segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Crítica: Ladrões (2025)


Conhecido por filmes controversos e que costumam sempre dividir opiniões, como Réquiem Para um Sonho, Cisne Negro, A Mãe e recentemente A Baleia, Darren Aronofsky surpreende ao se afastar do seu estilo habitual e trazer um filme explosivo, frenético e extremamente divertido em sua essência, que me lembrou muito os filmes do Guy Ritchie no início dos anos 2000 como Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998), Snatch - Porcos e Diamantes (2000) e Revolver (2005).


Ladrões (Caught Stealing) se passa em 1998 e acompanha Hank Thompson (Austin Butler), um aspirante no beisebol, que teve que largar a promissora carreira logo cedo após um acidente de carro que vitimou seu melhor amigo. Agora ele vive em Nova Iorque, onde trabalha como barman e vive uma vida agitada entre bebidas e festas. Seus breves momentos de tranquilidade são quando ele está acompanhado da namorada, Yvonne (Zoe Kravitz), e quando ele larga tudo para ligar para sua mãe, algo que ele faz constantemente, mostrando a proximidade que tem com o único elo familiar que lhe restou.

Neste primeiro ato, temos uma boa construção da personalidade de Hank, com suas angústias por carregar o peso de ter perdido a grande oportunidade da sua vida com o incidente trágico e sua maneira desregrada de viver a vida, mas ao mesmo tempo, mostrando também o seu bom coração e uma vontade implacável de viver a vida. Tudo muda quando seu amigo e vizinho de porta Russ (Matt Smith), um punk anárquico e completamente tresloucado, diz que precisa viajar para ver o pai doente e deixa o gato de estimação para Hank cuidar. Logo, ele começa a perceber uma movimentação estranha na frente da porta de Russ, de gâgsters russos a mafiosos judeus, que tentam a todo custo acessar o apartamento vizinho. Não demora para Hank ser incluído na confusão, virando o alvo desta turma perigosa, tendo que pedir socorro à agente policial Roman (Regina King).



Com reviravoltas e um roteiro bem dinâmico, o filme prende o espectador numa trama engraçada e muito vibrante. Apesar de não trazer grandes novidades daquilo que já foi visto em outros filmes do gênero, inclusive apresentando soluções bem convencionais, não dá para negar que o filme tem ótimos momentos de originalidade, como a própria figura do gato (chamado Bud), que rouba a cena e se torna um elemento diferencial da trama. Também é preciso elogiar Austin Butler, que mostra mais uma vez porque é, hoje, um dos atores mais badalados do cinema norte-americano. Sua presença é magnética, e sua atuação impecável. O elenco de apoio também está excelente, com ótimas presenças de Zoe Kravitz, Regina King, Liev Schreiber, Matt Smith e até mesmo do cantor Bad Bunny. Tudo isso acompanhado de uma trilha sonora potente.

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Crítica: A Cozinha (2025)


Dez anos depois de Güeros, um filme extraordinário que na época me conquistou profundamente, o diretor mexicano Alonso Ruizpalacios traz outro drama que aborda temas políticos e sociais com muita consistência e perspicácia, trazendo uma visão diferenciada de Nova Iorque, a visão dos trabalhadores e dos imigrantes da metrópole.


O filme começa com Estela (Anna Diaz), uma imigrante dominicana, chegando para o seu primeiro dia de trabalho no The Grill, um pequeno restaurante próximo da Times Square. A partir de então, começamos a adentrar neste universo particular, caótico, e até mesmo claustrofóbico, mas cheio de nacionalidades, idiomas e personalidades diferentes. E como era de se esperar em um lugar com tantas culturas distintas, é natural que conflitos surjam o tempo inteiro, e isso é o que não falta no enredo. Porém, também há amizade e momentos de descontração entre os personagens, que apesar das diferenças, compartilham sonhos, anseios e esperanças, e buscam, de certa forma, um espírito de união por estarem todos no mesmo barco.

No mesmo dia em que Estela chega ao local, um rombo nas finanças desperta a atenção da chefia, que inicia um processo de "investigação" para descobrir quem foi o responsável. Ao mesmo tempo, outros dramas muito particulares se desenrolam por entre os corredores estreitos, como o caso amoroso de Pedro (Raúl Briones) e Julia (Rooney Mara), que resulta em uma gravidez indesejada. E mesmo que internamente ele deseje ter o filho, ela quer imediatamente o aborto, o que culmina numa extensa discussão sobre este processo.


O grande acerto do filme é tocar com sensibilidade em temas atuais e polêmicos como aborto e imigração, mas focando sobretudo na busca por identidade destes personagens e no espírito de coletivismo, sem forçar nada e nem ser propagandista. O desmantelamento da ideia de um Estados Unidos como centro do mundo, no entanto, é algo que pulsa no roteiro, como em uma cena onde um dos personagens norte-americanos fala com orgulho inflado que é "americano" e alguém responde de prontidão que "todos ali são, pois a América é o continente inteiro".

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Crítica: A Hora do Mal (2025)


Zach Cregger talvez não tenha a verdadeira dimensão do que fez, mas verdade seja dita: ele criou um clássico. Com uma história original e um estilo muito único de desenvolvimento narrativo, A Hora do Mal (Weapons) entra fácil para a lista dos melhores filmes lançados em 2025, mas mais do que isso, já pode ser considerada uma das obras de terror mais peculiares e extraordinárias dos últimos anos.


A trama se passa em uma pequena cidade norte-americana, onde em uma determinada noite, dezessete crianças de uma mesma sala de aula desaparecem misteriosamente. Pelas câmeras de seguranças das residências, é possível ver cada uma delas deixando suas casas pela porta da frente exatamente as 2:17 da madrugada, correndo com braços estendidos em forma de "aviãozinho", aparentemente sem rumo. A única criança da turma que não some é Alex (Cary Christopher), que no dia seguinte está sentado sozinho em sua classe quando a professora Justine (Julia Garner) chega para dar aula. Ela, inclusive, é levantada como principal suspeita dos desaparecimentos pelos membros da comunidade escolar, já que eles não acreditam na mera "coincidência" de todos serem seus alunos. O que intriga a todos, no entanto, é porque um único menino foi poupado.

Através de "capítulos", que vão descortinando a história sob diferentes perspectivas, Cregger vai nos fazendo juntar o quebra-cabeças, e a montagem é tão consistente e instigante, que é impossível não mergulhar de cabeça neste universo estranho e perturbador. O diretor mistura elementos clássicos de terror com momentos de suspense psicológico e até mesmo de comédia, dosando muito bem cada gênero. É um filme que flui à sua maneira, cuja satisfação absoluta é justamente ir descobrindo aos poucos o que há por trás de suas camadas, até chegar a um clímax catártico.


Dentre as visões trazidas ao longo do enredo, nós começamos acompanhando a da professora Justine, que serve como base fundamental. Logo, também seguimos os passos de Archer (Josh Brolin), pai de uma das crianças desaparecidas, do oficial de polícia Paul (Alden Ehrenreich), do diretor da escola Marcus (Benedict Wong), e de James (Austin Abrams), um viciado que busca alternativas de ganhar dinheiro para sustentar seu vício. O mais curioso nessas escolhas da direção, é que por mais que um personagem ou outro pareça deslocado da história e te faça realmente questionar "o que ele trará de útil pra história?", no fim tudo se encaixa e se complementa de maneira surpreendente.

O elenco é muito competente em suas atribuições, com destaques para Julia Garner, que eu conheci através da série Ozark, Austin Abrams, que rouba a cena em suas aparições, e para o experiente Josh Brolin. Ainda não posso deixar de mencionar Amy Madigan, que faz Gladys, uma personagem enigmática e extremamente excêntrica, que serve de elo para todo o resto. Na parte técnica, destaque para os jogos de câmera que o diretor utiliza para deixar o filme ainda mais imersivo e empolgante, como em uma genial cena de perseguição policial, além da trilha sonora sucinta mas certeira e perturbadora.


Por fim, Weapons é um filme que beira quase a perfeição naquilo que se propõe. É cadenciado e misterioso quando precisa ser, é visceral e violento no momento certo, e engraçado sem jamais perder sua seriedade. Mais um grande respiro em um gênero que, para surpresa de muitos, vem se fortalecendo cada vez mais com filmes sólidos e criativos.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Crítica: Eddington (2025)


Eu costumava dizer que Ari Aster era um diretor que dividia opiniões, mas depois de Beau tem Medo, e agora principalmente depois de Eddington, acho que ele não divide mais: todos concordam que ele se perdeu na própria prepotência artística. Conhecido pelo fenomenal Midsommar, que logo foi seguido pelo também interessante Hereditário, Aster parece não saber mais como aproveitar toda a liberdade narrativa que ganha em seus filmes, e mais uma vez traz um roteiro insosso, repleto de sátiras sociais confusas e uma paranoia caótica e sem propósito.


O filme se passa em maio de 2020, época em que, como todos bem lembram, estávamos no pico da pandemia de Covid-19. Assim conhecemos Eddington, uma pequena cidade de pouco mais de dois mil habitantes no estado do Novo México, e que serve como base para traçar um panorama da sociedade norte-americana durante aquele período conturbado. Nela, temos o prefeito Ted Garcia (Pedro Pascal) em busca de reeleição, enquanto faz o que pode para precaver a chegada do vírus na cidade, fechando locais públicos e decretando a obrigatoriedade do uso de máscaras. As medidas incomodam alguns reacionários, como o xerife Joe Cross (Joaquin Phoenix), que se nega a usar máscara e manter os cuidados necessários, o que gera alguns conflitos com moradores por isso e com o próprio prefeito. Utilizando da propaganda negacionista, Cross também resolve se candidatar a prefeito, tentando barrar a reeleição do atual.

Partindo desta premissa, Aster começa a trazer várias outras situações que abordam a polarização que tomou conta, não somente dos Estados Unidos, mas do mundo todo, como aqui no Brasil. Em tese, Aster tenta criticar as teorias da conspiração mirabolantes que surgiam na época sobre o coronavírus, e a disseminação delas através de redes sociais, mas ao mesmo tempo, não faz nenhuma contrapartida, o que deixa uma ideia ambígua sobre a real intenção da direção. Afinal, Aster quer criticar estas "insanidades", ou dar engajamento?

Essa mesma ideia ambígua surge quando o filme começa a mostrar protestos pela cidade, principalmente do movimento conhecido como "Black Lives Matter". A pauta dos manifestantes na vida real era importante e necessária, mas todos os personagens do filme engajados nos protestos são mostrados como se fossem "alienados", sempre repetindo palavras e jargões infantis e fazendo histeria ao menor sinal de repressão. São, de certa forma, ridicularizados, em uma visão que costumamos ver em discursos da extrema direita. O filme ainda tem uma alusão aos falsos religiosos milagrosos, e sobretudo, ao modo como hoje em dia lidamos com a exposição na internet, onde todo e qualquer argumento termina com um "vou gravar isto e postar na internet", o que remete a um dos maiores medo do mundo moderno: o cancelamento. Mas tudo exagerado e fora do tom.


Esteticamente falando, Aster continua fazendo filmes atrativos e cativantes, e isso não dá pra negar que Eddington consegue ser. Porém, narrativamente, o buraco é mais embaixo. Além da confusão de ideias, e dos temas abordados não terem a  profundidade que mereciam, temos também um grande desperdício de talento, como por exemplo os personagens de Austin Butler e Emma Stone, subaproveitados e completamente descartáveis. Aliás, "descartável" é a palavra certa para definir o filme como um todo.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Crítica: A Vida de Chuck (2025)


Será que toda história contada deve ter, obrigatoriamente, respostas esclarecedoras no final e uma linha de interpretação singular? No cinema, assim como na arte em geral, isso sempre foi motivo de discussão, e eu sempre acreditei que o sentimento diferente que um filme desperta em cada espectador é muito mais importante do que elucidações lógicas e racionais. Adaptado de um conto homônimo de Stephen King, A Vida de Chuck (The Life of Chuck), novo filme de Mike Flanagan, é uma destas obras nada convencionais, que traz inúmeras interpretações e pontos de vista, e encanta pela sua maneira particular de trazer questões existenciais da vida humana.


Dividido em três atos, que por sua vez são apresentados na ordem contrária, o filme inicia com um verdadeiro caos generalizado instaurado no mundo, sobretudo nos Estados Unidos. A internet e os serviços de telefonia estão com problemas há meses e à beira de um apagão geral e definitivo, enquanto mudanças climáticas devastam o país e matam milhares. De repente, imagens de um homem chamado Chuck começam a aparecer em televisores, faixas e outdoors por todas as cidades, todos em forma de agradecimento a ele por serviços prestados durante a sua vida. Mas quem é esse homem, e porque estas homenagens em meio a um verdadeiro pandemônio?

Como disse anteriormente, nem tudo será respondido ao longo do filme, mas logo descobrimos que Chuck (Tom Hiddleston) é um homem que está em estado terminal lutando contra um câncer, o que nos leva imediatamente ao segundo ato, passado alguns meses antes do início caótico. Nele, temos uma das cenas mais legais do ano, onde Chuck passa por uma baterista de rua e inicia um grande e envolvente número de dança improvisado. O seguimento, em si, não tem ligação com o final do filme, mas serve para mostrar como Chuck era um homem enigmático, sim, mas que gostava de aproveitar os momentos da vida da melhor forma possível. 


Logo o filme pula para o último ato, onde Chuck ainda criança, tem uma infância bastante afetiva na companhia dos seus avós (Mia Sarah e Mark Hamill) enquanto descobre o talento para a dança. Neste momento, o diretor também lança elementos de ficção científica, envolvendo um sótão misterioso na casa da família, que automaticamente se interliga com o início (final) da história. Entre cenas enigmáticas, há bastante espaço para diálogos espirituosos sobre o sentido da vida e a forma como aproveitamos o nosso tempo nessa vida, além de abordar simbolicamente o rumo que a Terra está tomando por causa das ações do homem.