Marcando a estreia da costa-riquenha Valentina Maurel na direção de longas metragens, Tenho Sonhos Elétricos é um drama sensível e bastante humano que entrou recentemente no catálogo da Mubi no Brasil, e fala sobre amadurecimento, sobre ambientes familiares desajustados e sobre o círculo de violência que permeia muitas famílias de maneira passiva.
Eva (Daniela Marín Navarro) é uma adolescente de 16 anos, que vivencia a separação dos pais após o pai, Palomo (Reinaldo Amien), deixar com que o vício em bebidas alcoólicas, aliado à sua própria personalidade explosiva, destruísse a relação dentro de casa. No entanto, ela não aguenta mais morar com a mãe e as irmãs mais novas, e de certa maneira até culpa a mãe pelo divórcio, e justamente por isso tenta se aproximar o máximo possível da figura paterna, vendo inclusive apartamento para que eles possam morar juntos.
Apesar das enormes diferenças entre os dois, Eva tem uma semelhança crucial com o pai: ela é dona de um "espírito livre" e também tem um gosto forte pela arte, assim como ele. É bem interessante analisar a construção que a diretora faz da personalidade de ambos. Palomo é um tradutor que explora seu lado poético em pequenas poesias não publicadas, algo que jamais se esperaria de alguém que age de maneira tão impulsiva e violenta. Ele demonstra ser carinhoso e protetor com a filha, mas tem uma raiva contida que quando transborda acaba ferindo aqueles que ele ama e principalmente a si mesmo. Uma personalidade ambígua, onde é difícil decifrar a antever seus atos. A personalidade de Eva também é complexa, sobretudo por estar em uma idade de autoconhecimento, inclusive na parte da sexualidade. E mesmo assim, há um elo que os une de forma muito orgânica, inexplicável e inquebrável.
Apesar de ter a estrutura de um filme "coming of age" clássico, o roteiro foge de alguns clichês e mostra esse amadurecer da personagem de forma muito verdadeira. Aliás, o filme todo é de um realismo voraz e quase perturbador, ao apresentar junto com essa jornada de crescimento da protagonista um recorte preciso e muito humano sobre famílias desajustadas e suas consequências. Uma ótima estreia para uma diretora promissora.
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