segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Crítica: Era Uma Vez em... Hollywood (2019)


Nono e penúltimo filme da carreira de Quentin Tarantino, Era Uma Vez em... Hollywood (Once Upon a Time in... Hollywood) é a obra que mais se difere do estilo que o consagrou, pelo menos desde Death Proof (2007). O longa é uma ode à formação cinematográfica dele próprio e uma espécie de homenagem sua a tudo que serviu de inspiração até hoje na carreiraPorém, para entendê-lo como se deve é imprescindível conhecer as referências (e são muitas durante suas 2 horas e 45 minutos de duração) e principalmente os fatos reais citados, e essa aposta do diretor acaba apresentando um filme um tanto quanto desconjuntado, ainda que imperdível e cheio de bons momentos.


A trama se passa na Hollywood do final dos anos 1960, em plena era de ouro da indústria cinematográfica norte-americana, e acompanha Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), um ator que busca seu espaço fazendo participações em séries de faroeste para a televisão. Junto dele está seu dublê, Cliff Booth (Brad Pitt), um amigo inseparável que é também uma espécie de "faz-tudo" na sua vida. O filme ainda possui uma terceira protagonista, Sharon Tate (Margot Robbie), a atriz que, junto com Roman Polanski, formou um dos casais mais badalados da época, e que foi brutalmente assassinada pela seita de Charles Manson em 1969.

A estória dos três se desenrola por meio de diversas intromissões e cortes abruptos, além de cenas recriadas de programas antigos de televisão e muito, muito flashback (inclusive, flashback dentro de outro flashback). O roteiro, no entanto, não tem uma trama concisa, com começo, meio e fim, e não se preocupa em entregar tudo amarrado no final, como acontece em Pulp Fiction por exemplo, e ainda que todas as estórias conversem entre si, elas acabam ficando meio a par uma das outras. 

Diferentemente do que eu imaginava durante toda a expectativa pelo filme, ele não foca na história de Charles Manson e sua seita, mas sim, no que acontece em volta, no cotidiano da cidade. Não existe uma estória propriamente dita sendo contada, é como se Tarantino pegasse sua mão e te levasse a acompanhar o dia-dia dos personagens, apenas isso. Isso fica ainda mais evidente na personagem de Margot Robbie, que de certo modo parece sem propósito na estória, aparecendo volta e meia sem fazer nada relevante. Aliás, existem muitas cenas que parecem desnecessárias ao longo da trama (nunca pensei que diria isso sobre um filme de Tarantino), e a cena em que Cliff conhece o rancho de Manson é para mim um dos exemplos mais evidentes. 



Como já era de se esperar, o filme é construído em cima de excelentes diálogos, marca registrada do diretor, além de muito bom humor e, é claro, violência em excesso, ainda que dessa vez ela tenha ficado reservada apenas para os minutos finais. É curioso como Tarantino leva o uso da violência de forma desconstruída em suas obras e utiliza isso como algo cômico, nitidamente exagerado, como se não fosse mesmo para ser levado a sério.

Se temos um "filme homenagem" do diretor ao cinema, é claro que não poderia faltar inúmeras referências aos filmes de faroeste, sua maior paixão declarada. Enquanto Rick grava cenas do gênero, ficamos imersos juntos na história, como se fosse um filme dentro de outro filme, e isso foi um argumento muito interessante. Só nos damos conta que não estamos assistindo um verdadeiro spaghetti western quando o personagem de DiCaprio erra uma fala e o diretor precisa cortar a cena para refazê-la. Inclusive, essa é mais uma das partes que ajudam na construção excepcional deste personagem, que já virou icônico.



Assim como em Bastardos Inglórios, mais uma vez Tarantino brinca de mudar um acontecimento histórico no final, quando resolve nos contar, da sua maneira peculiar, o que ocorreu na noite em que os seguidores de Manson subiram as ruas do bairro nobre de Bel Air para matar Sharon Tate e todos que estivessem dentro de sua residência. O final não poderia ser mais "Tarantinesco", e quem é fã vai se deliciar demais.

Sobre as atuações, não tem nem o que falar de Leonardo DiCaprio a não ser que, novamente, ele entrega uma das melhores atuações do século. Em sua terceira parceria com o diretor, ele é mais uma vez um dos pontos altos do filme e com certeza estará nas principais premiações no começo do ano que vem. Brad Pitt, mesmo com seu jeito fanfarrão que passa a impressão de "eu já vi esse personagem antes" consegue também entregar uma atuação digna de premiações. Lamentei um pouco a curta participação de Margot Robbie, mas todas as vezes em que aparece, é impossível não ficar vidrado. O elenco ainda conta com a participação de nomes conhecidos como Al Pacino, Kurt Russel, Emile Hirsch, Bruce Dern e Dakota Fanning.



Por fim, Era Uma Vez em... Hollywood é tecnicamente impecável, desde sua trilha sonora apaixonante até sua excepcional direção de arte, que recriou com perfeição toda Los Angeles da época. Mesmo não sendo "o melhor Tarantino",  é um filme que vale muito a pena, por ser mais um marco na carreira do diretor, que o viu como uma verdadeira realização pessoal.