sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Crítica: Murina (2021)


Vencedor do Caméra d'Or, prêmio que é concedido a filmes de diretores estreantes no Festival de Cannes, Murina gira em torno de Julia (Gracija Filipovic), uma adolescente que vive com seus pais em uma ilha do litoral croata. A paisagem paradisíaca, no entanto, é a única coisa bela que Julia tem em sua vida, já que ela se sente verdadeiramente enclausurada no lugar, sem ter distrações e principalmente sem poder sonhar com algo além dali.


Ao mesmo tempo em que passa seus dias trabalhando com o pai na pesca submarina de Murinas (uma espécie de peixe local), ela precisa lidar com o temperamento abusivo e hostil do mesmo, que a trata de forma extremamente agressiva. Sua mãe (Danica Curcic) é o oposto, mas não tem voz ativa dentro do ambiente familiar e apenas se cala diante de tudo. A chegada de Javier (Cliff Curtis), um amigo de longa data do casal que está querendo comprar o terreno para fazer um resort, muda todas as perspectivas de Júlia.

Com incentivo de Javier, Julia passa a sonhar em estudar fora e ter uma vida longe da ilha, o que causa ainda mais revolta em seu pai. A presença do homem também parece acordar o espírito de rebeldia que havia em Julia mas que estava adormecido, e ela passa não só a sonhar com um futuro melhor mas também a não ficar mais quieta diante dos abusos que sofre.


A direção é realmente primorosa em seus detalhes. O uso do oceano como elemento simbólico na libertação de Júlia é algo que deve ser elogiado, inclusive na cena final. A claustrofobia das cenas debaixo d'água não é maior do que a claustrofobia que Julia sente por ser controlada enquanto está em terra firme, e isso também fica evidente quando ela enxerga jovens da sua idade se divertindo em uma lancha ancorada próxima do local e percebe algo que ela nunca teve oportunidade de ter: amigos. Existe um trabalho realmente magnífico de construção da personagem, e isso se dá muito pela ótima atuação da protagonista. Por fim, Murina é realmente uma estreia grandiosa de Antoneta Alamat Kusijanovic na direção, que nos apresenta um drama poderoso sobre amadurecimento.


quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Crítica: Yuni (2021)


Escolhido para representar a Indonésia no Oscar 2022 de melhor filme estrangeiro, Yuni chegou ao Brasil esta semana através da 45ª Mostra Internacional de São Paulo. E já digo para vocês: que grata surpresa!


Dirigido por Kamila Andini, o longa acompanha Yuni (Arawinda Kirana), uma jovem que estuda numa escola secundária do interior do país asiático e sonha chegar à universidade. O filme não traz muitos detalhes, mas percebemos que a localidade onde Yuni mora passou a ser comandada por fanáticos da religião muçulmana, que estão tentando implementar regras rígidas e ultrapassadas, principalmente no que diz respeito às mulheres. Uma delas fala sobre um teste absurdo de virgindade que o governo quer fazer nas alunas para saber se elas ainda são "puras" e aptas para o casamento.

O casamento, aliás, é visto como prioridade na vida dessas meninas, até mais do que os estudos. Muitos são arranjados e até mesmo comprados, pois a única forma da mulher ter uma vida digna perante a sociedade é se casando. Focada em estudar, Yuni rejeita quatro casamentos, mas sempre carrega consigo o medo de envergonhar a família e se culpa muito por isso. E é curioso como o filme trabalha essa contradição na cabeça da jovem.


Assim como suas colegas, Yuni está na fase de descobertas da puberdade, e o filme aproveita para também abordar temas como gravidez precoce, violência sexual, submissão ao marido e sobretudo a liberdade sexual da mulher, que nessa realidade é praticamente inexistente. É um filme de muita poesia, literalmente. O uso das cores também tem papel importante, principalmente o roxo pelo qual a personagem principal é obcecada.


quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Crítica: Duna (2021)


Um dos filmes mais aguardados do ano finalmente chegou aos cinemas brasileiros nesta semana. Duna (Dune), dirigido por Denis Villeneuve, se baseia no livro homônimo lançado por Frank Herbert em 1965 e que é considerado até hoje o livro de ficção científica mais vendido da história. Eu confesso a vocês que não li o livro e também não assisti a versão de 1984, dirigida por David Lynch, então para mim foi todo um universo novo a ser descoberto e eu gostei muito de tudo que vi.


O filme começa nos apresentando o desértico e distante planeta Arrakis, que há 80 anos é dominado pelos forasteiros Harkonnen, que exploram as dunas do local atrás de especiarias que são extremamente valiosas. Certo dia, o império decide tirar os Harkonnen do local e designar Leto Atreide (Oscar Isaac) como novo comandante do planeta. Atreide, que vivia em Caladan, viaja até Arrakis com sua família para se instalar e se adaptar a Arrakis, que é extremamente quente com temperaturas que chegam a mais de 140 graus no sol. Os únicos que conseguem sobreviver sem problemas nessas condições são os Fremen, nativos do planeta. Quando Leto descobre que foi traído pelo império, ele se vê obrigado a se juntar aos Fremen para combater os inimigos, que querem ele e sua família mortos.

Eu gostei muito da contextualização que o diretor faz da história para quem, assim como eu, não a conhecia. Não foi nada superficial, mas também não foi aquela coisa explicativa chata, cheia de detalhes e informações, que poderia tornar o filme  bem tedioso. Os diálogos também foram bem construídos, sem serem expositivos, e o ritmo é ideal para prender a atenção e fazer o espectador adentrar no enredo. Com certeza o que mais chama a atenção em Duna é o seu visual, com cenas grandiosas e esteticamente impecáveis. Eu não costumo gostar de filmes com muito GCI, mas aqui isso não me incomodou em momento algum, até porque tudo me pareceu bem natural. A trilha sonora, composta por Hans Zimmer, também é um espetáculo à parte.

 

Por fim, Duna se mostra um ótimo início de saga, e não poderia ter caído em melhores mãos senão nas de um dos melhores diretores da nossa atualidade. Denis Villeneuve continua mostrando o porque ser, hoje, um dos nomes mais badalados pela crítica, e tenho orgulho de dizer que sou fã de longa data, desde o espetacular Incêndios (2010).

Crítica: O Cego que Não Queria ver o Titanic (2021)


As dificuldades e as adaptações de um homem que fica cego e paralítico por causa de uma doença degenerativa. Esse é o mote central de O Cego que não Queria Ver o Titanic, dirigido pelo finlandês Teemu Nikki, e que foi disparado o melhor filme que vi no formato online da 45ª Mostra Internacional de São Paulo.


Não, o filme não se passa na época do Titanic, muito menos a bordo do navio que naufragou em 1912. Brincadeira à parte, o título é em alusão ao filme lançado em1996, que Jaakko (Petri Poikolainen) se gaba de nunca ter visto por uma implicância sua com o diretor James Cameron. Antes de perder a visão, Jaakko era um apaixonado por cinema, e sua coleção imensa de VHS e DVD's é a prova disso. As duas pernas que não se mexem mais também são chamadas por ele de Rocky e Rambo, e ele se considera um fã incondicional dos filmes de John Carpenter. Outra mania curiosa que o personagem tem é a de imaginar as pessoas que aparecem na sua vida com caras de personagens de filmes. A enfermeira que cuida dele ganha o rosto de Annie Wilkes (personagem de Stephen King) na sua imaginação, o taxista que o busca em casa é Travis Bickle (de Táxi Driver), e assim por diante.

Seus contatos com o mundo exterior são com seu pai, que o liga todos os dias as três da tarde em ponto, e com Sirpa (Marjaana Maijala), que ele nunca conheceu pessoalmente mas mantém um relacionamento à distância depois de terem se conhecido em uma espécie de "Tinder". Quando Sirpa anuncia que está com uma doença e está com medo de não durar muito tempo, Jaakko decide viajar para encontrá-la. Porém, desde que ficou cego, ele nunca havia saído de casa sozinho, e a aventura se torna perigosa quando ele encontra pelo caminho pessoas de má índole. É aí que sentimos na pele a angústia de Jaakko, de não saber em quem confiar, e o doloroso sentimento de impotência que toma conta dele.


O filme é direto, sem rodeios, e tem um movimento de câmera bastante inquieto. O diretor também usa bastante o efeito de close no rosto do protagonista para mostrar as suas emoções, e isso nos deixa ainda mais próximos dele. Aliás, que bela atuação de Petri Poikolainen, que na vida real sofre da mesma doença do personagem e também vive sem enxergar e numa cadeira de rodas desde 2010. A experiência de assistir esse filme foi intensa, chocante, mas ao mesmo tempo prazerosa pela qualidade acima da média, e o prêmio do júri popular em Veneza foi muito mais do que merecido.


terça-feira, 26 de outubro de 2021

Crítica: Pegando a Estrada (2021)


O nome de Jafar Panahi tem história no cinema iraniano por sua carreira, por sua trajetória, mas principalmente por sua resistência contra a perseguição do governo, que chegou a prendê-lo por causa de seus filmes. Agora é a vez do seu filho, Panar Panahi, também conquistar seu espaço na sétima arte, e ele já começa muito bem com Pegando a Estrada (Jaddeh Kakhi), um road movie engraçado e ao mesmo tempo bastante sensível.


A maior parte do filme se passa na estrada e acompanha a viagem de carro de uma família. No banco de trás está o pai (Hasan Majuni), com a perna supostamente quebrada e engessada, e quem o faz companhia é o filho mais novo (Rayan Sarlak), que não para quieto um segundo sequer. No banco do carona está a mãe (Pantea Panahiha), enquanto o filho mais velho (Amin Similar) é o motorista, e passa quase a viagem inteira em silêncio.

Não sabemos para onde eles estão indo nem sua motivação, mas aparentemente não parece ser uma viagem de lazer, pelo menos é o que demonstra o semblante preocupado dos pais e do filho mais velho, enquanto que para a criança obviamente tudo parece diversão. Pouco a pouco vamos descobrindo, de forma implícita, o verdadeiro motivo deles estarem na estrada, através de pequenos diálogos e situações que os personagens enfrentam pelo caminho.


O filme tem algumas tiradas inteligentes e boas atuações do elenco, mas quem rouba a cena mesmo é o garoto Rayan Sarlak, um poço de doçura. Uma atuação mirim incrível, que merece todos os elogios possíveis. Do meio para o final o filme ganha traços lúdicos, mas sem perder sua naturalidade. Destaco também a trilha sonora, que é excelente e tem um papel muito importante. Por fim, Pegando a Estrada é mais um exemplar desse cinema apaixonante que é o cinema iraniano, e um início promissor de carreira do diretor.

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Crítica: A Noite de Fogo (2021)

Algumas realidades são realmente duras de serem vistas na tela, mas ao mesmo tempo é de extrema importância que sejam mostradas. Dirigido pela estreante Tatiana Huezo, A Noite do Fogo (Noche de Fuego) é baseado no livro "Reze pelas Meninas Roubadas", que conta a história de meninas que são tiradas de suas famílias para virarem escravas sexuais de milícias armadas numa região do México.

 

O roteiro gira em torno de Ana (Ana Cristina Gonzales), uma menina que vive com a mãe em um vilarejo no estado de Jalisco. Na primeira cena já temos uma amostra da preocupação e do medo que permeia a casa das duas, quando a mãe da menina abre uma cova no pátio e pede para Ana entrar e testar o que seria um esconderijo.

O grande acerto da direção é trazer o ponto de vista das crianças. Já existem muitos filmes que falam do crime no México sob a perspectiva adulta, e aqui temos uma visão sincera de quem não entende muito bem o que está acontecendo mas traz o medo no olhar. É através das reações e dos olhares dessas meninas que sentimos o verdadeiro impacto que as organizações criminosas criam na vida e no dia a dia dessas pessoas.


O personagem Leonardo, professor da escola local, tem uma grande importância por ser a voz que ativa o pensamento crítico nas meninas e as fazem refletir. Mais do que isso, faz elas se revoltarem quando passam a entender e questionar a realidade em que vivem. Para evitar serem visadas, elas são obrigadas a cortar o cabelo curto, e uma das cenas mais emocionantes do filme é justamente num momento como esse. São meninas que não conseguem viver uma vida normal, quase não conseguem dar um sorriso, mas que carregam uma doçura encantadora dentro delas. A Noite de Fogo só evidencia o quão importante é termos diretoras mulheres no cinema, que são capazes de mostrar uma história como essa com tamanha sensibilidade e coragem. Não é um filme fácil, porém necessário.


domingo, 24 de outubro de 2021

Crítica: Pedregulhos (2021)

Uma das regiões mais pobres e isoladas da Índia, localizada no extremo sul do país, serve de cenário para Pedregulhos (Koozhangal), filme de estreia do diretor P. S. Vinothraj que está em exibição na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

 

Na trama, acompanhamos um pai alcoólatra que busca seu filho na escola e parte com ele até um vilarejo vizinho onde sua esposa, que o abandonou por causa de seu comportamento agressivo, está vivendo com a família. Durante o trajeto, ao redor dos dois, vamos acompanhando cenas cotidianas da pobreza na região e da luta pela sobrevivência de um povo que precisa até mesmo caçar ratos para ter o que comer. São cenas bem dolorosas, de uma realidade que parece muito distante de nós mas que na verdade não é, basta vermos o noticiário todos os dias.

Em diversos momentos, o diretor opta por planos abertos, filmados de longe, que ajudam a evidenciar a distância entre os personagens e até mesmo a pequenez deles em meio ao cenário desértico. O filme também tem longas sequências de caminhadas, a maioria delas filmadas em planos sequências, e é como se tivéssemos junto com eles nesta jornada cansativa debaixo de um sol escaldante. Infelizmente em um certo momento isso torna o filme um pouco cansativo e repetitivo.

Mesmo diante da realidade cruel e incerta, o menino consegue encontrar leveza num ursinho pequeno de pelúcia e num cãozinho de rua, evidenciando que ali tem uma criança que só quer ter o direito de ser criança. Em uma cena em que o pai briga de socos com o cunhado, a câmera foca na reação do pequeno, fazendo a gente imaginar a mistura de sentimentos que estão ocorrendo dentro dele.


Um fato curioso é que o filme não mostra em momento algum a personagem que os dois procuram, a mãe do menino. Sabemos de sua existência, conhecemos seu irmão e sua mãe, mas não a vemos de fato. Não entendi exatamente o porque da personagem ficar apenas no imaginário, mas acho interessante mostrar que nos dias atuais, até mesmo em vilarejos isolados como esse, as mulheres não estão mais aceitando relações abusivas e não se calam diante de agressões.


sábado, 23 de outubro de 2021

Crítica: Os Intranquilos (2020)


O transtorno bipolar é um distúrbio mental complexo e bastante comum, com mais de 2 milhões de casos diagnosticados anualmente só no Brasil. Além da mudança drástica de humor, o bipolar ainda tem algumas características típicas quando está na chamada "fase depressiva", como pouco ou nenhum controle do temperamento, o humor irritadiço, e os pensamentos precipitados e depreciativos. Viver com isso não é fácil, e o novo filme de Joachim Lafosse propõe mostrar como é lidar com essa doença, e principalmente o quanto ela afeta a vida e as relações pessoais do portador.


O roteiro acompanha Damien (Damien Bonnard) e Leila (Leila Bekhti), um casal apaixonado que tem um filho pequeno. Assim como já havia feito no espetacular Perder à Razão (2012), Lafosse explora aqui mais uma vez o dia a dia de um casal vivendo sob pressão, e neste caso a pressão é a bipolaridade de Damien, que toma um forte remédio diariamente para tentar manter uma certa estabilidade. Os problemas começam quando Damien passa a não querer tomar o remédio, e a ter crises terríveis de comportamento por conta disso. É curioso perceber que todas as vezes que Damien está medicado ele parece distante da mulher e dos filhos, num estado quase apático, enquanto que sem a medicação ele parece eufórico, e esse talvez seja o motivo dele simplesmente não querer tomar mais os comprimidos.

O filme mostra bem como um transtorno mental afeta não somente o doente mas sobretudo as pessoas que convivem com ele. Leila é uma pessoa que vive praticamente às voltas de cuidar do marido, não tendo tempo para realizar outras atividades, principalmente de lazer. Ela traz um semblante cansado, de alguém que faz o que faz por amor, mas não aguenta mais viver numa montanha russa de sentimentos. Aliás, um ótimo trabalho da atriz Leila Bekhti.


Minha única ressalva é em relação ao final do filme, que achei que poderia ter sido melhor trabalhado. Porém, acho importante termos histórias que abordem distúrbios como a bipolaridade, visto que ainda existe um grande preconceito e desconhecimento por parte da população. Este é um transtorno que não tem cura, mas tem tratamento, e é possível viver uma vida normal desde que seja levado a sério e com responsabilidade.


sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Crítica: Má Sorte no Sexo ou Pornô Amador (2021)

 

Vencedor do prêmio principal no Festival de Berlim, Má Sorte no Sexo ou Pornô Amador (Bad Luck Banging or Loony Porn), do romeno Radu Jude, é com certeza um dos filmes mais inusitados e corajosos do ano.

 


O longa já inicia com um vídeo sexual, totalmente explícito, de Emi (Katia Pascariu) com seu marido em um quarto de hotel. Não se trata de uma cena de sexo como estamos acostumados a ver em filmes, mas é de fato um vídeo amador com duas pessoas agindo da forma mais natural possível, com trapalhadas, risadas e a câmera do celular tremida. Após o choque inicial (pois sim, é algo inesperado de ver no cinema) começamos a acompanhar mais da vida da protagonista, que é professora em uma escola secundária e vive uma rotina apressada. Quando o vídeo íntimo vaza na internet, a vida de Emi vira do avesso, já que os pais das crianças do colégio se mostram indignadas, e uma reunião é marcada para que se decida o que fazer a respeito do caso. Um ponto interessante do filme é que ele se passa durante a pandemia de Corona Vírus, mas não é mencionado o fato justamente para isso não ser o mote central da trama, e percebemos isso apenas pelo uso de máscaras, álcool gel, e pequenos diálogos que remetem ao que vivemos hoje.

Na segunda parte do longa temos uma introdução narrativa diferente de tudo que eu já havia visto, onde o diretor apresenta uma série de imagens aleatórias em forma de esquetes, como se fosse um glossário, usando termos ácidos para criticar o estilo de vida da população romena atual, que vai desde o conservadorismo em relação a sexo até questões políticas como ideias de extrema direita e fascismo. As críticas sobram para todos os lados, mas principalmente para os negacionistas e os falsos moralistas, e é curioso como a direção faz isso com muito bom humor.


Já na terceira e última parte o filme volta para a história de Emi, mostrando os pais e professores reunidos para o "julgamento" do vídeo onde o mesmo é exibido para todos, até mesmo para quem não tinha visto, numa exposição totalmente injustificável E temos aqui mais um momento onde hipocrisias são desmascaradas e o pior lado do ser humano vem a tona, com personagens que remetem a esquetes de humor mas que não são nada mais do que reflexo da nossa sociedade.


domingo, 17 de outubro de 2021

Crítica: Você Morrerá aos Vinte (2021)


Em meio às inúmeras guerras civis que eclodiram no Sudão ao longo das últimas décadas, é difícil pensar que havia espaço para a cultura, muito menos o cinema. Há mais de 30 anos não era produzida nenhuma obra no país do nordeste africano, e por isso Você Morrerá aos Vinte (You Will Die at Twenty) tem uma relevância histórica que vai muito além de uma simples obra cinematográfica.


Durante um ritual religioso na aldeia rural onde vive, Sakina (Islam Mubarak) recebe do líder espiritual o sinal de que seu filho recém nascido Muzamil irá morrer quando completar 20 anos de idade. Seu marido e pai da criança, sem saber lidar com a notícia, abandona os dois à própria sorte, e Sakina passa a criar o menino sozinha, com uma superproteção que o impedia até mesmo de sair de casa. 

Ouvindo conselhos de vizinhos e a vontade do próprio filho, ela acaba liberando-o aos poucos para sair à rua, principalmente para ir a escola aprender a ler o alcorão. Mesmo sofrendo nas mãos das outras crianças, que sabem do seu destino e por isso não o aceitam bem, o menino vai crescendo e vivenciando as experiências da vida da melhor maneira possível, sempre com o peso de lembrar que não tem muito tempo pela frente. Sua relação com o tio Sulaiman (Mahmoud Alsarraj) é fundamental para o garoto começar a enxergar além daquilo que sempre conheceu. Sulaiman já viajou o mundo, conheceu outras culturas, e trouxe inclusive um pouco do cinema ocidental para apresentar a Muzamil, que jamais havia tido contato com qualquer coisa externa.


Em um dos diálogos, um dos homens diz para Muzamil cuidar quando se aproxima do rio Nilo, já que todos os meninos da vila morrem no rio. Em outra cena, é dito que o Nilo é o caminho mais fácil para chegar ao Egito e posteriormente à Europa, e eu pesquei uma metáfora nisso, como se para eles deixar a aldeia e ir ganhar a vida em outro país fosse uma espécie de morte. E quem sabe não é essa a "morte" que está destinada a Muzamil quando ele chegar aos 20? Bom, no filme não temos a resposta, mas é algo que fica bastante subjetivo e eu achei muito bem colocado. Primeiro filme da história do Sudão indicado ao Oscar, ele já nasceu gigante por tudo que representa.


sábado, 16 de outubro de 2021

Crítica: A Ausência que Seremos (2021)

 


Entre os anos 1958 e 1974 a Colômbia viveu sob um regime militar, que reunia conservadores e liberais e batia de frente com movimentos sociais. Nesse período de enorme crescimento populacional, também aumentou consideravelmente a desigualdade, justamente por não haver políticas públicas voltadas aos mais pobres. Nesse ínterim viveu Hector Abad Gómez, um médico sanitarista e professor universitário de Medellín que foi um forte defensor dos direitos humanos.


A história de Hector, interpretado pelo ótimo Javier Câmara, se passa em dois períodos distintos de sua vida e é contada pelos olhos do seu único filho homem, também chamado Hector, que hoje é escritor e foi quem lançou o livro de memórias no qual o filme se baseia. A figura do personagem principal é bem construída, um homem amoroso e carinhoso com a família e seus alunos, mas que ao mesmo tempo saía do sério quando suas ideias eram consideradas equivocadas. Sua preocupação com o ser humano é com certeza o que mais chama a atenção e o transforma numa figura realmente fascinante de acompanhar.

Interessante analisar que o médico não se dizia nem de esquerda e nem de direita, mas sofreu perseguição ao ser considerado comunista por se preocupar com a população de baixa renda (qualquer semelhança com os dias de hoje é mera coincidência). Outro exemplo que poderia ser comparado aos nossos dias é a vacina da poliomielite que Hector estava estudando trazer para a população infantil do seu país, que era vista com maus olhos pelos céticos da ciência.


Nos minutos finais, senti que o roteiro pesou um pouco no dramalhão, mas não acho que isso atrapalhe a experiência. A trilha sonora e a ambientação da época estão impecáveis, bem como a atuação de Javier Câmara (do qual sou fã de longa data) e do menino Nicolás Reyes Cano. O nome do filme é emblemático e vem do poema Epitáfio, escrito por Jorge Luis Borges, que segundo o filho de Hector, ele carregava no bolso no dia de sua morte. Entre dezenas de filmes que entram em cartaz toda semana na Netflix, esse passou um pouco despercebido do grande público, mas por sorte chegou até a mim. Uma história sensível e sobretudo humana sobre um grande homem.


domingo, 10 de outubro de 2021

Crítica: DNA (2021)


É muito comum que em grandes famílias, o vínculo entre os membros seja mantido através de algum avô ou avó, e quando esse idoso vem a óbito essa relação acaba se transformando. O novo filme da cineasta Maiwenn fala deste momento de luto familiar, mas também sobre buscarmos nossas raízes e entendermos um pouco mais de onde viemos.


Na trama, a própria Maiwenn dá vida a Neige, que visita regularmente seu avô Emir (Omar Marwan) em um lar de idosos. Quando Emir morre de causas naturais, toda a família se reúne para discutir sobre o enterro, desde a madeira do caixão até a forma que será feito o funeral, e é aí que começam os conflitos entre eles.

Eu achei o roteiro bem superficial. Entre uma discussão e outra descobrimos que o patriarca falecido participou da luta da Argélia pela liberdade nos anos 1960, mas a diretora opta por não explorar este fato, que poderia ser algo bem interessante. Alguns personagens foram muito pouco explorados também, principalmente os de Fanny Ardant e Louis Garrel, dois ótimos atores que são subaproveitados e tem pouco espaço em tela. O pai de Neige (Alain François) é outro personagem sobre o qual não se explica nada. Odiado pela família em uma cena, na próxima ele está sentado com os netos brincando enquanto todos se divertem, como se ele sempre tivesse sido bem vindo.


Ao mesmo tempo que Neige está discutindo coisas sobre o funeral do avô com a família, ela também está pesquisando sobre suas descendências através de um programa que mapeia o DNA, e de repente o filme passa a focar apenas nisso, deixando o núcleo da família de lado. E quando este assunto começa a ficar interessante, logo Neive se apega a descobrir coisas do passado do pai, e o roteiro se perde novamente. No fim, terminei o filme me perguntando qual era a intenção da direção. Porém, não nego que achei bem vinda a discussão sobre o quanto nosso DNA mostra sobre nossas origens e de que, de alguma forma, somos uma mistura de povos, culturas e etnias. Mas isso é muito pouco pra fazer o filme valer a pena.


sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Crítica: Oleg (2019)

 


Nos últimos anos, muitos filmes têm trazido à tona o importante tema da imigração. Oleg, do diretor Juris Kursietis, é mais um exemplo que se propõe a mostrar a realidade destas pessoa que tentam a sorte em outros países e que enfrentam inúmeras dificuldades, desde a questão linguística até o preconceito e a desvalorização.


O filme acompanha Oleg (Valentin Novopolskij), um homem natural da Letônia que tenta a carreira de açougueiro em Bruxelas. Depois de ser culpado por algo que não fez, ele acaba perdendo o emprego num frigorífico da capital belga, e precisa se virar para sobreviver em um país que não fala sua língua e que não lhe dá outras oportunidades de trabalho. Uma das alternativas é se juntar a um grupo de índole duvidosa, em troca de um lugar para dormir e comer. Pensando estar sendo acolhido, ele na verdade está sendo usado e enganado por Andrzej (Dawid Ogrodnik), que só quer se aproveitar da sua fragilidade.

Achei bem realista a abordagem que o diretor faz da dificuldade de adaptação que imigrantes enfrentam diariamente, além do menosprezo por parte dos nativos e da violência. Oleg é um personagem que na maior parte do tempo se mostra passivo às situações que lhe ocorrem, mesmo quando lhe fazem muito mal. O filme não aborda muito sua vida fora do que lhe acontece em tempo real, mas sabemos que ele mantém contato com a avó na Letônia, por quem tem um grande apreço e aparentemente é por quem ele está buscando melhorar de vida.


Confesso que não entendi algumas metáforas que o diretor tentou utilizar, principalmente envolvendo a religião, e isso atrapalhou um pouco a minha experiência com o filme, mas de um modo geral é uma estória que me prendeu, já que acho o tema interessante e super atual.