sábado, 21 de setembro de 2019

Crítica: Yesterday (2019)


Se você, como eu, é fã dos Beatles, sabe que qualquer filme que prometa falar sobre a banda e as suas músicas logo chama a atenção e nos dá aquela vontadezinha de assistir, não é mesmo? E considerar a inexistência deles na Terra então seria algo inimaginável para qualquer um. Não para Danny Boyle (Trainspotting e Quem Quer Ser um Milionário?), que volta aos cinemas com essa "dramédia" recheada de boa música (afinal, estamos falando de Beatles).



O filme acompanha Jack Malik (Himash Patel), um bom músico mas que vive frustrado por não conseguir subir na carreira e viver apenas de pequenas apresentações em bares. Certo dia, voltando para casa, acontece um apagão misterioso que faz com que, de um dia para o outro, toda e qualquer referência aos Beatles suma da face da terra. Ninguém mais reconhece as músicas do grupo e muito menos ouvir falar de quatro caras de Liverpool chamados John, Paul, George e Ringo.

Confesso que achei o acontecimento que marca essa virada no filme um tanto quanto mal feito, mas entendo que era necessário algo do tipo para o andamento da história. O que eu não entendo são outros acontecimentos que permeiam o filme, como o sumiço de marcas famosas como a Coca Cola, ou o fato de nunca terem existido cigarros, por exemplo. Considero esses fatos pouco explicados durante a trama e isso me incomodou.



Voltando à trama, Jack é o único ser-humano que lembra dos Beatles, e sente a necessidade de levar as músicas do grupo para o restante do mundo, quase como um tributo. As composições começam a chamar a atenção de todos e sua carreira explode a nível mundial. O mundo inteiro fica curioso para saber quem é esse homem que, de uma hora para outra, surgiu com letras tão bonitas e arranjos tão bem trabalhados.

Um ponto interessante do filme é analisar como as composições do quarteto seriam recepcionadas nos dias de hoje, uma realidade totalmente diferente daquela vivida nos anos 1960. O maior pecado do filme, no entanto, é ter se voltado à comédia romântica, focando demais na relação de Jack com sua namorada e deixando de lado o que realmente importava, a música.



O filme, enfim, diverte e prende a atenção, e mesmo possuindo seus defeitos não deixa de ser uma bela homenagem àquela que para muitos é a maior banda de todos os tempos. As referências, como por exemplo a cena em que ele canta em cima de um terraço (lembrando a última e inesquecível apresentação do grupo), são uma diversão a parte, e é por momentos assim que o filme, no fim, vale a pena.


quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Crítica: Parasita (2019)


Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, o novo filme de Joon-ho Bong (dos excelentes Expresso do Amanhã e Okja) volta a tocar na ferida da luta de classes, tema que o diretor sabe abordar como poucos na atualidade, e mostra ao mundo um lado da Coreia do Sul que habitualmente não é mostrada na televisão; o lado da pobreza, da sujeira, e da falta de perspectiva em um futuro melhor.



O enredo começa acompanhando uma família suburbana que vive de dobrar caixas de papelão para uma pizzaria local e mal consegue ter dinheiro para se alimentar. Esmagados em um pequeno apartamento subterrâneo, eles "sugam" o wi-fi dos vizinhos, usam a fumigação das ruas para dedetizar o apartamento e vão se virando da maneira como podem em meio à miséria. Porém, após uma surpresa do destino, Ki-woo (Choi Woo-sik), o filho mais velho da família, consegue emprego numa mansão onde mora o empresário Park (Lee Sun-kyun), sua esposa e seu mimado filho pequeno, e esse fato muda o panorama de todos dessa família.

Aos poucos, através de pequenos golpes e trapaças, todos os integrantes da família passam a trabalhar na mesma mansão, sem que os donos saibam do verdadeiro grau parentesco entre eles. A mãe vira governanta, o pai motorista, e até a filha ganha espaço como cuidadora da criança. A primeira parte é bem humorada, mostrando a "ascensão" um tanto quanto desconjuntada dessa família, mas que no final dá certo. Como "parasitas", eles se instalam na residência e passam a viver uma realidade que eles jamais imaginavam que um dia poderiam usufruir. A partir da segunda metade, e de um determinado acontecimento, é que filme ganha contornos de suspense, beirando por vezes até mesmo o terror.



A crítica social está presente ao longo de toda a trama. Assim como em Expresso do Amanhã, aqui o diretor também explora as diferentes camadas sociais, mas de forma mais "visceral". O contraste entre dois mundos já pode ser analisado no começo, quando partimos do apartamento claustrofóbico da família Kim para a exuberante e espaçosa mansão dos Park. É uma mudança drástica no padrão de vida familiar e apesar de eles sempre terem sonhado almejar tal lugar, eles não parecem se sentir tão a vontade quando estão inseridos nele.

Há uma crítica também na cena em que mostra um amontoado de doações de agasalhos em um ginásio, e logo é mostrado o guarda roupas cheio da Sra. Park. Por fim, ainda há espaço para uma alegoria que, de alguma forma, lamenta o fato de sempre serem os pobres e desassistidos a sofrerem com tragédias como enchentes e deslizamentos. É interessante perceber que o diretor não tenta tratar os ricos como "maus", mesmo que suas atitudes sejam por vezes lamentáveis. São boas pessoas, mas os preconceitos velados e sutis se tornam impossíveis de se ignorar, como quando Park critica o cheiro ruim na casa como "cheiro de quem utiliza o metrô". Assim como também não trata as atitudes dos "pobres" como errada, já que, no mundo de desigualdades, não dá para julgar a tentativa de "se dar bem", quase como se fosse um "instinto de sobrevivência"



Candidatíssimo ao prêmio de melhor filme estrangeiro no Óscar do ano que vem, Parasita é, sem dúvidas, um dos grandes filmes do ano, e mais uma obra impressionante desse diretor que parece não errar nunca. 

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Crítica: Bacurau (2019)


Considerado um dos nomes mais fortes do cinema brasileiro atual, não somente no país mas no mundo todo, o pernambucano Kléber Mendonça Filho (de O Som ao Redor e Aquarius) se juntou ao também pernambucano Juliano Dornelles para nos apresentar um dos filmes mais provocadores do ano, que finalmente chega aos nossos cinemas depois de rodar o mundo e colecionar prêmios por onde passou. Bacurau não é um filme de fácil absorção, muito pelo contrário, mas é uma obra instigante, daquelas que vão ficando melhor cada vez que você pára para analisá-la novamente. Um faroeste tipicamente tupiniquim, ainda que fuja de qualquer tipo de rotulação.


A primeira cena (um close em câmera lenta do globo terrestre) já indica onde estamos chegando para acompanhar a trama: sertão nordestino, mais precisamente em Bacurau, vilarejo fictício no interior de Pernambuco. Pouco a pouco, sem pressa e sem pretensão, e em meio ao velório de alguém que foi muito importante para a cidade, a direção vai nos colocando na vida e no cotidiano de seus habitantes, todos com características bastante fortes. Isso se arrasta por toda a primeira parte do filme, e serve para que o espectador se sinta parte desse amontoado de vidas e histórias.

A partir do meio do filme é que a "ação" começa de fato a acontecer, quando a vila passa a ter que enfrentar uma ameaça externa bastante peculiar. E é então que aparece, para mim, uma das grandes mensagens que os diretores quiseram passar, que é a importância do coletivo em tempos difíceis. Sozinha Bacurau não seria nada, cada um na sua individualidade não seria páreo para o que estava por acontecer, mas quando todos resolvem resistir juntos, a situação muda de lado.


O filme possui críticas políticas bem pontuais começando pela figura do prefeito, que não vive na cidade e só faz visitas esporádicas. A cena em que ele doa livros para a biblioteca da cidade é bastante marcante pelo fato do desleixo (derrubados de cima de um caminhão como se fossem lixo), uma crítica ao valor que nossos governantes dão para a nossa cultura. Outra cena pertinente é quando ele doa, junto com comida vencida, alguns medicamentos psicotrópicos, numa tentativa clara de sedar a população para que ela aceite fazer o que ele quiser. O pior ainda fica para o final, mas sobre isso não irei me alongar demais para que não haja spoilers, digo apenas que é revoltante e super atual.

Outra crítica oportuna do filme é a respeito da cisão que existe entre nordestinos e alguns sulistas, que pensam ser europeus e carregam consigo o velho "complexo de vira-latas" onde acham tudo que os estrangeiros fazem legal e tentam de alguma forma ser um deles. É um retrato fidedigno do "brasileiro classe média" do sul e sudeste do país, que muitas vezes subjuga o povo nordestino e não os trata como seus conterrâneos. Na realidade, americanos nos tratam e nos vêem como verdadeiros animais, sem distinções de região, e a analogia que o filme faz disso é brilhante.

A tecnologia também tem um papel interessante na trama. Sabemos, desde o início, que o filme se passa daqui alguns anos, e isso vai ficando mais evidente a cada cena. Um momento muito inteligente do enredo acontece quando um dos habitantes mais velhos da cidade está andando de bicicleta e é perseguido por um drone em formato de disco voador. Em qualquer outro filme filmado na região, ele provavelmente acharia se tratar de algo de outro mundo, ou mal assombrado, mas aqui não, aqui ele sabe se tratar de um drone porque não existe mais aquele estereótipo do sertão ignorante, no sentido mais puro da palavra.


Numa realidade em que morrem todo dia inocentes na política pública de combate ao crime no Rio de Janeiro, uma cena específica é bastante contundente. Um menino, morto com uma lanterna na mão, e seu algoz, declarando que o matou pois achava que ele era mais velho e estava armado. Esses "enganos" ocorrem todos os dias nas ruas, principalmente pelas mãos de quem deveria estar ali para proteger o cidadão. 

Em um dado momento do filme, aparece em um dos televisores uma manchete (a lá programa do Datena) mostrando o agendamento de mais uma execução pública coordenada pelo governo no centro de São Paulo. Parece absurdo hoje pensar que isso um dia poderia virar realidade, mas no momento em que escrevo essa crítica me deparo com uma notícia de um jovem negro despido, amordaçado e amarrado que foi chicoteado por seguranças dentro de um supermercado, também em São Paulo, acompanhada de muitos comentários de pessoas apoiando e dizendo que ele merecia mais. Não preciso dizer mais nada.


Por fim, Bacurau é uma obra aberta a inúmeras interpretações, e faz você sair da sala de cinema cheio de conflitos internos. Tem filmes que quanto mais a gente pensa sobre, menos a gente vai gostando, mas Bacurau é o oposto, quanto mais eu penso nele e destrincho suas diversas camadas, mais eu consigo captar sua grandeza. Uma pena que quem precisa entender a mensagem que ele passa, nunca irá entender de verdade. Em tempos de obscuridade, o cinema nacional tem um dos seus respiros mais profundos.