quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Crítica: Os Delinquentes (2023)


Escolhido para representar a Argentina no Oscar de 2024, Os Delinquentes (Los Delincuentes) desconstrói a narrativa clássica de filmes de roubo a banco, apresentando uma história bastante engenhosa sobre um homem de meia idade que está cansado da monotonia da vida neste mundo metódico e capitalista e decide tomar uma atitude drástica para fugir disso: roubar o banco onde trabalha.


Morán (Daniel Elias) trabalha como bancário no centro de Buenos Aires. Há anos ele segue a mesma rotina diariamente, um cotidiano quase claustrofóbico e que todos nós também estamos inseridos, cada qual à sua maneira. Afinal, a vida da gente gira em torno do trabalho, e em um momento reflexivo, o personagem chega a dissertar sobre isso, lembrando que a primeira pergunta quando conhecemos alguém novo é justamente com o que a pessoa trabalha, como se isso fosse sempre a coisa mais importante a saber sobre o outro. Morán trabalha na tesouraria e é o responsável por guardar o dinheiro nos cofres do banco, sempre acompanhado de um colega. Porém, um dia ele acaba fazendo a tarefa sozinho, e é quando aproveita para guardar uma quantia em sua mochila e levar embora despercebido.

Mais do que simplesmente roubar um dinheiro aleatório que estava no cofre, Morán tinha todo um propósito por trás: a quantia era exatamente o que ele iria ganhar se continuasse trabalhando no local até se aposentar. Dito isso, sua ideia é simples: esconder o dinheiro enquanto cumpre a pena pelo crime, que ele calcula que seja cerca de três anos e meio, e depois viver o resto da vida sem se preocupar com salário. Ele precisa de um cúmplice que guarde o dinheiro em segurança, e para isso ele decide chamar o amigo e colega de banco Román (Esteban Bigliardi), que reluta no início mas aos poucos passa a ver vantagem no negócio.


Temendo que o dinheiro não fique seguro na cidade, Morán sugere ao amigo que ele o enterre em uma região bem remota da Argentina, em uma montanha nos arredores de Córdoba. Quando está no local, Román conhece um grupo de jovens que estava fazendo um piquenique em uma trilha da montanha, e nesse ínterim acaba se envolvendo com uma das mulheres, Norma (Margarita Molfino), que possui uma pousada na região junto com a irmã Morna (Cecilia Rainero) e o cunhado Ramón (Javier Zoro). Se você reparar, todos os nomes dos personagens formam espécies de anagramas, e isso não é por acaso, já que se cria uma teia de conexões (e coincidências) entre todos eles, que acaba gerando uma narrativa interessante de acompanhar até certo momento. 

Digo isso pois o filme é dividido em duas partes, sendo a primeira muito intensa e atrativa, enquanto a segunda é um verdadeiro sonífero. A primeira acompanha lentamente a rotina no banco, a rotina da cidade de Buenos Aires, e principalmente a rotina do protagonista Morán. É tudo muito preciso e detalhado, mas jamais entediante. Ainda nesta parte temos uma alternância de protagonismo, onde também passamos a acompanhar a vida de Román, e posteriormente sua ida até o local do enterro do dinheiro. Já na segunda parte, o filme volta um pouco no tempo e mostra o momento em que Morán esteve neste mesmo local antes de ser preso, acompanhando morosamente o dia a dia sossegado do lugar, onde os personagens vivem em total conexão com a natureza. E é justamente aqui que o filme se perde. 

É possível listar inúmeras cenas que poderiam facilmente terem sido encurtadas, deixando o ritmo mais ágil. Não costumo reclamar da duração de filmes, muito pelo contrário, pois escrevo isso dias após ficar 3h40 imerso no novo filme de Martin Scorsese. O fato é que aqui o tempo é muito mal empregado, com cenas demasiadamente extensas e tediosas, onde as horas pareciam não passar. Também não tenho problema com finais subjetivos, desde que o roteiro saiba trabalhar isso, mas neste caso o filme conclui de maneira totalmente abrupta e insatisfatória todo o arco que o próprio roteiro construiu.


Apesar de tudo, não dá para dizer que é um filme inteiramente ruim, com exceção de sua última hora. Ao longo da trama temos boas discussões sobre a sociedade atual, sobre o uso que fazemos do nosso tempo, e sobretudo a nossa relação com o mercado de trabalho. Alguns ótimos diálogos reforçam a falsa ideia de liberdade que temos, onde só enxergamos isso quando nos relacionamos com pessoas que estão em outra frequência. 

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