Um grande filme épico
se faz com uma boa pesquisa histórica, uma qualidade técnica irretocável
e um ótimo elenco. E temos tudo isso em A Mulher Rei (The Woman King),
filme que resgata a memória de um grupo de mulheres guerreiras do século
XIX que lutaram, dentre outras coisas, contra a colonização européia no
continente africano.
Conhecidas como "Agojie", essas guerreiras
viviam no Reino de Daomé, onde hoje fica localizado o Benin, na África
Ocidental, e faziam parte da guarda real do Rei Ghezo. Muitas delas
chegavam ao exército depois de serem rejeitadas pelas suas próprias
famílias, seja por desobediência, ou simplesmente por não aceitarem
casamentos arranjados, e este foi o caso de Nawi (Thuso Mbedu), que
rejeitou todos os seus pretendentes e acabou sendo levada à força pelo
próprio pai para se tornar uma recruta da general Nanisca (Viola Davis).
Chegando
ao palácio, ela logo é inserida nos treinamentos para virar uma Agojie,
e passamos a acompanhar um pouco de como funcionava esta preparação,
composta de treinos realmente pesados, fisica e mentalmente, onde as
meninas aprendiam, acima de tudo, a abdicar de qualquer tipo de
sentimento, inclusive a dor. O trabalho de imersão feito pela diretora
Gina Prince-Bythewood é elogiável, apresentando não somente cenários
majestosos e muito bem feitos, como também enfatizando a imponência
dessas mulheres, com suas habilidades e suas feições corporais. Temos
também um grande trabalho de direção de elenco, e aqui destaco outros
dois nomes que chamam bastante a atenção: Lashana Lynch, que interpreta
Izoguie, e Sheila Atim, que interpreta Amenza, duas coadjuvantes que
quando aparecem roubam a cena. O único ponto que não encaixou na
história foi a inclusão de um romance entre uma das Agojie e um
ex-traficante de escravos. Achei forçado e inverossímil essa história do
"escravagista que se arrepende", por mais que o enredo tente fazer uma
relação do passado dele com o reino de Daomé para tentar justificar que
ele não é como seu amigo brasileiro, que está na região para
comercializar os escravos.
O roteiro usa a existência destas mulheres para mostrar o horror que era o tráfico de escravos, porém, uma das questões mais contraditórias trazidas por críticos, é o fato do grupo, na vida real, ter contribuído bastante para o esquema escravagista vigente, que vendia os inimigos derrotados por elas como mercadorias. Aliás, o período do reinado de Ghezo foi considerado um sucesso justamente por ter sua economia baseada nas vendas de escravos, o que torna o contexto histórico apresentado um pouco fatídico e prova que existe sim uma certa romantização exacerbada do grupo. Mas, convenhamos, nenhum filme histórico retrata perfeitamente o que aconteceu, então não acredito que isso seja um ponto que estrague a experiência, e trago estes fatos apenas como uma curiosidade.
A Mulher Rei é formulaico e segue um padrão do "bem contra o mal" já visto em centenas de filmes, mas não deixa de ser um dos grandes trabalhos do ano, em tamanho, ousadia, importância e sobretudo em representatividade, trazendo uma história que merece ser conhecida por todos.
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