domingo, 23 de julho de 2023

Crítica: Oppenheimer (2023)


Baseado no livro "Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano", de Kai Bird e Martin J. Sherwin, o novo filme do cineasta Christopher Nolan nos apresenta de forma grandiosa e ousada o caminho percorrido pelo brilhante físico J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy), considerado o "pai da bomba atômica", desde a época em que ele era apenas um estudante promissor em Cambridge até o momento pós Segunda Guerra, onde acabou sendo perseguido pelo governo americano sob acusação de cooperar com os soviéticos.


Dá para dizer que o filme possui três linhas do tempo distintas, que se convergem numa excelente montagem. A primeira delas acompanha o início da carreira de Oppenheimer, e chega ao momento em que sua carreira decola de vez quando ele é chamado para comandar o Projeto Manhattan, que visava criar uma bomba atômica. A segunda linha, e talvez a que mais tenha tempo em tela, se passa alguns anos depois do fim da Segunda Guerra, momento em que o físico está sendo julgado sob a acusação de ser comunista e ter cooperado com a União Soviética em relação a segredos militares dos Estados Unidos. Há ainda a terceira linha, mais singela que as outras e que se passa entre as duas anteriores, e mostra o momento de maior prestígio da sua carreira logo após o "sucesso" do uso das bombas em Hiroshima e Nagasaki, onde Oppenheimer é convidado por Lewis Strauss (Robert Downey Jr) para chefiar um instituto de pesquisas científicas e chega a ter contato com outros físicos lendários, como Albert Einstein.

A obsessão do governo norte americano pela criação de uma bomba de destruição em massa era tanta, que durante três anos de pesquisas foram gastos mais de dois bilhões de dólares, tendo sido construída até mesmo uma cidade às pressas, no meio do deserto, que abrigaria os melhores cientistas e suas famílias durante a operação, chamada de "Los Alamos". Um dos acertos do roteiro é mostrar a frieza com que os militares americanos tratavam essa questão da bomba e a banalidade de sua possível destruição. Em uma das cenas, entre risos, um dos oficiais mostra uma lista incluindo onze cidades japonesas que seriam possíveis alvos para a bomba, deixando de fora uma pela qual ele tem apreço por ter passado sua lua de mel lá. E logo após os ataques, a população comemora fervorosamente, com bandeiras dos Estados Unidos em punho, o grande sucesso que foi a morte de mais de duzentos mil inocentes.


Apesar do foco ser o desenvolvimento da bomba H, é importante dizer que o grande embate do filme é a perseguição política que Oppenheimer sofre depois disso por ter tido ideias de esquerda. O que vemos aqui é uma construção de personagem fantástica, e isso se deve muito a atuação de Cillian Murphy, provavelmente a melhor da sua carreira. As questões morais de ser o responsável pela criação de um artefato que pode destruir não somente uma cidade inteira, mas também o mundo todo, bem como as consequências disso em um futuro incerto, também são muito bem trabalhadas. O físico sabia do perigo de se ter uma bomba com tamanho poder de destruição, mas ao mesmo tempo preferia ver ela nas mãos dos Estados Unidos do que nas mãos dos nazistas, e isso foi o que o motivou inicialmente a seguir com o projeto. No entanto, e nunca deixou de demonstrar preocupação com o quanto esta "máquina de mortes" poderia ser usada de forma arbitrária dali em diante, ou servir como base para bombas ainda mais letais. Nolan, porém, não se esquiva de mostrar também os defeitos do personagem, tanto na vida pessoal como na profissional, apresentando um retrato muito humano dessa figura histórica e controversa.

O filme possui cenas emblemáticas, que certamente serão lembradas por muitos anos, e o grande "clímax", inclusive, pode ser considerada facilmente como uma das maiores realizações da história do cinema no século, tanto na parte visual como na imersão que ela propôs ao espectador. Talvez eu nunca tenha visto um silêncio tão ensurdecedor em uma sala de projeção, estando todos completamente absortos e fascinados. E pensar que foi tudo feito de maneira prática, sem CGI, deixa tudo ainda mais incrível. A fotografia, aliás, é maravilhosa, mesclando cenas coloridas com cenas em preto e branco de maneira muito orgânica, o que ajuda a situar o espectador na questão cronológica.  A direção de arte também é impecável, e conseguiu recriar todo o cenário da época de maneira estupenda. Outro ponto alto é a utilização do som, além da trilha sonora fantástica de Ludwig Goransson.


Na parte das atuações, a grande surpresa para mim foi Robert Downey Jr, na pele do personagem que, aos poucos, vai se tornando quase como um antagonista da história. É possível ver toda a entrega do ator, e sinceramente, como é bom ver ele atuando dessa maneira depois de tantos anos. O elenco ainda conta com outros grandes nomes como Florence Pugh, Emily Blunt, Matt Damon, Rami Malek, Josh Hartnett, Casey Affleck, Ben Safdie e Gary Oldman, que aparecem menos em tela, mas que tem sua parcela de importância na história. Por tudo isso, Oppenheimer é, até o momento, o grande filme do ano, feito para ver e apreciar na tela grande do cinema.


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