quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Crítica: A Casa que Jack Construiu (2018)


Cinco anos depois do lançamento de Ninfomaníaca, Lars von Trier está de volta aos cinemas com A Casa que Jack Construiu (The House That Jack Built), uma história que, adivinhem, causou polêmica por todo lugar onde passou. Isso virou rotina em sua carreira, já que ele nunca foi o tipo de diretor que se curva às críticas para agradar a todos, e esse é justamente um dos motivos pelos quais sou seu grande fã.



Ambientado nos Estados Unidos dos anos 1970, o longa acompanha 12 anos na vida de Jack (Matt Dilon), um serial killer ardiloso que se vangloria de nunca ter sido pego pela polícia. Contado sob a perspectiva do próprio personagem, o filme mostra cinco de seus crimes, e a forma engenhosa como ele procede em cada um deles. O curioso é que ao matar suas vítimas Jack não se desfaz dos corpos. Ele junta todos em uma sala frigorífica para, morbidamente, usá-los em poses diferentes para fotos, até o dia em que conseguirá juntá-los para fazer aquela que ele acredita que será sua grande obra de arte.

Ao longo do filme, o espectador vai acompanhando a descrição de cada assassinato com todos os seus detalhes aterrorizantes, além de adentrar fundo na mente doentia do psicopata, que tenta explicar suas ideias para seu interlocutor, Virgílio (Bruno Ganz), o poeta romano e guru de Dante na descida ao inferno em Divina Comédia (isso faz todo o sentido no final, pode ficar tranquilo). É quase como se fosse uma sessão terapêutica do personagem para falar a verdade. Assim como fez em seu último trabalho, aqui von Trier também usa e abusa de imagens externas e colagens na tela (até mesmo de outros filmes seus) para criar uma atmosfera filosófica. Diálogos sobre arquitetura, música, literatura e artes em geral se tornam até um pouco enfadonhos depois de um tempo, mas são interessantes para mostrar como a cabeça de Jack funciona e enxerga o que faz.



O clima do filme é extremamente pesado, e algumas cenas te fazem compreender porque há tantos relatos de abandonos das salas de cinema durante sua apresentação, como no Festival de Cannes, por exemplo. Isso aconteceu também na sessão em que assisti o filme, principalmente depois de cenas envolvendo crianças, que são as mais difíceis de digerir. Não, não se trata de um filme fácil, mas a violência contida nele não é de maneira nenhuma gratuita. Há, entretanto, momentos belíssimos no filme, como as passagens em que Jack descreve sua infância com uma intimidade tocante.

O filme todo traz uma fotografia bastante melancólica e fria, mas atinge seu ápice no epílogo, chamado Katabasis (termo grego referente à "descida"), onde traz uma experiência visual impressionante com cenas expressionistas que por si só já valem o ingresso. Na parte das atuações, temos um Matt Dilon bastante convincente neste que talvez seja um dos seus papéis mais desafiadores da carreira, e há ainda que se elogiar a trilha sonora, muito bem elaborada.



Por fim, o cinema de von Trier não é nada fácil, nem nunca será. É o típico "ame-o ou odeie-o", e eu particularmente faço parte do seleto primeiro grupo. Gosto muito da forma como o diretor consegue mostrar o pior lado do ser-humano em seus filmes, e sua forma sarcástica de abordar assuntos polêmicos. Neste caso, a morte como obra de arte. Genial.

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