quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Crítica: Mais Pesado é o Céu (2023)


Sempre gosto de lembrar em minhas críticas de filmes brasileiros o quanto o nosso país, de dimensões continentais, é rico em sua pluralidade cultural. O termo pode até soar repetitivo, mas realmente me impressiona como somos uma nação de tantas faces, tantos sotaques, e de milhares e milhares de histórias que se cruzam pelo meio do caminho. Mais Pesado é o Céu, do diretor cearense Petrus Cariry, é a cara do Brasil, e apresenta um retrato atroz e bastante melancólico da dura realidade que muitas pessoas enfrentam todo os dias, sobretudo no interior do país.


A trama gira em torno de Antônio (Matheus Nachtergaele) e Teresa (Ana Luiza Rios), dois andarilhos da vida que se encontram por acaso no interior do Ceará. Antônio passou a vida trabalhando em bicos informais para sobreviver, e através de caronas pela estrada, está voltando de São Paulo com planos de ir rumo ao Piauí, onde pretende trabalhar como catador de caranguejos em um mangue após um antigo amigo dizer que o negócio é promissor. Teresa, por sua vez, está sem eira nem beira após a cidade que morava ter sido alagada pela construção de uma represa, cidade esta que o próprio Antônio também morou há muitos anos atrás. Quando se encontram, Teresa leva uma criança no colo que sequer possui um nome, e que Antônio logo acredita ser o filho dela.

Juntos, os dois procuram a cidade mais próxima em busca de um pouco de alimento, especialmente para o bebê, que agora é carinhosamente chamado de "menino". Lá, eles encontram Fátima (Silvia Buarque), uma mulher que vive sozinha e imediatamente se compadece com o que, em um primeiro momento, ela acredita ser uma família precisando de ajuda. Sem perceber, e de uma maneira natural, Antônio e Teresa de certa forma acabam formando, sim, uma família improvável, principalmente pelo afeto que criam com a criança e a necessidade que sentem de fazer algo por ela. 

 

Com a intenção de ajudá-los, Fátima empresta as chaves de uma casa abandonada para que eles possam se abrigar e passar os próximos dias, enquanto decidem os seus rumos dali em diante. Enquanto Antônio fica responsável pelo cuidado da criança, Teresa sai de casa para procurar trabalho, porém sem opções, ela acaba optando por vender o próprio corpo na beira da estrada, onde encontra o pior lado do ser humano ao ser humilhada e até mesmo violentada pelos "clientes".

O roteiro apresenta uma veracidade que dói, pois o que acompanhamos durante uma hora e meia de filme é a melancólica degradação de pessoas que precisam tomar decisões desesperadas para conseguir sobreviver. Ao mesmo tempo, no entanto, ele apresenta seus personagens com muita humanidade, desenvolvendo-os com primor. As atuações de Matheus Nachtergaele e Ana Luiza Rios ajudam demais neste processo, pois os dois possuem uma química em cena que é louvável. E quando falo de química, não falo no sentido romântico, mas no sentido de enxergarmos neles duas pessoas perdidas, que se encontram e enfrentam juntas a agonia de viver sem saber como vai ser o próximo dia.


Se há algo que pesou negativamente no filme para mim, foi a construção de um personagem misterioso, interpretado por Marcos Duarte. Ele aparece em dois momentos no início, primeiro oferecendo dinheiro para ver Teresa nua no banheiro do posto de gasolina, e outra dirigindo velozmente seu carro pela estrada, e depois volta a reaparecer apenas no ato final, em uma cena um tanto quanto divisiva. As notícias de um assassino à solta pela região, que soam nos radinhos de pilha, dão indícios de que se trata do mesmo personagem, mas isso nunca é devidamente trabalhado, deixando em mim um sentimento de que faltou algo. No entanto, isso de forma alguma atrapalha o resultado final, pois saí da sala de cinema com a certeza de ter visto um dos trabalhos mais honestos e viscerais do nosso cinema este ano.

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