quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Os 20 melhores filmes lançados no Brasil em 2021

Chega o fim de dezembro, e mais uma vez é hora de postar os melhores filmes do ano. Este foi um ano em que muita coisa boa foi lançada, tanto nos cinemas, que voltaram a receber público depois de meses com portas fechadas, quanto nos serviços de streaming, que justamente por conta da pandemia ainda tiveram muitas estreias com exclusividade. Lembrando sempre que a escolha é pessoal, e eu só coloco filmes que tiveram lançamento oficial no país de 1º de janeiro até o fim do ano. Sem mais delongas, vamos a ela:

20. Loucos por Justiça, de Anders Thomas Jensen (Dinamarca)


Sucesso de público e crítica na Dinamarca, o filme aborda o tema do luto familiar de um jeito muito original e ousado, abusando de uma característica típica do cinema de Anders Thomas Jensen: o humor ácido. Na trama, Markus (Mads Mikkelsen) é um militar em ação que precisa voltar pra casa após a notícia de que sua esposa morreu em um acidente de trem. Lidando com o luto e tendo que cuidar da filha adolescente (Andrea Gadeberg) que sobreviveu, ele recebe a visita do matemático Otto (Nikolaj Kaas), que estava no mesmo vagão da sua esposa e desconfia que não foi um acidente, mas sim uma ação criminosa para matar um dos passageiros sem deixar pistas. Otto se junta aos amigos Lennart (Lars Brygman) e Emmenthaler (Nicolas Bro) para tentar comprovar a teoria do suposto atentado, algo que a polícia não leva a sério e descarta investigar. Mas eles não desistem e procuram a ajuda de Markus, justamente por saberem que na dor da perda ele faria de tudo para procurar a verdade e consequentemente a justiça. Mesmo recheado de alívios cômicos, não se trata de um filme leve, e o filme traz uma série de reflexões importantes sobre temas como o luto, a amizade, a família, o sentido de algumas coisas acontecerem nas nossas vidas e o fato de que não precisamos de respostas para tudo.

19. A Ausência que Seremos, de Fernando Trueba (Colômbia)


O novo filme de Fernando Trueba nos apresenta a figura de Hector Abad Gómez (Javier Câmara), um médico sanitarista e professor universitário de Medellín que foi um forte defensor dos direitos humanos durante a ditadura colombiana. A história é contada sobre a visão do filho de Hector, e se passa em dois períodos distintos: quando ele era criança e vivia colado ao pai, e quando ele, já adulto, precisa voltar à Medellin para a despedida do pai na faculdade onde ele lecionou por anos. Interessante analisar que o médico não se dizia nem de esquerda e nem de direita, mas sofreu perseguição ao ser considerado comunista por se preocupar com a população de baixa renda (qualquer semelhança com os dias de hoje é mera coincidência). A Ausência que Seremos é um filme que quase passou despercebido no catálogo da Netflix este ano, mas recomendo fortemente para quem tiver a oportunidade de assisti-lo.

18. Tenho Medo Toureiro, de Rodrigo Sepúlveda (Chile)

 

Adaptado do livro do chileno Pedro Lemebel, Tenho Medo Toureiro é um filme muito sensível sobre preconceito, resistência, aceitação e, sobretudo, o amor, seja ele na forma que for. La Loca del Frente (Alfredo Castro) é uma travesti quase beirando os 60, que vive sozinha e se apaixona por um homem que a salva de ser espancada durante uma batida militar numa boate. Vale lembrar que o enredo se passa durante a ditadura no Chile, que era extremamente intolerante contra o público LGBT. O homem que a salva é Carlos (Leonardo Ortizgris), um jovem que faz parte de um grupo revolucionário que está planejando assassinar Pinochet. Movida pela paixão repentina e também como uma forma de recompensa-lo, "La Loca" aceita guardar em sua casa algumas caixas de Carlos que supostamente teria livros subversivos dentro. Com um leve toque de humor, mas sempre preocupado em mostrar a dura realidade daquela época, o roteiro também acerta em tocar num ponto muito perspicaz: de que não foi somente em ditaduras que os LGBT's sofreram abusos e repressão, e que por isso mesmo, muitos deles não estavam na linha de frente contra o regime, já que não fazia diferença.

17. Marighella, de Wagner Moura (Brasil)


Depois de dois anos sofrendo com inúmeros adiamentos burocráticos, finalmente chegou aos cinemas brasileiros o longa Marighella, que marca a estreia de Wagner Moura na direção e conta a história de Carlos Marighella, revolucionário que liderou a luta armada contra a ditadura no Brasil. O filme se passa basicamente entre os anos 1964 e 1969, quando a ditadura havia acabado de ser instaurada e o país vivia um dos seus períodos históricos mais conturbados. Neste cenário surge Marighella (Seu Jorge), um político comunista e cofundador da ALN (Aliança Libertadora Nacional), que por conta de suas ações violentas de enfrentamento ao regime, chegou a ser considerado o inimigo número um do governo militar. Gostei muito do ritmo do filme, que não deixa a história se tornar cansativa mesmo com suas 2h30 de duração. As idas e voltas no tempo também são fáceis de acompanhar graças a ótima montagem, que mostra tanto o lado guerrilheiro de Marighella como o lado pessoal e familiar. Outro fato que chamou muito a minha atenção é a excelente ambientação da época, além, é claro, do elenco super afiado. Numa cena pós crédito temos um momento bastante catártico, que passa a importante mensagem de que a "pátria amada" não é de um grupo ou de outro, mas sim de todos nós. Dá para perceber também, mesmo que de forma muito sucinta, certas críticas indiretas aos dias de hoje, numa forma de mostrar que algumas semelhanças com aquele período não são meras coincidências.

16. Druk - Mais uma Rodada, de Thomas Vinterberg (Dinamarca)


O enredo de Druk acompanha Martin (Mads Mikkelsen), um professor que está passando por um momento melancólico na sua fase dos 40 anos e que vive desanimado com a carreira, com o casamento e com a vida em geral. Martin tem três amigos professores de longa data que também estão com problemas, Tommy (Thomas Bo Larsen), Nicolaj (Magnos Millang) e Peter (Lars Ranthe). Um dia eles descobrem a teoria de um filósofo dinamarquês que fala que o ser humano, para viver bem e em plenitude, precisa ter uma certa quantidade de álcool no sangue por dia, e aceitam o desafio de testar isso na prática. Tudo vai bem no começo, inclusive com eles melhorando vários aspectos das suas próprias vidas, passando a ver tudo com mais interesse e sendo muito mais criativos, mas é claro que com o tempo alguns problemas começam a acontecer, principalmente pela velha mania que temos de chegar no nosso limite e acharmos que podemos ir um pouco além. Eu achei o filme inteiro muito verdadeiro, desde as atuações até as situações que ocorrem com os personagens, que por sinal são muito bem desenvolvidos pelo roteiro, com suas inseguranças e ansiedades. A ideia de se viver sempre entorpecido, como uma forma de fugir da realidade, é algo que agrega boas discussões, mas o filme foge da ideia de glamourização do álcool, principalmente quando incita os personagens a terem que lidar com as próprias consequências disso. O final é uma catarse, e um dos momentos mais legais do cinema nos últimos anos.

15. Reze Pelas Meninas Roubadas, de Tatiana Huezo (México)


Dirigido pela estreante Tatiana Huezo, Reze Pelas Meninas Roubadas é baseado no livro homônimo de Jennifer Clement que conta a história de meninas que são tiradas de suas famílias para virarem escravas sexuais de milícias armadas no México. O roteiro gira em torno de Ana (Ana Cristina Gonzales), uma menina que vive com a mãe em um vilarejo no estado de Jalisco, e convive diariamente com o medo e a preocupação de ser a próxima sequestrada. O grande acerto da direção é trazer o ponto de vista das crianças sobre esses crimes absurdos, numa visão sincera de quem não entende muito bem o que está acontecendo mas traz o medo no olhar. É através das reações e dos olhares dessas meninas que sentimos o verdadeiro impacto que as organizações criminosas criam na vida e no dia a dia dessas pessoas. Para evitar serem visadas, elas são obrigadas a cortar o cabelo curto, e uma das cenas mais emocionantes do filme é justamente num momento como esse. São meninas que não conseguem viver uma vida normal, quase não conseguem dar um sorriso, mas que carregam uma doçura encantadora dentro delas, que transbordam em pequenas ações.
 
14. Não Olhe Para Cima, de Adam McKay (Estados Unidos)

A estudante de astronomia Kate Dibiaski (Jennifer Lawrence) enxerga no telescópio um objeto que parece ser um cometa e mostra ao Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio), que faz os cálculos de rota e logo conclui que o objeto está vindo em direção à Terra e que o impacto será catastrófico. Os dois precisam avisar o quanto antes as autoridades para que medidas sejam tomadas, mas a partir de então começa uma verdadeira odisseia de Kate e Randall, pois ninguém quer ouvi-los ou sequer levá-los a sério. O roteiro evidentemente faz uma crítica à maneira como o mundo enxerga a ciência hoje em dia, além de criticar a sociedade do espetáculo e do engajamento que vivemos. Mesmo com dados que colocam em cheque a vida da população na Terra, os dois astrônomos praticamente não têm espaço na mídia, e quando finalmente são ouvidos, é tudo levado na brincadeira, com muitos memes nas redes sociais, além de gerar uma onda negacionista que fala que eles estão mentindo para a população. Ao pedir para olharem para cima e enxergarem o cometa se aproximando, o protagonista está pedindo que as pessoas apenas enxerguem o óbvio, coisa que hoje em dia tem sido difícil.
 

13. Duna, de Denis Villeneuve (Estados Unidos)


Dirigido por Denis Villeneuve, Duna se baseia no livro homônimo lançado por Frank Herbert em 1965 e que é considerado até hoje o livro de ficção científica mais vendido da história. O filme começa nos apresentando o desértico e distante planeta Arrakis, que há 80 anos é dominado pelos forasteiros Harkonnen, que exploram as dunas do local atrás de especiarias que são extremamente valiosas. Certo dia, o império decide tirar os Harkonnen do local e designar Leto Atreide (Oscar Isaac) como novo comandante. Atreide então viaja até Arrakis com sua família para se instalar e se adaptar ao novo planeta, que é extremamente quente com temperaturas que chegam a mais de 140 graus no sol. Porém, quando Leto descobre que foi traído pelo império, ele se vê obrigado a se juntar aos nativos do planeta para combater os inimigos, que querem ele e sua família mortos. Eu gostei muito da contextualização que o diretor faz da história para quem, assim como eu, não a conhecia, e fiquei na expectativa da continuação, que deverá ser lançada em 2023.
 
12. O Homem Ideal, de Maria Schrader (Alemanha)

Representante da Alemanha no Oscar 2022 de melhor filme internacional, O Homem Ideal (Ich Bin Dein Mensch) bebe da mesma fonte de Ela, lançado em 2013 e dirigido por Spike Jonze, e também aborda a relação de seres humanos com a inteligência artificial. No filme da diretora Maria Schrader, uma nova tecnologia está sendo testada onde um robô humanoide promete ser o par perfeito para quem tiver solitário, com base no escaneamento dos gostos da pessoa contratante do serviço. Alma (Maren Eggert) é uma antropóloga que aceita o desafio de testar por 3 semanas a tecnologia para depois fazer um relatório sobre suas impressões, e recebe em sua casa o robô Tom (Dan Stevens), que passa a conviver com ela diariamente. Programado para fazer só o que Alma gosta, Tom vai se moldando pouco a pouco às preferências dela, tentando ser o mais perfeito possível em todos os aspectos e deixar Alma feliz ao seu lado, mas o resultado acaba sendo o contrário. O filme se aprofunda em questões muito humanas, como solidão, perdas, e claro, o amor, e tem um senso de humor que o faz ser leve e agradável para todos os gostos.
 
11. Minari, de Lee Isaac Chung (Estados Unidos) 
 
A trama se passa na década de 1980 e acompanha o casal de imigrantes coreanos Jacob e Monica, que estão se mudando da Califórnia para o Arkansas junto com os filhos para tentar uma vida melhor. Há anos trabalhando no negócio aviário, eles decidem comprar um pedaço de terra para mudar um pouco a rotina e ganhar a vida plantando frutos e vegetais originários da Coreia do Sul, afim de atender a grande quantidade de imigrantes do país que estavam chegando aos Estados Unidos. As coisas, no entanto, se mostram muito mais difíceis do que eles imaginavam, por inúmeras questões, como o próprio choque de culturas que é evidenciado no filme através de pequenos detalhes. É um roteiro bastante singelo, com personagens muito humanos, e fica evidente que é um filme feito com muito amor pelo fato de trazer memórias afetivas da própria vida do diretor, que nasceu nos Estados Unidos mas é filho de imigrantes.

10. No Ritmo do Coração, de Sian Heder (Estados Unidos)


Adaptado do filme francês "A Família Bélier" (2014), CODA (abreviação para Children of Deaf Adults/ Filhos de adultos surdos) acompanha uma família de surdos que vive da pesca numa pequena cidade litorânea de Massachusetts. Dos 4 membros da família, apenas uma consegue ouvir e falar: a caçula Ruby (Emilia Jones). Por conta disso, Ruby acaba sendo o elo entre seus pais (Marli Matlin e Frank Troy Kutsur) e seu irmão mais velho (Daniel Durant) com o mundo exterior, ajudando-os principalmente nos negócios. Descoberta pelo professor de música da escola, Ruby começa a fazer audições para conquistar uma bolsa na faculdade de música de Boston, porém a necessidade da família em tê-la por perto pode pôr tudo a perder. No Ritmo do Coração talvez seja para mim a grande surpresa do ano, já que fui assisti-lo sem expectativa alguma e terminei encantado com tudo que vi. É um filme que, acima de tudo, fala sobre inclusão, mas também sobre família, amor e sonhos.

9. Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta, de Andrei Konchalovsky (Rússia)


O enredo se baseia num fato verídico que ocorreu na União Soviética em 1962, e que ficou conhecido posteriormente como Revolta de Novocherkassk. Em plena guerra fria, onde Stálin já havia morrido e o país vivia entre altos e baixos na economia, um grupo de trabalhadores decide se revoltar contra o aumento abusivo dos preços nos mercados e a baixa do salário recebido numa fábrica de locomotivas. A revolta sai do controle quando trabalhadores de outras fábricas se unem ao ato, e o governo russo resolve conter as manifestações com violência. Os acontecimentos são mostrados sob o ponto de vista de Luydmilla (Yuliya Vysotskaya), uma forte militante do partido comunista que trabalha numa cúpula do governo municipal. É através dela que acompanhamos o movimento do governo para conter a greve e a crescente preocupação interna de que a revolta poderia manchar a imagem de prosperidade do regime. A protagonista é bastante complexa, pois ao mesmo tempo que reconhece que as coisas não andam bem no país, ela não recua em defender o regime a todo custo, inclusive a força policial descabida para conter os protestos. Não é um filme que critica uma ideologia específica, mas sim, todos os governos autoritários que agem com truculência e tentam maquiar seus erros e seus defeitos.

8. Aranha, de Andrés Wood (Chile)


Dezessete anos depois do excelente Machuca, o diretor Andrés Wood volta a abordar o período pré-ditadura militar no Chile com Aranha, filme que representou o país no Oscar de 2020 e que só agora em 2021 chegou aos cinemas brasileiros. O foco do roteiro é nas ações do grupo nacionalista Patria Y Libertad, uma organização paramilitar de extrema direita surgida nos anos 1970 e que tinha um símbolo semelhante a uma aranha. O grupo realizou uma série de atentados e colaborou no golpe contra o governo eleito de Salvador Allende, o que veio a resultar num dos governos de exceção mais sanguinários da história comandado por Augusto Pinochet. O roteiro se passa em dois períodos distintos, os anos pré-ditadura (1970-1973) e os anos atuais, com os membros do grupo já envelhecidos e vivendo uma vida aparentemente normal. É interessante ver como, mesmo depois de muitos anos, os personagens seguem com as mesmas ideias, ainda que por conveniência tenham que disfarçar muito bem, já que no Chile a questão da ditadura é uma ferida que é levada muito a sério (quem dera também fosse assim aqui no Brasil).

7. Nomadland, de Chloé Zhao (Estados Unidos)


Vencedor do Óscar de melhor filme, Nomadland acompanha Fern (Frances McDormand), uma mulher que ficou desamparada depois que a empresa onde trabalhava fechou as portas por conta da crise econômica que assolou os EUA em 2008. Sem trabalho fixo e sem casa, Fern passa a atravessar as estradas do país fazendo bicos, enquanto dorme em sua van e enfrenta todo tipo de adversidades. Na sua jornada, Fern vai conhecendo outras pessoas que vivem a mesma situação dela, de marginalização, inclusive uma comunidade nômade, onde faz amizades e finalmente se sente parte de algo maior. O roteiro tem um ar documental, até pelo fato de juntar ao elenco pessoas que realmente vivem essa realidade na pele diariamente. É bem emocionante ouvir os relatos deles, alguns inclusive dos quais jamais esquecerei. São abordados assuntos como o sistema de aposentadoria, a chegada da idade e o peso de se viver numa sociedade injusta e desigual. Trata-se de um filme grandioso na sua simplicidade e que desperta os sentimentos mais diversos com muito pouco.

6. Nós Duas, de Filippo Meneghetti (França)


Representante da França no Oscar 2021, Nós Duas é um drama sobre duas mulheres fortes, que precisam esconder seus sentimentos numa sociedade que ainda é coberta de preconceitos e tabus. Madeleine (Martine Chevallier) e Nina (Barbara Sukowa) são vizinhas, e mantém um relacionamento amoroso há mais de uma década. Para os familiares de ambas, elas são apenas grandes amigas, que na solidão da terceira idade fazem companhia uma a outra. Cansadas de viverem essa "mentira", elas planejam contar tudo e se mudar juntas para a Itália, porém um infortúnio acaba deixando Madeleine muito doente, tirando totalmente sua liberdade e dificultando a realização desse sonho. Amor e libido na terceira idade ainda são de fato um tabu, ainda mais entre duas pessoas do mesmo sexo, e o filme aborda isso com muita delicadeza.

5. Agente Duplo, de Maitê Alberdi (Chile)


Realidade ou ficção? Essa dúvida paira no ar em alguns momentos durante a exibição de Agente Duplo, um documentário diferente de tudo que eu já havia visto até então no gênero e que foi o representante do Chile no Oscar 2021. Uma mulher entra em contato com uma agência de detetives para descobrir como sua mãe está sendo tratada em um asilo, e após um anúncio no jornal, vários idosos na faixa de 80 anos são entrevistados para um deles entrar como "espião" na casa de repouso e passar informações de como está sendo tratada a idosa. Sergio é o escolhido, e passa a conviver com os moradores do asilo como se fosse um interno de verdade, ouvindo histórias, lembranças, queixas e até mesmo despertando paixões. Aos poucos vamos sabendo mais da vida de cada um deles apenas pelas conversas com Sérgio, e é impossível não se emocionar com o que vemos. O que era para ser um filme denúncia, acaba se transformando num tocante filme sobre o cotidiano da velhice e da sua solidão.

4. Judas e o Messias Negro, de Shaka King (Estados Unidos)


Baseado numa história real, o enredo se passa em 1968 e começa acompanhando William O'Neal (Lakeith Stanfield), um ladrão de carros que é capturado pelo FBI e tem duas opções: ir para a cadeia por alguns anos ou realizar uma missão como infiltrado no partido dos Panteras Negras em troca da sua liberdade. Na mesma época, o presidente dos Panteras Negras em Illinois era Fred Hampton (Daniel Kaluuya), um jovem de 21 anos com ideais muito fortes e discursos efusivos. Aos poucos, William vai conquistando seu espaço no grupo e ganhando a confiança do próprio presidente, para quem ele passa a dirigir. Embora o roteiro foque nessa relação entre Fred e William, que como o nome do filme já sugere termina em uma tragédia bíblica, o diretor se preocupa em abordar muitas outras questões, e a principal delas é a forma como o governo dos EUA tratava qualquer forma de resistência que surgia, com extrema violência e repressão, além é claro, do racismo e da segregação existentes na época.

3. O Cego que Não Queria ver o Titanic, de Teemu Nikki (Finlândia)


As dificuldades e as adaptações de um homem que fica cego e paralítico por causa de uma doença degenerativa. Esse é o mote central desse filme dirigido pelo finlandês Teemu Nikki,que acompanha Jaakko (Petri Poikolanen), que antes de perder a visão era um apaixonado por cinema. Seus contatos com o mundo são seu pai, com quem fala diariamente por telefone, e Sirpa, que ele nunca encontrou pessoalmente mas se apaixonou após se conhecerem num aplicativo de relacionamento. Quando Sirpa fica doente e teme não ter muito tempo de vida, Jaako decide ir visitá-la na cidade onde ela mora, mas ele nunca havia saído de casa sozinho desde que ficou cego e as dificuldades logo aparecem, principalmente quando se depara com pessoas de má índole pelo caminho. A experiência de assistir esse filme foi intensa, chocante, mas ao mesmo tempo prazerosa pela qualidade acima da média.

2. Quo Vadis, Aida?, de Jasmila Zbánic (Bósnia)


As cicatrizes da guerra da Bósnia, que durou de abril de 1992 até dezembro de 1995, ainda doem na população daquela região, e isso reflete muito no cinema feito por lá. Quo Vadis, Aida?, da diretora Jasmila Zbánic, se passa no final do conflito e conta a história real do que ficou conhecido como genocídio de Srebrenica, o maior massacre ocorrido em terras europeias desde a Segunda Guerra Mundial. No cerne do enredo está Aida (Jasna Duricic), que trabalha como intérprete na sede da ONU e tenta ajudar nas negociações entre bósnios, sérvios e membros da ONU, enquanto do lado de fora mais de 30 mil pessoas buscam desesperadamente refúgio para fugir da morte certa. Quo Vadis, Aida? era o meu preferido para vencer o Óscar de melhor filme internacional deste ano.

1. Meu Pai, de Florian Zeller (Estados Unidos)

 

O filme acompanha Anthony (Anthony Hopkins), um senhor na faixa dos 80 anos que está começando a dar sinais de demência e cuja filha (Olivia Colman) faz de tudo para tentar ajudá-lo. O tema já foi abordado muitas vezes no cinema, mas não lembro de ter visto algo igual ao que vi aqui. Com uma estrutura labiríntica, típica de um filme de suspense, Zeller nos coloca na perspectiva de Anthony, fazendo com que tenhamos a mesma sensação de confusão do personagem, e acerta em cheio na forma que aborda essa deterioração da mente de uma pessoa já idosa, o dilema dos familiares em como resolver a situação do enfermo e principalmente a tristeza deles ao ver quem se ama chegar há um estado como este. Óscar de melhor ator mais do que merecido ao Hopkins, e para mim o grande filme do ano lançado no Brasil.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Crítica: Flee (2021)


Traumas do passado se tornam feridas que são carregadas por uma vida inteira, e muitas vezes é duro tocar e falar sobre elas. Vencedor do grande prêmio do júri em Sundance, Flee conta a história de um refugiado afegão que precisou deixar o seu país junto com a família no final dos anos 1980 devido à invasão do Talibã. Amigo íntimo do diretor Jonan Poher Rasmussen, Amin (nome fictício usado para preservar sua identidade verdadeira) resolveu contar tudo que aconteceu com ele desde sua infância, pela primeira vez, neste documentário íntimo e emocionante.


Lar é o lugar onde você pode se sentir seguro, responde Amin em um determinado momento da entrevista. E isso é o que ele nunca teve: um lar para chamar de seu. Quem o vê hoje, cheio de vida e fazendo seu pós-doutorado, não imagina todas as dificuldades que Amin enfrentou para chegar onde chegou. Obrigado desde criança a sair de casa em Cabul com a família para não serem mortos, Amin viveu anos viajando entre um lugar e outro, passando por mãos de contrabandistas e peregrinando com grupos de refugiados em busca de abrigo. Ele também é homossexual, e desde menor precisou esconder isso de todos em volta com medo de retaliações e até mesmo da morte. Porém, apesar do filme mostrar muito bem esse conflito interno de Amin, ele não constrói sua narrativa em cima disto, e fala da sua orientação sexual de uma forma muito natural.

Filmado sob formato de animação, o filme consegue, ao mesmo tempo, mostrar a entrevista de Amin e fazer uma reconstituição de todos os fatos narrados por ele mesmo. Eu gostei muito do estilo da animação, que mostra os momentos que Amin lembra com exatidão de forma muito vívida, enquanto outros mais duros, e que ele lembra vagamente, são mostrados sob formas de sombras e rabiscos. Em alguns momentos, a direção também opta por sair da animação e apresentar imagens reais, que mostram desde as mudanças de comportamento no Afeganistão até a própria crise de refugiados em toda a Europa. Essas imagens são importantes para contextualizar os fatos e potencializar ainda mais que se trata de uma história real.


Ao contar a verdade depois de muito tempo, temos a sensação de que Amin se liberta de algo que o sufocava, e agora finalmente poderá dar seguimento a sua vida da melhor maneira que puder, ainda que o passado sombrio nunca o deixe de lado. É triste demais pensar que histórias como a de Amin e sua família ainda aconteçam muito nos dias de hoje, como a própria evasão desesperada que acompanhamos nesse ano de 2021 no Afeganistão após a saída do exército americano. Seja na Europa, na Ásia, na África, na América, todos merecem se sentir pertencentes e algum lugar e viver em paz, e mesmo que pareça uma utopia, sonhamos que um dia isso possa ser possível.


domingo, 26 de dezembro de 2021

Crítica: O Homem Ideal (2021)


Representante da Alemanha no Oscar 2022 de melhor filme internacional, O Homem Ideal (Ich Bin Dein Mensch) bebe da mesma fonte de Ela, lançado em 2013 e dirigido por Spike Jonze, que também aborda a relação de seres humanos com a inteligência artificial. Se na realidade criada em Ela os personagens podiam se relacionar com um sistema operacional dentro de um aparelho, no filme da diretora Maria Schrader esse sistema ganha o corpo de um robô humanoide. A tecnologia, que ainda está em fase de testes, promete criar o par perfeito para quem estiver se sentindo solitário, com base no escaneamento dos gostos da pessoa contratante do serviço.


Alma (Maren Eggert) é uma antropóloga que aceita o desafio de testar por 3 semanas essa tecnologia, para depois fazer um relatório sobre suas impressões. Apesar de não estar muito afim de realizar a experiência, ela acaba recebendo em sua casa o humanoide Tom (Dan Stevens), que passa a conviver com ela diariamente. Programado para fazer só o que Alma gosta, Tom vai se moldando pouco a pouco às preferências dela, tentando ser o mais perfeito possível em todos os aspectos para deixar Alma feliz ao seu lado.

É impossível termos 100% de compatibilidade com alguém, sobretudo em um relacionamento, e o filme faz uma crítica a todos que de alguma forma tentam se moldar para agradar o outro, perdendo sua própria essência. O fato de Alma se irritar com a "perfeição" de Tom também mostra como seria entediante uma relação sem rusgas e discussões, já que são justamente as diferenças que fazem a gente se encontrar no outro.


O filme se aprofunda em questões muito humanas, como solidão, perdas, e claro, o amor. A questão do pai de Alma estar vivendo uma espécie de demência também é algo bem trabalhado, assim como a sua pesquisa no trabalho, onde ela está estudando como os antepassados manifestavam seu amor através da escrita em pedras. Gostei muito das atuações e dos diálogos, e mesmo com toda a atmosfera filosófica, o filme tem um tom de humor que faz ele ser leve e bem acessível a todos os gostos.

sábado, 25 de dezembro de 2021

Crítica: Não Olhe Para Cima (2021)


Há muito tempo não vivíamos uma era de negacionismo tão grande como a que estamos vivendo. A pandemia de coronavírus deixou isso ainda mais evidente, com muita gente desacreditando os fatos científicos e sendo contrários à vacinação. Podemos também traçar um paralelo em relação às questões do meio ambiente, onde muitos não levam a sério os efeitos do aquecimento global e acham que é tudo uma grande bobagem. Pois pegue esses pensamentos negacionistas e imagine a seguinte situação: um cometa está vindo na direção da Terra e seu choque deve levar à extinção de todos os seres vivos. Como será que a população de hoje reagiria a essa notícia?


Esqueça os filmes que você já assistiu sobre a chegada de um objeto devastador à Terra e se prepare para embarcar em algo totalmente original. Não Olhe Para Cima, novo filme de Adam McKay, pega o tema e o transporta para a nossa realidade, de uma sociedade que parece cada dia mais superficial e indiferente. Na trama, a estudante de astronomia Kate Dibiaski (Jennifer Lawrence) enxerga no telescópio um objeto que parece ser um cometa e mostra ao seu professor, o Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio), que faz os cálculos de rota e logo conclui que o objeto está vindo em direção à Terra, com 99,78% de chances de impacto.

Com cerca de 5 a 10 quilômetros de diâmetro, o cometa deve levar 6 meses para alcançar a nossa superfície, e os dois precisam avisar o quanto antes as autoridades para que medidas sejam tomadas afim de evitar a catástrofe. A partir de então começa uma verdadeira odisseia de Kate e Randall para tentar levar a informação ao maior número de pessoas, pois ninguém quer ouvi-los ou sequer levá-los a sério. 


A presidente dos Estados Unidos, Janie Orlean (Meryl Streep), está mais preocupada de como a notícia pode afetar as eleições do que com o futuro da humanidade. Os jornalistas parecem mais preocupados com a separação de uma cantora famosa do que com aquilo que os astrônomos têm a dizer, já que é preciso focar no que dá mais audiência. Afinal, quem quer ficar ouvindo que o mundo está para acabar, não é mesmo?

O roteiro evidentemente faz uma crítica à maneira como o mundo enxerga a ciência hoje em dia. Mesmo com dados que colocam em cheque a vida da população na Terra, os dois astrônomos praticamente não têm espaço na mídia, e quando finalmente são ouvidos, é tudo levado na brincadeira, com muitos memes nas redes sociais. Como se não bastasse, surge um movimento "anti-cometa" que cria a hashtag #NãoOlheParaCima, que vai de encontro ao que defende Randall, de que as pessoas olhem para cima e vejam o óbvio, que é o cometa se aproximando. Porém, hoje em dia nem o óbvio as pessoas parecem conseguir enxergar mais. Há ainda o adendo de uma empresa de tecnologia e seu megalomaníaco CEO, interpretado por Mark Rylance, que visa apenas lucros diante do desastre iminente, e que junto com a presidente torna tudo um grande circo midiático. 


O longa nada mais é do que um retrato de como vivemos em uma sociedade doente, que parece não levar nada a sério e onde tudo é medido por engajamentos. O elenco é estelar, mas tem como destaque principalmente Leonardo DiCaprio (que tem uma cena específica que valeria uma indicação ao Oscar) e Jennifer Lawrence. Alguns atores são um tanto quanto caricatos em seus personagens, como é o caso de Meryl Streep e Jonah Hill, mas consigo enxergar isso como proposital para ridicularizar ainda mais o que eles representam. Com um humor ácido, típico dos filmes de McKay, Não Olhe Para Cima fecha o ano com chave de ouro, sendo para mim o melhor filme com selo Netflix nesse ano de 2021.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Crítica: Apresentando os Ricardos (2021)


"I Love Lucy", produzida pela CBS entre os anos 1951 e 1957, foi uma das mais aclamadas e populares sitcoms da televisão norte-americana, e serviu para moldar a forma com que os demais seriados de humor foram feitos desde então. Com seis temporadas e quase duzentos episódios exibidos, a série bateu recordes de audiência que até hoje não foram superados. O novo filme de Aaron Sorkin mostra os bastidores da série durante um dos seus períodos mais conturbados, e acompanha o casal de protagonistas, que também eram casados na vida real.


Lucille Ball (Nicole Kidman) e Desi Arnaz (Javier Bardem) enfrentam uma semana difícil em meados de 1953. Primeiro, um jornal noticia que Desi estaria traindo Lucille em uma viagem de barco, com foto comprobatória e tudo. Depois, Lucille é acusada por um jornalista de ser adepta do partido comunista, algo que nos Estados Unidos da época era considerado a pior coisa que você poderia ser. Durante a gravação de um episódio, ambos precisam lidar com estas acusações enquanto discutem com os outros membros da produção sobre os rumos da série.

Achei interessante a forma que o roteiro se desenvolve, como se fosse um falso documentário, "entrevistando" antigos membros da produção da sitcom. Também achei bom o desenvolvimento da personalidade de Lucille, e muito disso se deve a Nicole Kidman, que está incrível no papel, e não exagero em dizer que apresenta uma das melhores atuações da carreira. Javier Bardem também tem seus momentos brilhantes, e a química entre os dois é sentida de longe.


As partes mais legais do longa para mim são quando Sorkin tanta recriar cenas icônicas da série, usando até mesmo a fotografia em preto e branco. Eu até acho que o filme peca por fazer isso tão pouco, porque certamente enriqueceria mais a trama. Assim como fez em Os 7 de Chicago, Sorkin recria muito bem as Estados Unidos da metade do século passado, e isso também é um ponto positivo na trama. Infelizmente, Apresentando os Ricardos acaba perdendo força por conta da montagem, que torna o roteiro não linear bastante confuso de acompanhar. Porém, ainda vale a pena pelas atuações e pela bela trilha sonora.

Crítica: Veneza (2021)


Com dois prêmios conquistados no Festival de Gramado de 2021, Veneza mostra um lado sensível e profundo do diretor Miguel Falabella, que o pessoal do teatro já conhece, mas que é bem diferente das produções dele que estamos acostumados a ver na televisão e que se tornaram grandes sucessos de audiência.


O roteiro, baseado em uma peça de teatro argentina, conta a história de Gringa (Carmen Maura), que viveu um grande amor no passado e hoje, já idosa e cega, comanda um bordel em algum lugar não identificado do Brasil. Seu grande sonho é conhecer a cidade italiana de Veneza antes de morrer, e aos poucos o filme vai mostrando que esse desejo não se trata apenas de uma simples vontade de conhecer o lugar, mas sim, de resgatar algo do seu passado que tem a ver com aquela cidade. Como ninguém tem condições para ajudar na viagem, as meninas do Bordel decidem pedir auxílio ao dono de um circo que está na cidade, que é um grande amante do teatro e faz apresentações de peças que ele mesmo cria. O plano é recriar Veneza, para que de alguma forma Gringa possa viver esse seu sonho.


Primeiramente, a presença de Carmen Maura por si só já vale o ingresso. A atriz espanhola, que ficou conhecida nos anos 1980 em filmes de Pedro Almodóvar, é a grande estrela do filme e realmente está muito bem no papel, mesmo com poucas falas. Destaco também a atuação da Carol Castro e do Eduardo Moscovis, e o elenco ainda conta com nomes conhecidos como Dira Paes e Danielle Winitz.


O final é quase uma fábula, e eu fiquei encantado com a visão que o diretor apresenta e maneira que ele conduz esta parte. Com ótimos diálogos, Veneza fala sobre memória e passado com muita sensibilidade, e o conjunto da obra me surpreendeu bastante, sendo, talvez, meu filme nacional preferido de 2021.

sábado, 18 de dezembro de 2021

Crítica: A Mão de Deus (2021)


Uma alegoria autobiográfica de Paolo Sorrentino. Assim eu definiria A Mão de Deus, que estreou no Brasil esta semana através do catálogo da Netflix. Sorrentino é um diretor ousado, despudorado e politicamente incorreto, e vemos todos esses elementos novamente aqui, em uma história de amor à Nápoles, ao cinema italiano e a… Diego Armando Maradona.


O filme começa acompanhando Fabietto (Fillipo Scotti), um jovem que vive com a família na cidade italiana de Nápoles em meados dos anos 1980. Aliás, a família do garoto é a típica família napolitana, barulhenta e com muitos membros, e o roteiro não se acanha em apresentar personagens bem caricatos para demonstrar isso.

Apaixonados por futebol, os homens vivem na expectativa de ver o astro argentino Diego Maradona acertar com o Napoli, o time da cidade, coisa que na época era visto apenas como boato por ser algo impensável. Nesse clima de expectativa, Fabietto também precisa conviver com a puberdade, com descobertas da idade, e principalmente com perdas duríssimas, que de alguma forma servem para moldar sua visão do futuro e seu amor pela arte. O diretor já disse em entrevista que o filme trata de um momento real e traumático na sua vida, e por isso mesmo possui um tom bastante intimista.


Apesar de se tratar de um drama, o enredo tem diálogos engraçadíssimos, além de apresentar cenas muito bonitas esteticamente. O filme também traz toques de realismo mágico, o que deixa ainda mais clara a referência que Sorrentino tem de Fellini. O clássico diretor italiano inclusive é citado muitas vezes no longa, principalmente quando o irmão de Fabietto, que sonha ser ator, participa de uma audição para um filme do mesmo. Depois de A Grande Beleza e Il Divo, Sorrentino faz mais uma parceria com Toni Servillo, que interpreta o pai de Fabiotte, e que novamente está encantador. O roteiro deixa alguns pontos em aberto, sobretudo seu final, e também possui algumas incongruências cronológicas, mas nada que chegue a atrapalhar o conjunto da obra. É mais um belo filme, de um dos grandes diretores italianos da atualidade.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Crítica: A Crônica Francesa (2021)


Wes Anderson é um dos diretores que mais causa discussões entre os cinéfilos do mundo todo. Enquanto alguns amam seu estilo requintado, outros o acham exagerado e pedante, porém uma coisa é certa a se dizer: não tem como ficar indiferente diante da sua maneira peculiar de contar uma simples história.


A trama de A Crônica Francesa começa mostrando o dia a dia na redação de The French Dispatch, uma revista que se torna famosa no Kansas ao postar pequenas crônicas jornalísticas. Quando seu chefe Arthur Howitzer (Bill Murray) vem a falecer, a revista fecha definitivamente as portas, mas antes precisa publicar uma última edição, onde irão constar três crônicas que já haviam sido publicadas anteriormente. E são essas três histórias que compõem o enredo do filme.

A primeira delas é narrada por Berensen (Tilda Swinton) e acompanha Moses Rosenthal (Benício del Toro), um assassino que faz belas obras de arte dentro do hospício onde vive na cidade fictícia de Ennui, na França. Essa para mim é a melhor das histórias, e conta ainda com uma ótima participação de Lea Seydoux e Adrien Brody. O segundo conto é sobre um estudante (Timothée Chalamet) que está na linha de frente da luta estudantil e escreve um manifesto. Quem cobre a vida do jovem e de seus colegas militantes é a jornalista Lucinda Krementz (Frances McDormand), que inclusive intervém na criação do tal manifesto. O terceiro e último artigo é narrado por um chef de cozinha (Jeffrey Wright), e traz uma trama de suspense envolvendo sequestro, perseguições e culinária, e traz também os ótimos Edward Norton e Mathieu Amalric.


Não é preciso nem dizer que esteticamente o filme é uma obra prima. A simetria, os enquadramentos, os cenários, o jogo de cores (que une brilhantemente o colorido com o P&B), é tudo feito de maneira sublime. Até mesmo na parte em que o diretor utiliza animação o filme funciona muito bem visualmente, e é um deleite aos olhos de quem vê. Gostei também de alguns diálogos sarcásticos e engraçados, e da trilha sonora composta pelo sempre excelente Alexandre Desplat.

Em relação ao elenco, achei que o filme não soube aproveitar bem os nomes de peso que apresenta na ficha técnica. Del Toro, Chalamet e McDormand estão ótimos, mas o restante parece ter sido deixado de lado, inclusive com aparições relâmpagos e sem nenhum tipo de propósito, como é o caso de Christopher Waltz, Saoirse Ronan, Willem Dafoe e Elizabeth Moss. Senti também que o roteiro joga muitas informações pro espectador acompanhar em muito pouco tempo, tornando a narrativa um pouco cansativa de acompanhar em determinados momentos. A Crônica Francesa é Wes Anderson mais criativo e inventivo do que nunca, e mesmo que o filme tenha os seus defeitos, hoje em dia, em um cinema que anda cada vez mais plástico e repetitivo, é algo a se elogiar.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Crítica: Nove Dias (2021)


Nascido em Mogi das Cruzes, o diretor Edson Oda não poderia ter tido uma estreia melhor nos cinemas. Nove Dias (Nine Days) estreou oficialmente em Sundance, e como se não bastasse, saiu de lá com o prêmio de melhor roteiro. Com uma aura existencialista, o filme traz uma reflexão sobre o que é a vida humana, desde nossos sentimentos até a essência que faz cada um de nós sermos únicos.


Will (Winston Duke) mora em um deserto no meio do nada e acompanha a vida de algumas pessoas na Terra através de televisores, como se ele fosse literalmente os olhos delas. O filme não deixa claro para quem Will trabalha ou como ele foi parar ali naquele local (que é quase como se fosse em um plano espiritual), mas ele tem uma grande responsabilidade: escolher a próxima pessoa para nascer no nosso planeta, no lugar de uma outra que ele acompanhava e que faleceu.

Incumbido desta missão, ele recebe em sua casa um grupo de "almas", que juntos passam por uma espécie de teste que dura nove dias. Nesses dias, Will vai analisar a essência de cada um, e procurar descobrir quem está mais preparado para a vida na Terra. Nesse período, os "candidatos" passam por muitas perguntas, onde são obrigados a vivenciar situações humanas e entender melhor como funcionamos, desde o nosso lado bom até o nosso pior lado. Por já ter vivido na Terra, Will sabe que a vida não é fácil, e por isso procura alguém que demonstre ser forte. O filme não mostra flashbacks, mas através de alguma diálogos temos uma vaga ideia do que Will fazia quando vivia aqui, e de como ele era um homem introspectivo e sensível. E talvez por isso mesmo a morte de uma das suas antigas escolhidas (a que abriu a vaga para os testes), e que possuía características parecidas com as suas, seja para ele tão dolorida.


Com cenas poéticas e boas atuações do elenco (destaques para Zazie Beets e Bill Skarsgard, além do próprio Winston Duke), o filme também nos faz questionar sobre o valor que damos para os momentos que vivemos, e eu gostei muito que o diretor não usou nenhum argumento religioso, o que poderia ter estragado a experiência. No final, fica o questionamento: a vida na Terra é mesmo uma dádiva, ou do jeito que as coisas estão seria um castigo?