quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Crítica: Som da Liberdade (2023)


Me surpreendi dias atrás quando vi um vídeo onde muitas pessoas cantavam louvor em um corredor de shopping enquanto se encaminhavam ao cinema. Independente de qualquer ideologia, credo ou posição política, é inegável que Som da Liberdade (Sound of Freedom) vem levando uma multidão aos cinemas brasileiros, ainda que os métodos que fizeram isso acontecer sejam discutíveis. E esse fenômeno pode ser facilmente explicado: a publicidade cristã em torno dele tem sido algo jamais visto, e acontece desde o lançamento do filme nos Estados Unidos, onde foi abraçado pela extrema-direita do país de maneira enérgica. Polêmicas à parte, o fato é que o roteiro aborda, sim, um tema repulsivo e importante, mas a maneira que o faz acaba soando um tanto quanto superficial.


O filme se baseia em uma história real (ou pelo menos promete isso), e conta a história do ex-agente do governo americano Tim Ballard (Jim Caviezel), que monta uma ONG para investigar e prender criminosos envolvidos com o tráfico sexual de crianças na América Latina. O tema, por si só, já seria suficiente para mexer com o emocional do espectador, já que fala de uma das práticas mais abomináveis que o ser humano é capaz de cometer, mas o filme faz questão de utilizar isso da forma mais forçada possível, como se precisasse. Veja bem, não estou falando que um tema como este deveria ser tratado com leveza, mas a tentativa de fazer o público se emocionar a todo custo é visível até mesmo na trilha sonora, colocada incisivamente para ditar as emoções de quem assiste.

Outro ponto que costuma ser incômodo neste tipo de filme enlatado é o famoso "homem branco salvador", aqui na figura do protagonista. É como se sempre existisse um norte-americano pronto para restaurar a ordem no mundo e acabar com os problemas sozinho, quase como se fosse um "justiceiro do bem". Ele se debulha em lágrimas ao dizer que faz de tudo para "salvar os filhos de Deus", e todos os recortes em que ele aparece são detalhadamente trabalhados para fazer dele esta figura quase sobre humana, perfeita. Outro problema do roteiro é apontar os problemas mas não apresentar as soluções. Afinal, não vemos o combate a pedofilia de uma maneira crítica, real e palpável, mas como uma ação heroica de um indivíduo só, e a mensagem que deveria ser de atenção a uma causa, acaba sendo apenas alarmista. Para não dizer que só há defeitos, as cenas de ação durante a perseguição de Ballard ao grupo de criminosos no meio da selva colombiana são bem construídas e relativamente criam o clima de tensão necessário para a trama.


Em resumo, trata-se de um filme ruim em sua essência, que não consegue sustentar o discurso que defende e apela demais para presepadas narrativas, e diálogos rasos. Ao ver a extrema-direita abraçar o filme e declarar que é um "filme que a esquerda odiou", fica ainda mais evidente que a proposta por trás era muito mais política do que qualquer outra coisa, esvaziando a temática que deveria estar acima de tudo: a vida das crianças. Utilizado como massa de manobra para levantar bandeiras e jogar a culpa em teorias conspiratórias absurdas, o filme acabou ganhando notoriedade mais pelas polêmicas envolvidas em torno de si do que pela qualidade, que não tem. E se você tem dúvidas que hoje em dia é isso que dá ibope, seja no cinema seja ou em qualquer outro tipo de entretenimento, as salas cheias estão aí para comprovar.

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