sábado, 12 de outubro de 2024

Crítica: A Substância (2024)


A ditadura da beleza, a auto depreciação, a procura pela perfeição estética e a pressão da sociedade em cima da aparência feminina. Estes são temas que já foram abordados em vários filmes, inclusive alguns bem recentes, mas jamais da maneira radical e grotesca como faz a diretora francesa Coralie Fargeat em A Substância, um bodyhorror para fã do subgênero nenhum botar defeito.


Elizabeth Sparkle (Demi Moore) foi uma grande estrela no passado, chegando a ganhar um Oscar por um trabalho que ninguém nem lembra mais, mas que foi o suficiente para ela ter eternizado o seu nome na calçada da fama. Agora, anos depois, ela sobrevive fazendo programas de aeróbica na televisão, até o dia em que o diretor (Dennis Quaid) decide demiti-la por a acha-la velha demais. Ela descobre isso da pior maneira, ouvindo ele dizer isso de forma nojenta para alguém ao telefone, o que a deixa terrivelmente abalada. Saindo do estúdio, ela se acidenta com seu carro, e no hospital recebe um bilhete misterioso de um dos enfermeiros. A partir de então é preciso entrar em spoilers, pois é impossível falar do filme sem abordar o mínimo da história.

Através do bilhete recebido, Elizabeth descobre a existência de uma substância criada por uma empresa tecnológica que é capaz de fazer uma cópia sua mais nova, e decide utiliza-la sem pensar muito. Ao injetar o líquido no corpo, ela literalmente dá a luz (de uma maneira absurdamente bizarra) a uma versão mais nova e perfeita dela mesma, e quem interpreta esta versão jovem de Elizabeth é Margaret Qualley, que adota o nome de Sue. O uso desta substância, no entanto, possui diversas regras que precisam ser seguidas para evitar consequências graves, e uma delas é que as duas versões precisam coexistir, sendo uma semana para cada, de forma alternada. Enquanto uma estiver vivendo perante a sociedade, a outra "descansa" desacordada no chão de algum cômodo da casa. Sue, no entanto, começa a burlar as regras para ficar mais tempo curtindo os prazeres da juventude, e Elizabeth perde o controle sobre sua própria "criação", transformando a experiência em algo cada vez mais macabro, repugnante e fora de controle.


Impressiona tamanha destreza com que a diretora trabalha o uso da câmera desde o primeiro minuto, de uma maneira bastante frenética, o que acaba criando uma atmosfera intensa e fascinante. Os cenários também são caprichosamente formidáveis, desde os espaços internos, como a enorme casa de Elizabeth ou os corredores coloridos e cheios de cores vivas do estúdio de televisão, até as tomadas externas com o panorama pulsante de uma Los Angeles efervescente.

Mais do que tudo, é preciso falar da atuação de Demi Moore, que não por coincidência, é uma atriz que viveu seu auge nos anos 1980 e 1990, mas que após ficar mais velha, perdeu espaço. Ou seja, ela conhece muito bem tudo aquilo que o roteiro se propõe a criticar. E ele critica mesmo, sem rodeios,  sendo bastante direto e reto, sem utilizar de alegorias. O papel de Moore exige uma coragem que poucas atrizes teriam, e ela faz isso com maestria.  Margaret Qualley também encanta em tela, sendo perfeita em todos os momentos em em que é exigida, quase uma força da natureza com sua beleza e carisma.


Não dá para negar que o filme possui algumas perguntas sem resposta, mas o roteiro premiado em Cannes "engole" você de tal maneira, que é impossível se apegar aos detalhes enquanto ele passa na sua frente. Sinto que a ideia da diretora era justamente não se preocupar em explicar muita coisa, principalmente em relação a origem da substância ou a maneira como os personagens reagem diante das consequências de seu "mal uso". Então se você comprar naturalmente a ideia do filme desde o início, e aceitar algumas facilitações que o roteiro apresenta, você terá, sim, uma grande experiência. 

O final catártico também é bastante divisivo, e talvez seja o único ponto do filme que realmente me perdeu um pouco, ao atingir um extremo que eu jamais imaginava ver em um filme hoje em dia. É como se Coralie pensasse "se eu já vim até aqui, porque não ir um pouco mais além?", e esse além, na minha visão, ficou um pouco forçado. Porém, reitero mais uma vez minha admiração pela coragem da diretora em fazer o filme do jeito que ela queria, sem se preocupar se seria bem aceito ou não, e pelas críticas mundo a fora e a massiva aceitação do público, creio que deu certo.

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