domingo, 24 de setembro de 2023

Crítica: Cassandro (2023)


De grande importância na cultura mexicana, as "luchas libres" ganharam força a partir dos anos 1940 e se tornaram um fenômeno de audiência nas décadas seguintes. Muito mais do que uma luta entre dois oponentes, estes eventos eram verdadeiros espetáculos, onde os "wrestles" enlouqueciam o público com uma série de movimentos acrobáticos, tudo devidamente combinado. Os vencedores já eram escolhidos previamente, e a diversão consistia justamente na performance de cada um dentro do ringue, geralmente com todos utilizando máscaras coloridas. Dentre muitos lutadores que ficaram conhecidos neste meio está Saúl Almendáriz, um homem assumidamente homossexual que revolucionou a forma como o público e o próprio espetáculo em si enxergavam os "exóticos", homens que lutavam vestidos como drag queen. Baseado na história real de Saúl, o filme de Roger Ross Williams é uma homenagem não somente à figura icônica do luchador, mas também às próprias apresentações que marcaram uma geração.


A trama inicia nos anos 1980, onde Saúl (interpretado brilhantemente por Gael García Bernal) está ganhando a vida participando de pequenos shows de lucha libre em Juarez, na fronteira do México com os Estados Unidos, onde encarna o personagem "El Topo". Por ser franzino e não saber lutar como os outros, ele é sempre escalado para ser o lutador derrotado, sendo "humilhado" pelos grandalhões com quem divide o ringue, principalmente por "Gigántico", que é aclamado pelo público local. Disposto a aprender mais sobre os golpes e tentar crescer dentro deste universo, ele passa a receber treinamento de Sabrina (Roberta Colindrez), que luta na categoria feminina destes eventos.

Muito mais do que a vida profissional, o filme foca também na vida particular de Saúl, onde ele tem uma relação muita estreita com a mãe (Perla de la Rosa), com quem mora junto. Das novelas que assiste com ela na televisão surge a ideia de uma vestimenta diferente para utilizar nas lutas, e um novo nome: Cassandro. Não demora para o novo personagem cair nas graças do público, mas a dificuldade agora é convencer os brutamontes que eles devem perder para um "exótico" no ringue, algo que era até então vergonhoso e inaceitável. Com uma carreira cada vez mais sólida, Saúl sonha juntar dinheiro para comprar a tão sonhada casa com piscina para a mãe, ainda que o destino pregue algumas peças pelo caminho.

Através de flashbacks, acompanhamos também como foi a relação de Saúl ainda pequeno com o pai, um homem que teoricamente nunca assumiu sua mãe por já ter uma esposa e filhos em outro lugar. Apesar de serem emocionalmente distantes, foi por causa do pai que Saúl passou a assistir e gostar de lucha libre, enquanto acompanhavam juntos o grande ídolo do esporte no passado, El Hijo del Santo. E o irônico é que agora ele mesmo é um ícone no esporte, não pode contar com este mesmo apoio, já que o pai virou um religioso contumaz e renega o filho há anos desde que ele se assumiu sua homossexualidade.

 

A alma do filme é Gael García Bernal. Sou fã do ator desde o início da sua carreira, e posso dizer com propriedade que esta é uma das suas melhores atuações até então. Incrível como ele consegue ser tão versátil e trazer tanta sinceridade na pele de um personagem que precisava exatamente disso para criar empatia no espectador. A trilha sonora do filme também é excelente, assim como toda a parte estética, que nos coloca vigorosamente dentro deste mundo tão singular. Por tud isso, Cassandro é uma das grandes surpresas do ano para mim.

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