terça-feira, 30 de novembro de 2021

Crítica: Cabeça de Nêgo (2021)


Dirigido pelo cearense Déo Cardoso, Cabeça de Nêgo é um filme que fala sobre dois assuntos bastante atuais na nossa sociedade: o racismo estrutural e a precariedade da educação no país. Saulo (Lucas Limeira) é um garoto introvertido que começa a fazer parte do grêmio da sua escola, onde alguns estudantes se unem para pedir melhorias na instituição. Sempre munido do seu celular, ele tenta registrar as coisas erradas que estão acontecendo, principalmente em relação às estruturas precárias do lugar e a falta de manutenção.


Após sofrer com insultos raciais dentro da sala de aula e reagir ao ver a direção se omitir diante disso (inclusive culpando-o pelo ato), Saulo decide passar a noite no colégio como forma de protesto. O acontecimento acaba sendo o estopim de um grande movimento dos estudantes, e logo os demais colegas de Saulo resolvem aderir à causa, criando um piquete em frente a escola onde juntam várias reivindicações em uma lista de exigências.

Algumas críticas do filme são bem pertinentes, como o fato de um empurrão ser visto como algo muito mais grave do que um insulto racista, que por sua vez passa sem nenhum tipo de punição. Além disso, sobram críticas para a má gestão de escolas públicas, a falta de verbas, e a evasão escolar, que muitas vezes levam alunos, em sua maioria negros, ao mundo do crime. No fim ainda tem uma crítica pesada sob a forma que a mídia cobre o ato dos estudantes, de forma parcial e discriminatória. Me surpreendi bastante com as atuações, e gostei da relação que se cria entre Saulo e sua professora (Jéssica Ellen), que o apresenta a várias figuras importantes da luta negra ao longo da história, como os Panteras Negras, Angela Davis, Nelson Mandela, entre outros, e suas lutas por igualdade e respeito.


Infelizmente achei alguns núcleos descolados no enredo, como o caso do personagem que ameaça Saulo no começo do filme, ou o próprio aluno que cometeu o ato racista, que depois se junta a ele na luta estudantil e a denúncia grave fica por isso mesmo. Enfim, são detalhes que me desanimaram um pouco, ainda que o filme tenha sim suas qualidades, e um final que deixa a gente apreensivo e revoltado.

domingo, 28 de novembro de 2021

Crítica: tick, tick... BOOM! (2021)


Se tem um gênero que está em alta no mundo cinematográfico é o dos musicais, e os fãs estão sorrindo à toa com tantos lançamentos expressivos nos últimos meses, seja no cinema ou nos serviços de streaming. Entre tantos exemplos de sucesso, dois envolvem o nome de Lin-Manuel Miranda, que adaptou recentemente duas de suas peças da Broadway: Em Um Bairro de Nova York, da HBO Max, e o fenômeno Hamilton, da Disney+. Agora, chegou a vez de Miranda assumir a direção de um longa metragem pela primeira vez, e para isso ele resolveu contar a história de um dos homens que mais influenciaram sua carreira no teatro: Jonathan Larson.


"Tick, Tick… Boom!" é uma adaptação do musical autobiográfico escrito por Larson, que é interpretado brilhantemente por Andrew Garfield. O filme foca no período em que Jonathan ainda era um aspirante e estava buscando inspiração para escrever o roteiro da peça, ao mesmo tempo em que lutava para conseguir pagar suas contas e sobreviver. Prestes a completar 30 anos, ele entra em crise ao se sentir frustrado por ainda não ter conseguido realizar o que queria.

Seu maior medo é ter que repetir o que fez seu melhor amigo, Michael (Robin de Jesús), que abandonou a carreira de ator para trabalhar numa empresa de publicidade, cumprindo horários e vivendo "preso" dentro de um escritório. O nome do filme, aliás, é uma clara alusão a uma contagem regressiva, já que Jonathan precisa lutar contra o tempo para conseguir realizar seu sonho. Inclusive o roteiro parece sempre ter esse clima de urgência, reflexo da correria do dia a dia que a vida adulta impõe, onde tudo parece estar prestes a "explodir".
 

Fiquei muito feliz com a atuação de Andrew Garfield neste filme, e não me surpreenderia de vê-lo em premiações no início do ano que vem. Jonathan é um personagem cheio de imperfeições mas também cheio de vida, e isso transparece no olhar do ator em cada cena. Gostei também de algumas músicas que trazem o rock n roll para um gênero que não costuma utilizar o estilo. Mais do que uma homenagem, Tick, Tick… Boom! é um filme sobre querer encontrar seu lugar no mundo em uma fase da vida cheia de dúvidas e inseguranças.
 

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Crítica: Noite Passada em Soho (2021)


O cineasta Edgar Wright é conhecido por ser bastante dinâmico na hora de contar suas histórias, que são sempre cheias de referências. Depois dos sucessos de Scott Pilgrim contra o Mundo e mais recentemente Em Ritmo de Fuga, o cineasta de apenas 47 anos adentra pela primeira em um gênero que ainda não havia abordado: o terror. E o resultado é surpreendente.


Noite Passada em Soho acompanha Eloise (Thomasin McKenzie), uma jovem que deixa a casa da avó no interior para estudar Moda em uma universidade de Londres. Quando aluga um quarto em uma casa velha da capital inglesa, Eloise passa a ter visões durante seus sonhos, onde ela volta à Londres dos anos 1960 e acompanha de perto a vida de Sandie (Anya Taylor-Joy), uma jovem aspirante a cantora que tenta a vida pelos bares noturnos da cidade.
 

O começo do filme é realmente brilhante. Temos uma premissa muito boa e um ritmo intenso dos acontecimentos, além de um bom desenvolvimento da personagem, que chega deslumbrada pela cidade grande mas logo vai percebendo que as coisas não são tão simples como ela imaginava, principalmente quando se fala em criar relações de afeto e confiança com outras pessoas. Logo, Eloise percebe que não está tendo apenas sonhos com Sandie, mas que está tendo visões de coisas que aconteceram de verdade há décadas atrás. A menina fica intrigada para descobrir o que aconteceu com a jovem cantora e isso vai colocando ela cada vez mais dentro de uma realidade tóxica e violenta que tomou conta da vida de Sandie e acabou com sua carreira.

 

Nas entrelinhas, percebe-se que é um filme sobre as dificuldades que as mulheres enfrentavam e ainda enfrentam no dia a dia, como assédios, abusos, e a violência de uma maneira geral. O terror, neste caso, acaba sendo justamente as ações humanas diante da fragilidade destas personagens, e é interessante também analisar que esses abusos às vezes vem até mesmo de outras mulheres, que deveriam na verdade se ajudar e se proteger. 

Duas coisas me encantaram muito no decorrer do filme. A primeira é a trilha sonora, que faz parte da trama de uma forma muito única e combina perfeitamente com cada cena que está sendo mostrada.  A segunda é a ambientação da Londres dos anos 1960, que ficou impecável e nos transporta diretamente para a época. É tudo deslumbrante, tudo muito grandioso, e algumas cenas me deixaram realmente de queixo caído. Destaco ainda a atuação da Thomasin McKenzie, que está impressionante e belíssima, e da Anya Taylor-Joy, que protagoniza uma das melhores cenas do longa quando canta uma música no palco. Infelizmente senti que o diretor perdeu um pouco a mão no final, que para mim foi contraditório com o ponto que ele estava tentando levantar durante todo o roteiro. Mas ainda assim, gostei muito da experiência, e acho que tem tudo para virar um jovem clássico com o passar do tempo.

domingo, 21 de novembro de 2021

Crítica: Benedetta (2021)


Lançado no Festival de Cannes deste ano, Benedetta é um filme que já "nasceu"em meio a um série de polêmicas. Baseado no livro "Atos Impuros - A Vida de uma Freira Lésbica na Itália da Renascença", escrito pela historiadora Judith C. Brown, o filme chegou a sofrer com protestos religiosos na época do seu lançamento e ainda promete dar o que falar na medida em que vai chegando aos cinemas do mundo todo.


O enredo conta a história real de Benedetta Carlini (Virginie Efira), que foi levada ainda menina para um convento na cidade italiana de Pescia, depois que seus pais fizeram a promessa de torná-la freira caso ela sobrevivesse ao parto difícil. Benedetta cresceu de maneira tranquila sob as regras rígidas da igreja e sob comando da abadessa do local, Irmã Felicita (Charlotte Rampling), até começar a sofrer com supostos episódios de possessão, visões perturbadoras de Jesus e milagres que resultaram em chagas idênticas às de Cristo espalhadas pelo seu corpo.

Os acontecimentos deixam Benedetta de cama, e ela passa a ser assistida de perto por uma freira que acabou de chegar ao local: Bartolomea (Daphne Patakia). Logo as duas iniciam uma relação que se torna, acima de tudo, um jogo de sedução, que culmina na libertação de desejos reprimidos por parte de ambas. Quando Benedetta ascende na hierarquia do convento e assume o lugar de abadessa, ganhando um quarto só para si e principalmente poder, a relação das duas se estreita ainda mais, mas não demora a cair no conhecimento do alto escalão da igreja, que inicia um julgamento para puni-las da maneira que se puniam hereges na época: a fogueira.


O filme tem cenas realmente polêmicas, que incluem até mesmo símbolos religiosos sendo utilizados como forma de prazer sexual. Porém, se formos falar do roteiro, confesso que algumas coisas me incomodaram no seu desenrolar. Primeiro, as sequências em que Benedetta sonha com Jesus me pareceram fora de tom, e até mesmo desnecessárias. Segundo, achei o início da relação entre Benedetta e Bartolomea bastante superficial e atropelado, sem nenhum desenvolvimento que fizesse realmente crer no sentimento das duas.


O filme cria uma ambiguidade diante da personagem principal, já que em nenhum momento fica claro se ela estaria se ferindo de propósito ou se seria de fato algo relacionado a sua fé e às suas visões. A resposta fica subentendida na cabeça de cada espectador, que avalia de acordo com a sua visão do tema. Gostei bastante da ambientação da época, seja mostrando a forma como a religião ainda ditava as leis e punia os pecados de forma rigorosa, seja na atmosfera de medo e insegurança que a Peste Negra causava na população. Por fim, Benedetta é um filme que podia mostrar muito mais, mas parece ter focado mais na tentativa de causar do que na história em si.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Crítica: 7 Prisioneiros (2021)


Lançado oficialmente no catálogo da Netflix Brasil, 7 Prisioneiros, do diretor Alexandre Morato, é um filme bastante pesado sobre uma realidade quase invisível mas que, infelizmente, é mais comum do que se pode imaginar. Acompanhando a vida de quatro homens que saem do interior do país rumo a São Paulo para tentar uma vida melhor, o roteiro do filme traz à tona o tema da escravidão nos dias de hoje.


Pensando terem conseguido um emprego de carteira assinada, a fim de ajudar a família que ficou para trás, os quatro logo se dão conta de que terão que trabalhar em uma situação extremamente precária, sem direitos trabalhistas, e o pior de tudo, sem poderem ir embora. Mais do que isso, existe toda uma rede por trás, envolvendo inclusive agentes públicos, que ameaça suas famílias e os impede de tentar escapar ou denunciar o crime.

O grande ponto positivo é justamente mostrar essa realidade cruel com muita naturalidade. É interessante como o longa também mostra como nós acabamos contribuindo com a situação de forma passiva, pois estes trabalhadores estão em muitos setores da sociedade que utilizamos diariamente, como por exemplo na produção têxtil. Como disse no início, é uma realidade praticamente invisível, ainda que volta e meia se tenha notícias nos jornais sobre resgates de pessoas vivendo nesta situação.


Gostei do trabalho do elenco, principalmente de Christian Malheiros, e da participação de Rodrigo Santoro como um chefe/capataz sem escrúpulos. Porém, algumas coisas acabaram atrapalhando minha experiência com o filme. Primeiramente, achei mal explorada essa relação dos órgãos públicos nos casos, sobretudo da polícia. Tem uma leve pincelada sobre, mas fica por isso mesmo. Segundo, analisando o título do filme, senti que faltou maior aprofundamento nos demais "prisioneiros" do local, já que o filme focou apenas em um deles. Ainda assim, mesmo com seus defeitos, 7 Prisioneiros tem força justamente pela abordagem de um tema que precisa ser discutido e melhor fiscalizado. Não podemos aceitar que coisas assim ainda aconteçam nos dias de hoje, seja no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Crítica: Os Muitos Santos de Newark (2021)


The Sopranos, exibida na HBO entre 1999 e 2007, é para muitos a melhor série já feita para a televisão. Se é ou não é a melhor, isso é subjetivo e vai do gosto de cada um, mas o que não dá para negar é que é uma série que fez história e que moldou o jeito que conhecemos hoje de se fazer seriados.


Dirigido por Alan Taylor, que também dirigiu vários episódios da série, Os Muitos Santos de Newark (The Many Saints of Newark) é um prequel dos acontecimentos narrados em The Sopranos, e foca principalmente na infância e adolescência de Tony Soprano, que aqui é vivido por Michael Gandolfini, filho de James Gandolfini (que fez o Tony adulto na série). Apesar desse foco no Tony novo, eu enxergo seu tio, Dickie Montisanti (Alessandro Nivola), como o verdadeiro protagonista da trama. Ele chefia a máfia local com seus esquemas de apostas e contrabandos, e é quem ensina as maiores lições dos "negócios" para Tony.


É, de fato, um filme que exala nostalgia, e é emocionante ver alguns personagens da série mais novos. Para alguns não é necessário nem citar o nome, pois já conseguimos reconhece-los apenas pelos seus trejeitos e modos de falar, e isso se deve às boas atuações do elenco. Importante salientar que sem o conhecimento prévio da história o filme talvez não funcione, já que muitas piadas e diálogos remetem ao seriado, e acredito que o filme acaba ficando restrito especificamente para quem é fã (ou pelo menos já a viu). Isso o torna um filme ruim? Creio que não, mas com certeza falta muita coisa para ser completo por si só e agradar o público geral.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Crítica: Vingança e Castigo (2021)


Durante muitas décadas, o faroeste foi um dos gêneros mais explorados pelo cinema norte americano. Porém, se analisarmos os filmes da era de ouro dos western, praticamente todos tinham algo em comum: apresentavam apenas a perspectiva do homem branco na história. Com o retorno do gênero aos holofotes, estava mais do que na hora de termos uma história do velho oeste voltada às figuras negras que tiveram relevância nesse período, e finalmente isto aconteceu.


No seu longa de estreia, o diretor Jeymes Samuel apresenta uma narrativa que rompe totalmente com o estereótipo do gênero, e que na minha visão bebe muito da fonte do cinema de Quentin Tarantino, seja nas piadas sarcásticas, na trilha sonora ou no sangue jorrando sem pudor. O enredo apresenta personagens que realmente existiram na vida real, ainda que as situações que eles enfrentam aqui sejam fictícias. A trama acompanha Nat Love (Jonathan Majors), que sofreu um grande trauma na infância causado pelo bandido Rufus Buck (Idris Elba). Anos depois, quando descobre que Rufus foi solto da prisão, Nat resolve reunir um grupo para tentar se vingar do que aconteceu no passado, mas Rufus ainda tem um forte time do seu lado e não está disposto a deixar barato.

O sucesso de um filme começa muito pela escolha do seu elenco, e aqui o acerto foi grande. Além de Idris Elba e Jonathan Majors, ainda temos Regina King, Lakeith Stanfield, Zazie Beets, Deroy Lindo, entre outros, e todos trabalham de forma impecável. Outros pontos positivos são a trilha sonora, que faz uma mescla incrível de sons clássicos com músicas atuais e traz a assinatura de Jay-Z, e a fotografia, que prioriza tonalidades fortes e vibrantes em meio a poeira do deserto.


Algumas escolhas estéticas na narrativa também me agradaram muito, como o uso de tela dividida e a câmera sempre em movimento. Também gostei do plot twist no final, e da maneira que isso foi mostrado, apesar de ter achado a "vingança" do nome um pouco sem sentido. Por fim, Vingança e Castigo é, com certeza, uma das maiores surpresas que tive no ano, e vale a pena não só pela representatividade mas pela beleza estética.


sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Crítica: Finch (2021)


Lançado pela Apple TV, Finch é um dos filmes mais "fofos" que você irá assistir este ano. Sim, essa é a palavra certa para definir o longa dirigido por Miguel Sapochnik, que mesmo se passando em um cenário devastado e pós-apocalíptico, é extremamente encantador e rende boas reflexões sobre o ser humano e suas emoções.


O enredo, num primeiro momento, não parece trazer nada de novo comparado a tudo que já foi mostrado em outros filmes do gênero Sci-fi, trazendo a história de um homem que precisa sobreviver em meio a um cenário arrasado na companhia de seu cão, onde a Terra que conhecemos não existe mais. Mas o filme tem algumas originalidades que vão aparecendo aos poucos, e creio que a principal delas seja o fato de Finch (Tom Hanks) construir um robô com inteligência artificial em seu bunker com a única finalidade de cuidar do cão após sua morte, já que ele acredita que não tem muito tempo de vida.

O foco principal do filme acaba sendo justamente o protagonista ensinando o robô a fazer coisas de humanos, desde caminhar até a dirigir veículos, desde alimentar o cachorro até jogar a bolinha para ele pegar. Estas são, inclusive, as partes mais cômicas do filme, e é muito legal acompanhar a máquina adquirindo esses conhecimentos. O mais curioso é que o robô, que se autodenomina Jeff, sabe muitas informações técnicas sobre praticamente tudo, por ter sido programado através de enciclopédias, e portanto não é sobre nada disso que Finch o ensina mas sim sobre o que é ser humano, sobre o que é o amor, a confiança e a lealdade.


Único ponto que para mim poderia ter sido melhor trabalhado é o fato de não haver uma explicação mais detalhada a respeito do que aconteceu com a humanidade e o porquê de Finch ser um dos pouquíssimos sobreviventes. Mas a relação de Finch com o robô Jeff, e também com o cachorro, é tão contagiante que nem dá tempo para se incomodar com esses detalhes durante a exibição. Aliás, que personagem incrível é o Jeff, que por vezes até me fez esquecer se tratar de uma máquina. Destaque também pro Tom Hanks, cujo carisma incomparável faz toda a diferença. Por fim, Finch é um filme leve, daqueles que você deve assistir sem muita pretensão, mas que vale a pena!


domingo, 7 de novembro de 2021

Crítica: Olga (2021)


No ano de 2013, a população civil da Ucrânia foi para as ruas realizar uma série de protestos, que por sua vez foram rechaçados com violência pelas forças do governo. Olga, filme escolhido para representar a Suíça no Oscar de 2022, se passa durante este período conturbado da história ucraniana e acompanha a personagem que dá nome ao título, que sonha ser uma ginasta de sucesso.


Olga (Anastasia Budiashkina) é uma verdadeira prodígio na ginástica artística, e sonha chegar à seleção nacional do esporte. Porém, enquanto a garota se prepara para a disputa do campeonato europeu, acaba sofrendo um atentado junto com sua mãe (Tanya Mikhina), que é uma jornalista de forte oposição ao governo. Para salvaguardar a vida de Olga, a família decide exilar a garota na Suíça, onde ela poderá continuar seus treinamentos longe de qualquer perigo à sua integridade física.

Apesar de focar na personagem principal, mostrando sua dedicação aos treinos, sua adaptação a um novo país e principalmente as cobranças que uma atleta de elite precisa enfrentar (e aí entra também a discussão sobre saúde mental no esporte), o roteiro não deixa em nenhum momento a discussão política de lado, mostrando inclusive imagens reais dos protestos em tom quase documental. A personagem também vive um conflito interno quando é selecionada para representar a seleção suíça no campeonato, sendo taxada até mesmo pela melhor amiga de "traidora da pátria", além de ser duramente criticada por aparentemente não se importar com o que está acontecendo no seu país de origem. É interessante demais como a personagem lida com todas essas questões, e isso se deve muito a atuação impressionante da jovem atriz.


Por fim, senti apenas que faltou um pouco mais de contextualização sobre o momento abordado, o que necessariamente exige um conhecimento prévio da política local para não ficar perdido na história. Ainda assim, Olga é um filme que vale a pena, e foi uma boa despedida minha da 45ª Mostra Internacional de cinema de São Paulo.

sábado, 6 de novembro de 2021

Crítica: Marighella (2021)


Depois de dois anos sofrendo com inúmeros adiamentos burocráticos, finalmente chegou aos cinemas brasileiros o longa Marighella, que marca a estreia de Wagner Moura na direção e conta a história de Carlos Marighella, revolucionário que liderou a luta armada contra a ditadura no Brasil.


O filme se passa basicamente entre os anos 1964 e 1969, quando a ditadura havia acabado de ser instaurada e o país vivia um dos seus períodos históricos mais conturbados. Neste cenário surge Marighella (Seu Jorge), um político comunista e cofundador da ALN (Aliança Libertadora Nacional). Por conta de suas ações violentas de enfrentamento ao regime, Marighella chegou a ser considerado o inimigo número um do governo militar, sofrendo com perseguições até ser assassinado por agentes do DOPS em uma emboscada (isso não é spoiler, ok, já que a história todos já conhecem ou deveriam conhecer).

Gostei muito do ritmo do filme, que não deixa a história se tornar cansativa mesmo com suas 2h30 de duração. O roteiro tem boas cenas em plano sequência, como por exemplo a que abre o filme, e carrega um clima de tensão o tempo inteiro. As idas e voltas no tempo também são fáceis de acompanhar graças a ótima montagem, que mostra tanto o lado guerrilheiro de Marighella como o lado pessoal e familiar. Outro fato que chamou muito a minha atenção é a excelente ambientação da época, além, é claro, do elenco super afiado. Além de Seu Jorge, temos participações marcantes de Bruno Gagliasso, Adriana Esteves, Bella Camero, Humberto Carrão e Luiz Carlos Vasconcelos.


Numa cena pós crédito temos um momento bastante catártico, que passa a importante mensagem de que a "pátria amada" não é de um grupo ou de outro, mas sim de todos nós. Dá para perceber também, mesmo que de forma muito sucinta, certas críticas indiretas aos dias de hoje, numa forma de mostrar que algumas semelhanças com aquele período não são meras coincidências. Neste tempo de extrema polaridade política em que vivemos, era esperado que o filme causaria polêmicas, e que por consequência seria de um lado abraçado enquanto que do outro seria rechaçado com agressividade. Mas o fato é que, artisticamente, o filme é de uma beleza ímpar, e Wagner Moura tem aqui um debut elogiável.