quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Especial: A trilogia "Before", de Richard Linklater


Richard Linklater é um diretor que sabe retratar a vida e a passagem do tempo como ninguém. Seu nome voltou à tona esse ano com o término das gravações de Boyhood, filme que levou 12 anos para ser feito e que acompanhou o envelhecimento real dos atores em cena. No entanto, se engana quem pensa que essa foi a primeira vez que ele usou esse tipo de recurso nas telas.  Assim como Boyhood, Antes do Amanhecer, Antes do Pôr do Sol e Antes da Meia-Noite, que formam a elogiada trilogia "Before", também trazem atores que envelhecem junto com a história. Filmados em períodos diferentes, juntos somam ao todo 18 anos, de 1995 a 2013.


No primeiro filme da trilogia, lançado em 1995, o americano Jesse (Ethan Hawke) e a francesa Celine (Julie Delpy) se conhecem em uma viagem de trem e resolvem passar uma noite juntos em Viena. O enredo foi baseado em uma história real ocorrida na vida do diretor, que assim como os personagens principais, também teria passado uma noite com uma desconhecida após uma viagem de trem.

O mais interessante, porém, é que o filme foge de qualquer esteriótipo do gênero. Eles não passam uma noite juntos em uma cama de hotel, por exemplo, mas pelo contrário, aproveitam cada segundo curtindo o que de melhor tem para curtir na capital austríaca. Entre caminhadas pelas ruas da cidade e visitas aos seus principais pontos turísticos, eles vão debatendo sobre diversos assuntos e descobrindo o que tem de comum e de diferente entre si. De assuntos simplórios do dia-dia a questões existenciais, o forte do filme, assim como o de toda trilogia, são os diálogos e a espontaneidade das atuações.

Algumas cenas são emblemáticas, como a cena em que eles estão caminhando à beira do rio Danúbio e se deparam com o que Jesse chama de "uma versão vienense de um vagabundo", que ao invés de pedir dinheiro, pede a eles uma palavra para que ele crie a partir dela um poema. Quando começamos a nos apaixonar pelo casal, ainda no começo da manhã eles são obrigados a se separar, já que cada um tem seus próprios compromissos. Ele volta para os Estados Unidos e ela vai para Paris, com a promessa de se verem 6 meses depois para reviverem a melhor noite de suas vidas. O filme termina e a empatia pelo casal é tão grande que é impossível não torcer para que tudo dê certo para eles.


Em 2004, exatos 9 anos após o primeiro filme, Linklater apresentou a continuação da história, respondendo aos fãs a pergunta do que teria ocorrido com os dois. Jesse agora é escritor e está em Paris para promover seu primeiro sucesso, que conta exatamente a história de um casal que vive um romance em Viena após se conhecerem em um trem. Na vida real, Linklater também teria filmado o primeiro filme com a intenção de que a mulher que havia conhecido se identificasse e os dois pudessem se reencontrar. O que ele não sabia, porém, era que ela havia morrido em um acidente de carro um ano antes do lançamento do filme.

Não demora para percebemos que Jesse e Celine não se encontraram conforme o prometido, por motivos completamente alheios as suas vontades. Quando Celine aparece no local onde Jesse está participando de uma entrevista coletiva após o lançamento do seu livro, os dois tem um pouco mais de uma hora e meia para colocar todos os assuntos em dia, antes dele pegar o avião de volta para casa. Assim como no primeiro filme, os diálogos são o grande chamativo do filme, onde vamos aos poucos descobrindo o que cada um fez de sua vida nesse período de tempo, de suas alegrias às suas frustrações. Jesse agora está casado e tem um filho pequeno. Já a vida amorosa de Celine segue completamente instável. No entanto, fica evidente que ambos parecem nunca ter se recuperado daquela noite especial de nove anos atrás.

O final de Antes do Pôr do Sol, assim como o final do primeiro, também deixa aquela ponta de curiosidade sobre sua continuação. Após uma das cenas mais bonitas da trilogia, onde Celine canta uma música de sua autoria sobre o romance dos dois no violão, ela o relembra de ir embora para não perder o vôo e ele apenas ri, deixando subentendido se ele vai ou não embora naquele momento.


Essa pergunta já é respondida na primeira cena de Antes da Meia-Noite, lançado em 2013 (novamente 9 anos após o antecessor). Jesse e Celine estão agora casados e tem duas filhas. O passar dos anos, no entanto, trouxe tudo aquilo que o peso de um relacionamento traz. O amor entre eles não parece mais o mesmo, e as brigas passaram a ser constantes. Além disso, cada um parece ter chegado naquele ponto da vida em que nos perguntamos o que afinal fizemos de nossas vidas.

O filme é muito mais denso que os dois primeiros, e trata a forma como o tempo molda a vida de todos. Linklater escancara os problemas que acontecem com a maioria dos relacionamentos, e fecha com chave de ouro a trilogia mais romântica e bonita do cinema. É possível se reinventar e fazer ressurgir o amor pela pessoa com que se está junto há anos? Isso só o final do filme pode responder.

Resumindo a trilogia em uma frase, dá para dizer que é "a vida como ela é", retratada com fidelidade nas telas. O mais legal de tudo é que os atores realmente parecem apaixonados, e que Linklater apenas colocou uma câmera filmando-os. Não parecem estar encenando, tamanha é a veracidade dos sentimentos. Tanto Hawke como Delpy estão impecáveis, e nos 18 anos que separam os filmes entre si, a sintonia continuou a mesma. Profunda e reflexiva, essa é uma das melhores trilogias do cinema, sem contar que os filmes individualmente estão entre os melhores do gênero.

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