sábado, 2 de setembro de 2023

Crítica: Past Lives (2023)


Particularmente gosto muito de filmes que falam sobre os relacionamentos pessoais na atualidade, principalmente aqueles que junto disto trazem uma abordagem sobre as expectativas frustradas da vida adulta, a melancolia da rotina, a saudade do passado, e todos os demais sentimentos que surgem diante da passagem impiedosa do tempo. Past Lives, filme de estreia da diretora Celine Song, tem um pouco de tudo isso, e é uma das obras mais sensíveis e poéticas que assisti este ano.


A cena inicial do longa já mostra todo o brilhantismo e a sutileza da direção, onde uma pessoa aleatória em um bar tenta adivinhar o grau de relação que existe entre três personagens que estão juntos em outra mesa. Essa inserção é eficiente para também atiçar a curiosidade no espectador em querer saber quem são aquelas pessoas e o que levou elas até ali, já que o filme imediatamente volta vinte e quatro anos no tempo. É quando conhecemos Nora e Hae Sung, dois "namoradinhos" de doze anos de idade que estão naquele período inocente de uma relação, mas suficiente para criar uma conexão para a vida toda. Porém, eles são obrigados a se separar após a família de Nora migrar para o Canadá, enquanto Hae Sung permanece vivendo em Seul.

Doze anos se passam e eles se reencontram de maneira virtual após Hae Sung (Teo Yoo) procurar Nora (Greta Lee). Entre muitas conversas descontraídas por Skype, os dois vão descobrindo aos poucos o que aconteceu com cada um no tempo em que ficaram ausentes na vida um do outro. Enquanto Hae Sung ainda vive na Coreia do Sul, Nora agora está casada com Arthur (John Magaro), e mora junto com o marido em Nova Iorque. A distância física não impede que eles fortaleçam os laços criados na infância e planejem um futuro reencontro de forma presencial. Apesar de haver uma química latente entre os dois, até mesmo pela questão cultural, é possível perceber que não há nenhuma intenção neste encontro que vá além de um singelo papo entre dois velhos amigos. Ou talvez há, mas nem eles mesmos sabem direito o que sentem em relação a isso, pois a vida andou, os anos passaram, e tudo mudou. Será mesmo?

Gosto como o filme trabalha essa confusão de sentimentos que as relações trazem para as nossas vidas. O próprio marido de Nora brinca com isso, quando insinua que, caso estivessem em um filme, ele seria visto como o vilão que está separando duas pessoas que nasceram para ficar juntas. E é justamente nessa metalinguagem que Past Lives acerta em cheio. Aliás, o nome do filme é baseado na noção de In-Yun, um conceito coreano que argumenta que os nossos ‘eus’ atuais são apenas uma versão mais recente de vidas anteriores. Em outras palavras, diz que todos aqueles que conhecemos já fizeram parte de nossas vidas em outras vidas, mas não tem nada religioso ou dogmático nisso, e o conceito é explorado e debatido pelos próprios personagens de maneira filosófica.


Por tratar três décadas na vida dos personagens, senti que há alguns problemas na condução cronológica, como na própria relação entre Nora e Arthur, que não ganha muito desenvolvimento em um primeiro momento. Não que isso atrapalhe o resultado final, mas é algo que definitivamente existe. O final, por sua vez, é um dos mais bonitos do ano, e emociona justamente pela sensibilidade com que finaliza todo o arco da maneira mais humana possível. Uma gigantesca estreia de Celine Song, e um filme que já nasce um jovem clássico.

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