, começam a planejar uma forma de recuperar tudo o que perderam, e vão até o limite para conseguir.

O filme segue a cartilha dos filmes de assalto norte-americanos, mas sabe se adaptar muito bem a cultura Argentina e às suas características. Todos os personagens são bem trabalhados e ganham seus momentos. O protagonista Ricardo Darin apresenta mais uma vez uma atuação segura e convincente, e e o único que apresenta momentos de dramaticidade em meio aos demais. Quem também está muito bem é Luis Brandini com seu jeito sério e debochado.



Representa da Argentina no Oscar de 2020, A Odisseia dos Tontos é um filme sobre não se deixar vencer tão fácil, sobre ir atrás de justiça, mas sobretudo sobre como a união das pessoas é capaz de corrigir injustiças (mesmo que parece fácil na ficção). Na sessão onde assisti o filme foi aplaudido no final da exibição, tamanho seu carisma com o espectador. Mais um grande trabalho do cinema argentino para a conta.


segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Crítica: A Vida Invisível (2019)


Vencedor do prêmio principal da mostra Um Certo Olhar em Cannes e representante do Brasil no Óscar 2020, A Vida Invisível, de Karim Ainouz (Madame Satã e O Céu de Suely) é um dos filmes mais poderosos do nosso cinema nos últimos anos, e ao mesmo tempo que encanta com cenas belíssimas, também incomoda ao tocar em assuntos extremamente necessários nos dias de hoje.



O enredo acompanha a história de Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler), duas irmãs que cresceram juntas em uma família de portugueses no Rio de Janeiro dos anos 1940 e 1950. As duas possuem personalidades distintas; enquanto Eurídice é introvertida, inocente e tenta seguir as regras impostas pela sociedade, Guida é espontânea, inquieta e efusiva, e não baixa a cabeça para as convenções sociais da época. Um dia Guida resolve fugir de casa para viver um amor escondido, sem fazer a mínima ideia de que essa sua atitude mudaria para sempre a vida das duas. 

Apaixonada pela música e sonhando em se tornar uma pianista de sucesso, Eurídice se apega a isso para sobreviver aos dias que se seguiram sem a irmã, até se casar com Antenor (Gregorio Duvivier) e sair definitivamente de casa. O casamento, no entanto, é muito longe do que ela buscava para sua vida, e o diretor utiliza essa união para evidenciar o machismo na sua pior forma, com direito a cenas bem pesadas de violência doméstica, tanto verbal como sexual. Aliás, é interessante analisar como o sexo é utilizado pelo diretor em cena, sempre como um elemento opressor do sexo masculino, e não como algo prazeroso e confortável para os dois lados. Nota-se no olhar das mulheres nessas cenas o desconforto que elas carregam de serem vistas apenas como objetos.



O filme é sobre um grande desencontro das duas irmãs, mas também de novos encontros. Quando Guida volta para casa e não é aceita pelo pai por estar grávida, ela precisa encontrar uma forma de sobreviver e recomeçar a vida na companhia de uma "nova" família, onde é acolhida com muito carinho. Interessante analisar que o título do livro, do qual deriva o filme, é A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, e essa segunda parte do nome foi surrupiada para o cinema por um propósito: aqui não é somente Eurídice que se torna uma personagem apagada pelas nuances da vida, mas é um filme sobre todas as mulheres que viviam na época e enfrentaram as mesmas dificuldades de tentar ser alguém.

O filme tem um ótimo elenco, e ganha um toque ainda mais especial com a participação de Fernanda Montenegro. Uma atuação breve, por cerca de 20 minutos, mas avassaladora, provando mais uma vez o porque dela ser o maior patrimônio do cinema brasileiro. O enredo intercala a história das duas irmãs sem se tornar cansativo, e é legal perceber como, mesmo distantes, elas sempre tiveram uma ligação de alma inquebrável.



Por fim, A Visa Invisível é uma obra sobre famílias partidas, afastamentos, e principalmente saudade. É a maturidade do cinema de Karim Ainouz, que tem aqui o melhor filme de sua carreira até então. Viva o cinema nacional.