A ditadura militar no Brasil durou 20 anos, mas deixou cicatrizes para a eternidade. Foram centenas de mortos durante o regime, e em muitos destes casos os corpos sequer foram encontrados, deixando suas famílias aflitas e em busca de respostas por décadas. Um dos desaparecimentos mais célebres foi o do político Rubens Paiva, cuja morte só foi confirmada 40 anos depois durante depoimento de ex-militares na Comissão Nacional da Verdade, instaurada no ano de 2011 durante o governo Dilma Roussef. Baseado no livro escrito por seu filho, Marcelo Rubens Paiva, Ainda Estou Aqui conta um pouco do que aconteceu com Rubens, mas sobre a visão de sua esposa, Eunice Paiva, uma mulher batalhadora, e que virou um símbolo na luta pelos direitos humanos.
O filme inicia em 1970, durante o mandato do presidente Emílio Médici, e um ano após a instauração do AI-5, que definitivamente deu início ao período mais radical e sangrento da ditadura militar no país. Durante a vigência do AI-5, era dado ao presidente poderes absolutos para que fossem cometidas prisões arbitrárias, censura prévia, cassações de mandatos de políticos da oposição, entre outros absurdos. Foi também o período onde o exército tinha plena liberdade de prender qualquer suspeito de dissidência na rua, e onde a tortura virou um instrumento crucial para tentar capturar aqueles que iam contra o regime.
Neste ínterim, acompanhamos o dia a dia da família Paiva, com Rubens (Selton Mello), Eunice (Fernanda Torres), e seus cinco filhos. Eles moram na zona sul do Rio de Janeiro, em um sobrado próximo ao mar, e aparentemente vivem uma vida tranquila e próspera. No entanto, é possível perceber que por trás dessa suposta serenidade algo anormal está acontecendo, principalmente quando Rubens recebe telefonemas e cartas. Logo, a rotina da família é drasticamente atravessada quando Rubens, Eunice e a filha de quinze anos Eliana (Luiza Kosowski) são levados a interrogatório por homens do governo. Dos três, só Eunice e Eliana voltam para casa, e é a partir de então que começa a busca incessante para saber o paradeiro de Rubens.
Toda a construção da base familiar, tanto antes do desaparecimento de Rubens, como depois, quando Eunice precisa ser forte e lidar com tudo sozinha, é feita com maestria, e uma gama de detalhes que impressiona. É difícil não se sentir, ao longo das duas horas de duração, mais um membro daquela família. E justamente por ser tão orgânico e tão palpável, que nós acabamos sentindo na pele a agonia dos personagens. Adentrando brevemente em spoiler, não posso deixar de comentar que a cena em que Eunice volta para casa após enfrentar o interrogatório, é uma das mais impactantes que eu já vi no cinema atual.
A força motriz do roteiro é a personagem de Fernanda Torres, e não há palavras para descrever o quanto a atriz está brilhante no papel. Sua voz doce ao repreender os filhos, sua calma na fala mesmo em momentos de tensão, e até mesmo suas raras explosões, são fruto de uma construção primorosa de personagem. Além de Fernanda, é preciso dizer que todo o elenco também trabalha muito bem. Não há uma atuação sequer fora do tom, e até mesmo as crianças estão impecáveis. Junto a isso, temos uma trilha sonora apaixonante e uma direção de arte caprichosa, o que ajuda a criar ainda mais imersão nesta história dolorida, porém linda. A cereja do bolo é a participação especial de Fernanda Montenegro nos minutos finais, que nos emociona sem falar nenhuma palavra. Ela não precisa, o olhar diz tudo.
Quarenta anos depois do fim do regime militar no Brasil, ainda é importantíssimo relembrar o que aconteceu durante aquele período, principalmente para que a geração mais nova não deixe isso se repetir jamais. Enquanto existir pessoas saindo nas ruas com cartazes pedindo intervenção militar, filmes como Ainda Estou Aqui seguirão sendo necessários.