segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Crítica: Cafarnaum (2019)


Representante do Líbano no Óscar de melhor filme estrangeiro deste ano, Cafarnaum, da diretora Nadine Labaki (de Caramelo e E Agora Onde Vamos?), é um longa poderoso, intenso e visceral, que fala não somente sobre as mazelas sociais e a miséria humana, mas principalmente sobre a falta de esperança de crianças e adultos em meio a uma realidade caótica e sub humana.


O filme gira em torno de Zain (Zain Al Rafeea), um garoto libanês de 12 anos que vive com a família na Síria. Vivendo no meio de muitos irmãos, em condições quase desumanas e com pais super abusivos, o garoto sonha poder ir um dia para a escola, mas as condições o obrigam a trabalhar desde muito cedo, tirando dele qualquer perspectiva de futuro. Sua vida é tão aquém do mundo externo que ele não possui nem mesmo registro do seu nome, e é como se ele não existisse na sociedade.

Essa realidade exige um amadurecimento precoce do personagem, e isso é muito triste de acompanhar, principalmente se pensarmos que isso é muito mais comum do que se imagina, não somente no oriente médio, mas também perto de nós. Qualquer semáforo possui uma criança vendendo ou pedindo algo, e com certeza são crianças como Zain, que dariam tudo para estarem brincando, estudando ou fazendo qualquer tipo de coisa que uma criança normal deveria estar fazendo nessa idade.



O roteiro do filme tem dois blocos bem distintos de ritmo. O primeiro é bem agitado, e mostra a rotina de Zain em casa, a correria do dia-dia, os choros incessantes dos irmãos, as brigas dos pais, tudo com movimentos ágeis da câmera que passa mesmo uma ideia de desordem. Quando a irmã mais próxima de Zain, de 11 anos, é obrigada a se casar, ele se revolta definitivamente e sai de casa. É a partir desse momento que tem início a segunda parte, onde ele conhece a jovem refugiada Rahil (Yordanos Shiferaw) e seu filho pequeno Yonas.

Rahil trabalha como faxineira num parque de diversões, e Zain fica responsável por cuidar de Yonas durante o dia. É muito legal ver a relação dos dois meninos, e a fotografia quase documental torna a imersão nesse ambiente muito realista. Mesmo sem condições, Rahil faz tudo pelo bem do filho, e Zain tem aqui sua primeira visão de amor fraternal de verdade, ainda que seja em uma família fora dos padrões.


O que mais chama a atenção no longa são as atuações, sobretudo do menino Zain, uma das atuações mirins mais impressionantes que eu já tive a oportunidade de assistir. O final é um verdadeiro soco no estômago, e é impossível segurar as lágrimas. Há relatos de que em algumas sessões do filme foram ouvidos aplausos calorosos, como em Cannes, onde o filme foi ovacionado por 15 longos minutos. Na minha houve choro, muito choro. As palmas foram apenas mentalmente. Palmas, palmas, palmas ao cinema feito no oriente médio. Obrigado pela obra-prima, Nadide.

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