quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Crítica: Aranha (2021)


Dezessete anos depois do excelente Machuca, o diretor Andrés Wood volta a abordar o período pré-ditadura militar no Chile com Aranha (Arana), filme que representou o país no Oscar de 2020 e que só agora em 2021 chegou aos cinemas brasileiros.


Diferente do filme de 2006, que trazia uma visão das crianças sobre este período delicado da história chilena, aqui o foco do diretor é nas ações do grupo nacionalista Patria Y Libertad. Nos anos 1970, a organização paramilitar de extrema direita, que tinha um símbolo semelhante a uma aranha (daí o nome do filme), realizou uma série de atentados e colaborou no golpe contra o governo eleito de Salvador Allende, o que veio a resultar num dos governos de exceção mais sanguinários da história comandado por Augusto Pinochet.

O roteiro se passa em dois períodos distintos, os anos pré-ditadura (1970-1973) e os anos atuais, com os membros do grupo já envelhecidos e vivendo uma vida normal. O ponto de partida ocorre quando Gerardo (Marcelo Alonso) decide fazer justiça com as próprias mãos e atropela um assaltante, levando-o à morte. O ato acaba viralizando na internet, e não demora para chegar ao conhecimento de Inés (Mercedes Morán), que foi sua amante quando os dois faziam parte da organização política. O problema é que Inés quer esquecer a todo custo o que aconteceu naquela época, principalmente porque o ressurgimento de Gerardo, após anos vivendo com outra identidade, pode trazer à tona todos os crimes que ela e seu marido Justo (Felipe Armas) cometeram junto com ele.


Gostei muito da reconstrução da época, com uma fotografia primorosa e detalhista. Destaque também para a trilha sonora e as atuações, que inclui uma participação muito especial do ator brasileiro Caio Blat na pele de um dos líderes do grupo. É interessante ver como, mesmo depois de muitos anos, os personagens seguem com as mesmas idéias, ainda que por conveniência tenham que disfarçar muito bem, já que no Chile a questão da ditadura é uma ferida que é levada muito a sério. Diferente, por exemplo, do Brasil, onde vemos muitos entusiastas da ditadura e cada vez com mais liberdade de expressar isso.


terça-feira, 21 de setembro de 2021

Crítica: Cry Macho (2021)


Algumas críticas são impossíveis de serem escritas apenas utilizando a razão, sem colocarmos junto o coração. É o caso de Cry Macho, que não tem como ponto forte a criatividade no roteiro, mas tem um elemento que faz toda a diferença: Clint Eastwood, no alto dos seus 91 anos, dirigindo e atuando em um mesmo filme pela 25ª vez na carreira.



A trama de Cry Macho acompanha Mike Milo (Eastwood), uma antiga estrela de rodeios que agora aproveita sua vida pacata numa pequena cidade do Texas. Certo dia ele aceita um trabalho de um ex-chefe (Dwight Yoakam), que pede para ele atravessar a fronteira e ir até o México para trazer seu filho adolescente, que vive no país vizinho com a mãe.

Mike não encontra dificuldades em achar o garoto (Eduardo Minett), que vive de apostas em rinhas de galos com seu galo vencedor chamado Macho. Também não encontra resistência do garoto em aceitar viajar até o pai, já que sua vida com a mãe é caótica e cheia de abusos. O caminho de volta pros Estados Unidos, no entanto, acaba se tornando o grande desafio da jornada, onde eles precisam usar rotas alternativas para fugir tanto de bandidos quanto da polícia.


Clint não reinventa a roda, não tenta mudar seu estilo já consagrado, e traz uma história sem grandes surpresas, focada na relação entre duas pessoas de idades e gerações completamente diferentes, cujo conflito de ideias é bem bacana de acompanhar. Gostei do humor utilizado nas cenas, e principalmente dos diálogos. Algumas facilitações no roteiro, porém, me incomodaram um pouco. Falo sobre situações que seriam mais complexas de serem resolvidas, mas que os personagens encontram muita facilidade na hora para resolver. Algumas cenas também me pareceram corridas, excepcionalmente na parte final.

O motivo de ter falado sobre razão e emoção no começo da crítica é o fato de que, provavelmente, se não tivesse a figura de Clint Eastwood na estória, não teria me causado tanto interesse, principalmente pela premissa. Mas o cara é demais, e não tem como ficar indiferente. Por fim, Cry Macho é um filme para assistir sem grandes expectativas, mas com a certeza de estar vendo mais um capítulo (o último, será?) da história dessa lenda.


sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Crítica: Nem um Passo em Falso (2021)

 


Com distribuição exclusiva da HBO Max no Brasil, o novo filme do diretor Steven Soderbergh, Nem Um Passo em Falso (No Sudden Move), traz uma visão bastante pessimista do ser humano, onde não se pode confiar nem mesmo na sua própria sombra e o dinheiro é quem comanda tudo.


A trama se passa em Detroit, na metade dos anos 1950, e mostra um grupo de criminosos que é reunido, sob uma circunstância misteriosa, para roubar uma pasta de documentos com informações sigilosas. São chamados para a missão Ronald (Benicio Del Toro), Curt (Don Cheadle) e Charley (Kieran Culkin), que não se conheciam antes e precisam correr contra o tempo para botar o plano em ação.

Não há muito aprofundamento na história pregressa dos personagens. Não temos muitas informações de quem são, como chegaram até ali, e isso talvez distancie um pouco o espectador de uma eventual empatia com eles. Isso porém não é culpa dos atores, que estão muito bem nos papéis, em um elenco recheado de estrelas. Além dos três ótimos protagonistas, ainda temos a participação dos veterano Ray Liotta, Bill Duke e Brendan Fraser, além de Matt Damon.


O que mais impressiona no filme é sua fotografia e a ambientação da época. É um trabalho primoroso na questão técnica, e isso, juntamente com as atuações, é o que prende a atenção até o final, já que o roteiro em si faz algumas escolhas duvidosas. Final esse que, inclusive, foi uma boa surpresa. Tenho muitas ressalvas em relação a filmografia do Soderbergh, diretor que acho muito inconstante, mas esse talvez seja o seu melhor trabalho desde Minha Vida com Liberace (2013).


quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Crítica: Quanto Vale? (2021)

 


"Quanto vale uma vida?" É com esse questionamento que inicia Quanto Vale? (Worth), filme da diretora Sara Colangelo que se baseia no livro escrito por Kenneth Feinberg, responsável pelo fundo de compensação às vítimas do atentado de 11 de setembro.


Muitos filmes já abordaram a tragédia, seja sob a visão das vítimas, seja sob a visão dos bombeiros, mas aqui temos uma abordagem um pouco diferente. A trama foca em Kenneth (Michael Keaton), o advogado que fica responsável por convencer os familiares das vítimas a aceitarem o dinheiro do fundo de compensação, em troca de não entrarem na justiça contra as companhias aéreas e o governo, o que faria o país entrar em um inevitável caos econômico.

Junto com sua sócia Camille (Amy Ryan), Kenneth cria uma controversa tabela de quanto cada família deverá receber de indenização, de acordo com o salário da vítima. Essa divisão, obviamente causa revolta nos familiares, que entendem que seus entes mortos valem menos do que outros pela sua posição social. Da mesma forma, os familiares das vítimas mais "ricas" se sentem ofendidos pela ideia de receberem o mesmo que os outros, e isso deixa Kenneth e sua equipe com a dura tarefa de resolver a questão da melhor forma para todos.


É um filme que discute bastante essa questão da diferença por renda. Um CEO de uma empresa vale o mesmo que um faxineiro? Na questão humana, obviamente que sim, mas quando envolve dinheiro, as coisas parecem ser um pouco diferentes. Apesar de falar sobre um tema que até hoje causa traumas, não é um filme que puxa para o dramalhão. As partes mais emocionais são através de relatos das vítimas, e são importantes para o desenrolar do enredo. A inserção do personagem Charles (Stanley Tucci), que tenta conciliar as duas partes, também é muito bem vinda.

É, na verdade, um filme sobre o luto em massa, e a forma como reagimos em situações como essa. Numa época em que perdemos, só no Brasil, mais de 500 mil vidas por covid-19, Quanto Vale? se mostra um filme necessário para entendermos que as vítimas não são apenas números, mas tem histórias e deixarão saudades a quem ficou.


sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Crítica: A Candidata Perfeita (2021)


Com os olhos do mundo voltados neste momento para o Afeganistão, volta-se a discutir também, dentre outros pontos, os direitos das mulheres em países comandados pelas leis islâmicas. Entre eles a Arábia Saudita, terra natal da diretora Haifaa al-Mansour, que por sua vez é considerada a primeira mulher cineasta do país depois de muitos anos de proibição.


O longa de Haifaa acompanha a jovem Maryam (Mila Al Zahrani), que trabalha como médica em uma clínica da sua cidade. Mesmo sendo muito competente na função que exerce, ela sofre com o preconceito por ser mulher a todo momento, inclusive com pacientes homens se negando a serem atendidos por ela.

Apesar dessa situação complicada que ela enfrenta diariamente, o que realmente a tira do sério é o estado precário da rua que dá acesso a clínica, que além de extremamente esburacada, vira um lamaçal em dias de chuva, e dificulta a chegada no local tanto dela como dos pacientes. Empenhada em mudar a situação, ela decide se candidatar ao cargo de secretária municipal, mesmo sem ter a mínima noção de como se faz uma campanha política, e tendo que enfrentar a negativa de homens que enxergam na sua candidatura uma desonra.



Enquanto acompanha a história de Maryam, o filme flui bem e traz ótimos momentos. O problema, no entanto, começa quando o roteiro tenta abordar histórias secundárias, como a do pai de Maryam, que está tentando seguir a carreira de músico na banda nacional da Arábia Saudita. Ou ainda quando tenta esboçar um romance entre Maryam e um jovem que ajuda na sonorização de casamentos locais. Senti que o filme perdeu o foco, não sabendo exatamente o que estava querendo propôr e explorando muito mal alguns personagens que poderiam render algo legal.

No final tem uma cena específica que pode até emocionar alguns espectadores, mas que pra mim foi estapafúrdia, já que eu não consigo acreditar que homens com a mentalidade retrógrada possam de uma hora para outra se tornarem bons e complacentes. Enfim, A Candidata Perfeita está longe de ser considerado um filme ruim, mas com toda certeza poderia ser muito melhor, bastava alguns pequenos detalhes.


quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Crítica: A Nuvem Rosa (2020)


O brasileiro A Nuvem Rosa teve sua estreia oficial no Festival de Sundance deste ano, onde foi bastante elogiado pela crítica especializada. E o motivo desse frenesi fica evidente ao assisti-lo. Escrito em 2017 e filmado em 2019 pela diretora gaúcha Iuli Gerbase, o filme é quase uma antecipação visionária do que viria um ano depois: o distanciamento social e a quarentena forçada.



Após o mundo ser tomado por uma nuvem tóxica, que mata em 10 segundos quem tiver contato com ela, a população é obrigada a se trancar dentro de casa, ou dentro do lugar em que estava no momento da chegada da nuvem (algumas pessoas ficam trancadas dentro de supermercados, por exemplo). Nesse ínterim temos Giovanna (Renata de Lélis) e Yago (Eduardo Mendonça), que se conheceram na noite anterior e dormiram juntos na casa dela. Com o Lockdown sendo a única forma de sobrevivência, eles precisam aprender a conviver entre si até que tudo passe, sem saber exatamente quanto tempo isso ainda vai durar.

O filme se assemelha tanto a nossa realidade atual que chega a ser difícil acreditar que ele foi feito antes. É muito interessante como Iuli conseguiu prever muitos dos comportamentos humanos que teríamos em uma ocasião como essa. O fato de termos que aprender a se comunicar com o mundo exterior e conhecer pessoas novas através da internet, de trabalhar pelo computador, de aprender e praticar coisas novas para lidar com o tédio, o "boom" dos deliverys de comida e compras online (que são entregues por drones) e principalmente a questão da saúde mental em meio ao isolamento.



O único ponto negativo, ao meu ver, é em relação ao salto temporal que ocorre do meio para o final, mas não falarei muito sobre para não dar spoilers. Também me incomodou um pouco alguns fatos pouco explorados, como o jeito que Yago continua ganhando dinheiro sem poder seguir com o emprego de quiropraxista, ou até mesmo uma contextualização maior sobre o que os governos estão fazendo para resolver a situação. Mas nada que atrapalhe a boa experiência de um dos filmes nacionais mais impactantes dos últimos anos, que tem como ponto forte suas atuações e a bela fotografia em tom cor de rosa.