É sempre perigoso quando alguém se refere a um bom diretor chamando-o de gênio. Mas quando esse mesmo diretor possui uma carreira praticamente toda de excelentes filmes, alguns taxados como verdadeiras obras-primas, creio que o adjetivo possa ser justamente empregado. Nesse caso, Stanley Kubrick pode ser sim, com todos os méritos, considerado um eterno gênio da sétima arte.
Aliás, não é de hoje que considero-o como meu diretor favorito. Tive a grata oportunidade de crescer assistindo suas obras, e posso dizer que foi "amor à primeira vista". Lembro muito bem do momento em que assisti De Olhos Bem Fechados, meu primeiro filme seu, e o quanto aquela experiência me deixou embasbacado.
Kubrick era um perfeccionista obsessivo, e isso talvez seja o principal motivo de ele ter feito apenas 13 filmes ao longo de seus 70 anos de vida, um número muito baixo para os padrões se compararmos com outros diretores famosos. Esse seu perfeccionismo doentio acabava sendo exaustivo para os atores e para a produção, e criou muitos problemas com seus companheiros de filmagens ao longo da carreira. Um exemplo clássico é quando Jack Nicholson surtou após ser obrigado a refazer um take centenas de vezes durante a gravação de "O Iluminado", e saiu pelos corredores do estúdio gritando "Just Because you're perfectionist, doesn't mean you're perfect".
Acredito que esse cuidado tão excessivo nas filmagens, fosse devido a sua preocupação com o espectador. Kubrick tentava transpôr elementos que fizessem com que seus filmes fossem mais do que apenas obras cinematográficas, mas quase uma sessão psiquiátrica. Kubrick sabia como entrar exatamente em nossas mentes, causando desconforto, medo, aflição, excitação e mais uma gama de sentimentos, seja pelos personagens, seja pela trilha sonora ou pela fotografia usada. Basta você assistir qualquer filme do diretor, para perceber quão bem trabalhada foi cada cena, cada ato, cada fala.
Uma das suas curiosidades é que, tirando os seus dois primeiros filmes, o restante de sua filmografia é baseada inteiramente em adaptações. Portanto, sua genialidade não vem da forma como ele criava enredos, mas sim, pela forma como ele colocava a estória aos nossos olhos.
A carreira de Kubrick começou logo cedo, aos 17 anos, como fotógrafo da Look Magazine, onde seu nome começou a obter um certo sucesso. Porém, ele só se aventurou no cinema em 1951, quando gravou uma série de curtas-metragens. Entre eles, o mais conhecido foi Day of the Night, que mostrava os bastidores do mundo do boxe. Em 1953, graças ao apoio financeiro de amigos e familiares, ele conseguiu gravar seu primeiro longa-metragem, Medo e Desejo (Fear and Desire), que já abordava um dos assuntos mais recorrentes da sua carreira, a guerra. Apesar de ser considerado até hoje um trabalho muito fraco (tanto é que o diretor proibiu depois o seu relançamento em cinema e vídeo), o longa serviu como uma experiência importante para o diretor.
Em 1955, Kubrick gravou A Morte Passou Por Perto (Killer's Kiss), que trouxe um certo destaque, e fez com que os críticos passassem a enxergá-lo como um diretor promissor. Porém, foi somente no ano seguinte que ele passou a ser reconhecido como um grande cineasta.
Foi com O Grande Golpe (The Killing), lançado em 1956, que ocorreu o grande impulso na carreira. Considerado seu primeiro grande clássico, conta a história de um grupo de bandidos que decidiram roubar o dinheiro das apostas das corridas de cavalo. O filme impressiona pela narrativa não-linear e pelo humor negro.
O ator Kirk Douglas ficou tão impressionado com O Grande Golpe, que decidiu contratar o diretor para seu novo filme, Glória Feita de Sangue (Paths of Glory). O filme, lançado em 1957, é considerado até hoje, de forma quase unânime pelos críticos, como o melhor filme já realizado sobre a Primeira Guerra Mundial. Um filme de guerra que não fala sobre heróis, mas sim sobre covardes. É com ele que Stanley Kubrick passa a ter seu nome conhecido ao redor do mundo.
A parceria com Kirk Douglas continuou no épico Spartacus, lançado em 1960. Esse talvez tenha sido o filme mais conturbado e controverso da carreira do diretor, em termos de relacionamento com o estúdio e com os membros da equipe. Ele entrou na direção substituindo Anthony Mann, que era o diretor escalado inicialmente mas que acabou saindo por causa de brigas com Douglas. No entanto, o clima entre Douglas e Kubrick foi ainda pior, e os dois tiveram graves discussões a respeito das cenas e dos personagens. Apesar de ir até o fim das gravações, Kubrick sempre renegou o filme por ele não ter tido nenhum poder de decisão.
No início da década de 60, decepcionado com Hollywood, Kubrick decidiu se mudar para a Inglaterra, onde morou até o fim da sua vida. Foi a partir de então que ele passou a fazer seus filmes mais memoráveis da carreira.
Em 1962, Kubrick adaptou para as telas o romance Lolita, do escritor Vladimir Nabokov. Por se tratar de um tema polêmico (um homem mais velho que se envolve com uma garota de 12 anos de idade), a adaptação teve de ser feita com muito cuidado para evitar possíveis problemas com a censura, e acabou sendo muito bem aceito pela crítica. Não é considerado um dos melhores filmes do diretor, inclusive por mim. Mas é um grande filme que marca a estreia de Kubrick como um diretor britânico.
Dois anos depois do lançamento de Lolita, o diretor lançou um filme tão polêmico quanto o anterior, Dr Fantástico (Dr. Strangelove). O longa, que no início era para ser um drama sobre a guerra fria (até porque pouca gente na época estava preparada para ouvir falar sobre a ameaça atômica com bom humor), acabou virando uma comédia ácida e de humor negro com o ator Peter Sellers de carro chefe. Uma das cenas mais emblemáticas do filme é a que aparece um cowboy montando em cima de uma bomba atômica, em pleno ar. O filme fez tanto sucesso, que acabou tendo 4 indicações ao Oscar, incluindo a de melhor diretor.
Tudo isso acabou criando a atmosfera perfeita que Kubrick precisava para lançar aquele que veio a ser o seu filme mais cultuado (e ousado) até os dias de hoje. Apresentando efeitos especiais que para a época eram inimagináveis (e até hoje são considerados incríveis aos nossos olhos), o diretor lança o enigmático 2001 - Uma Odisséia no Espaço (2001 - A Space Odyssey), em parceria com o autor de livros de ficção científica Arthur C. Clarke. Dono de um roteiro fascinante, que possibilita diversas interpretações, é o filme mais complexo e tecnicamente bem feito da sua carreira. Um verdadeiro êxtase cinematográfico que não foi muito bem aceito pela crítica, mas foi calorosamente recebido pelo público. Foi com ele, que Kubrick ganhou o seu primeiro e único Oscar, de efeitos especiais.
Nesse momento, a carreira do cineasta já era consagrada, e ele já fazia parte do seleto grupo dos melhores diretores da história do cinema. Porém, a parte mais "popular" do diretor, digamos assim, estava apenas começando.
Em 1971, Kubrick lança Laranja Mecânica (A Clockwork Orange), mais um filme rodeado de controvérsias, baseado no livro futurista de Anthony Burgess. Diferente da adaptação de Lolita que foi suavizado para as telas, em Laranja Mecânica o diretor não amenizou o polêmico conteúdo do livro. O filme é recheado de cenas de violência brutal e sexo, que fez com que fosse proibido em alguns países, com a acusação de incitar a violência. É considerado por grande parte dos fãs como o melhor filme da sua carreira, e visualmente é de fato impecável, uma verdadeira obra-prima.
Mostrando toda sua versatilidade, um dos seus pontos fortes, Kubrick resolve então lançar um drama de época magnífico, ambientado no século 18. Barry Lyndon, de 1975, é para mim o melhor filme da carreira de Kubrick e um verdadeiro exercício da perfeição. Suas cenas são milimetricamente trabalhadas, e seu visual deslumbrante. Foi o filme mais caro de Kubrick e que lhe rendeu mais trabalho, mas a obra final com certeza fez valer a pena todo o esforço. A saga de um cavaleiro que atravessa a Europa determinado a conquistar a nobreza, seja por intermédio da sedução, da trapaça ou do confronto mortal, foi um sucesso unânime da crítica, porém um fracasso nas bilheterias.
Após rejeitar o convite para dirigir a sequência de O Exorcista, o diretor resolveu adaptar para as telas a novela de terror O Iluminado (The Shining), do escritor Stephen King. Mais uma vez, sua busca pela perfeição pode ser notada, devido a suas formas simétricas, e longas sequências sem corte, além de um jogo de cores fabuloso. O filme marcou o auge da fama de Kubrick como um diretor excêntrico, apesar dele nunca ter gostado do seu resultado final, assim como o próprio escritor da estória original.
Depois de O Iluminado, lançado em 1980, o diretor levou 7 anos para lançar um novo filme. Mas a espera, como sempre, valeu a pena. Com Nascidos Para Matar (Full Metal Jacket), Kubrick volta a filmar sobre a guerra (coisa que ele não fazia desde Dr. Fantástico em 1964). Dessa vez, ele nos ambienta na Guerra do Vietnã, e divide o filme em duas partes distintas. A primeira é genial e talvez a melhor do filme, e foca na preparação dos recrutas antes de irem para as trincheiras. Já na segunda, depois de ambientar-nos junto aos personagens, ele põe-os no front de batalha.
O filme só não foi melhor nas bilheterias porque demorou demais para ficar pronto, e quando enfim foi lançado, já existiam diversos outros sobre o assunto, incluindo o sensacional Platoon, de Oliver Stone. Isso deixou Kubrick bastante deprimido, mas mesmo assim, o longa acabou sendo um sucesso de público e crítica.
Em 1999, Kubrick concluiria aquele que seria seu último trabalho da carreira, De Olhos Bem Fechados (Eyed Wide Shut). Gravado com imensa segurança, (parte devido aos astros Tom Cruise e Nicole Kidman fazerem parte do elenco), o filme levou 3 anos para ficar pronto e foi considerado pelo próprio Kubrick como o melhor filme feito por ele até então. Pena que ele não pode assistir a estreia nos cinemas, pois 4 meses antes, no dia 07 de março de 1999, o cineasta morreria de um ataque no coração enquanto dormia na sua residência em Hertfordshire, na Inglaterra.
No período antecedente a sua morte, Kubrick estudava levar as telas o filme A.I Inteligência Artificial, que acabou sendo lançado posteriormente com a direção de Steven Spielberg. Fica aquela pontinha de dor, em pensar como teria sido esse filme nas mãos desse gênio. Mas como saber, não é mesmo? É como Martin Scorsese disse em uma entrevista uma vez: "Sim, não teremos mais filmes do Kubrick, e isso é triste. Porém, cada vez que você revê um filme dele pela segunda ou terceira vez, você percebe uma infinidade de coisas que você não havia percebido antes. Então, apesar de sua pequena filmografia, podemos ver e rever suas obras e a magia será sempre diferente". Faço minhas as suas palavras, Scorsese.
Kubrick era um homem recluso, de poucas palavras, que odiava entrevistas, e dono de uma vida particular conturbada, mas que deixou um legado para o resto da eternidade. Seu nome tem lugar reservado na história do cinema, e porque não dizer, na história das artes em geral.
Grande gênio foi Stanley Kubrick pra mim também é o meu diretor favorito.muito boa essa sua explicação sobre as obras - primas de kubrick.
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