Me surpreendi dias atrás quando vi um vídeo onde muitas pessoas cantavam louvor em um corredor de shopping enquanto se encaminhavam ao cinema. Independente de qualquer ideologia, credo ou posição política, é inegável que Som da Liberdade (Sound of Freedom) vem levando uma multidão aos cinemas brasileiros, ainda que os métodos que fizeram isso acontecer sejam discutíveis. E esse fenômeno pode ser facilmente explicado: a publicidade cristã em torno dele tem sido algo jamais visto, e acontece desde o lançamento do filme nos Estados Unidos, onde foi abraçado pela extrema-direita do país de maneira enérgica. Polêmicas à parte, o fato é que o roteiro aborda, sim, um tema repulsivo e importante, mas a maneira que o faz acaba soando um tanto quanto superficial.
O filme se baseia em uma história real (ou pelo menos promete isso), e conta a história do ex-agente do governo americano Tim Ballard (Jim Caviezel), que monta uma ONG para investigar e prender criminosos envolvidos com o tráfico sexual de crianças na América Latina. O tema, por si só, já seria suficiente para mexer com o emocional do espectador, já que fala de uma das práticas mais abomináveis que o ser humano é capaz de cometer, mas o filme faz questão de utilizar isso da forma mais forçada possível, como se precisasse. Veja bem, não estou falando que um tema como este deveria ser tratado com leveza, mas a tentativa de fazer o público se emocionar a todo custo é visível até mesmo na trilha sonora, colocada incisivamente para ditar as emoções de quem assiste.
Outro ponto que costuma ser incômodo neste tipo de filme enlatado é o famoso "homem branco salvador", aqui na figura do protagonista. É como se sempre existisse um norte-americano pronto para restaurar a ordem no mundo e acabar com os problemas sozinho, quase como se fosse um "justiceiro do bem". Ele se debulha em lágrimas ao dizer que faz de tudo para "salvar os filhos de Deus", e todos os recortes em que ele aparece são detalhadamente trabalhados para fazer dele esta figura quase sobre humana, perfeita. Outro problema do roteiro é apontar os problemas mas não apresentar as soluções. Afinal, não vemos o combate a pedofilia de uma maneira crítica, real e palpável, mas como uma ação heroica de um indivíduo só, e a mensagem que deveria ser de atenção a uma causa, acaba sendo apenas alarmista. Para não dizer que só há defeitos, as cenas de ação durante a perseguição de Ballard ao grupo de criminosos no meio da selva colombiana são bem construídas e relativamente criam o clima de tensão necessário para a trama.
Em resumo, trata-se de um filme ruim em sua essência, que não consegue sustentar o discurso que defende e apela demais para presepadas narrativas, e diálogos rasos. Ao ver a extrema-direita abraçar o filme e declarar que é um "filme que a esquerda odiou", fica ainda mais evidente que a proposta por trás era muito mais política do que qualquer outra coisa, esvaziando a temática que deveria estar acima de tudo: a vida das crianças. Utilizado como massa de manobra para levantar bandeiras e jogar a culpa em teorias conspiratórias absurdas, o filme acabou ganhando notoriedade mais pelas polêmicas envolvidas em torno de si do que pela qualidade, que não tem. E se você tem dúvidas que hoje em dia é isso que dá ibope, seja no cinema seja ou em qualquer outro tipo de entretenimento, as salas cheias estão aí para comprovar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário