sábado, 20 de maio de 2023

Crítica: Viva o México! (2023)

A estreia de Viva o México! (¡Que Viva México!) no catálogo da Netflix não poderia ter sido mais impactante. Dirigido por Luis Estrada (do ótimo A Ditadura Perfeita), ele se tornou o filme de língua não inglesa mais assistido da plataforma nesta última semana, inclusive sendo também um dos mais vistos aqui no Brasil. Com um humor ácido, o filme critica a classe política e a elite mexicana, mas infelizmente se perde em alguns pontos por ser estereotipado demais.


O roteiro acompanha Pancho (Alfonso Herrera), um homem que veio de uma família muito humilde, mas que hoje vive uma vida confortável, morando em uma casa de luxo com os filhos e a esposa, e tendo o melhor à sua disposição. Ele trabalha como diretor geral de uma fábrica têxtil na Cidade do México, e espera ansiosamente pelo dia que será promovido para gerente geral, cargo que lhe foi prometido pelo dono do lugar, o asqueroso Jaime Sampaolo (José Sefami). Jaime é o típico homem que tem muito dinheiro e se sente acima de qualquer um, inclusive acima da lei, usando sempre o poder para abusar das pessoas e ser extremamente misógino, obsceno e preconceituoso.

A contextualização da época é importante, pois na história o México acaba de eleger um novo presidente com ideias populistas, o que incomoda muito a alta classe e os poderosos, como o próprio Jaime. Já Pancho tem um sentimento ambíguo em relação aos contornos políticos do país, apesar de se mostrar contra as políticas sociais para agradar o chefe e a família da esposa. Todos esses membros da elite dormem e acordam com um enorme medo de ver o México "virar uma Cuba ou uma Venezuela", algo um tanto quanto similar ao que vivemos por aqui uns meses atrás, não é mesmo?


Quando o avô de Pancho morre, ele primeiramente se nega a ir ao enterro, pois não se enxerga mais fazendo parte daquela família separada, hoje, por um abismo social. No entanto, após um sonho, ele decide voltar a La Prosperidad, sua terra natal, para ver o que foi deixado para ele de herança, e leva junto toda a família (até a empregada doméstica) para essa viagem insólita, divertida e nada comum. Aliás, o sonhos do protagonista tem bastante importância na narrativa, pois são através destas pequenas inserções que o diretor apresenta os medos do personagem, como a própria cena inicial, onde ele sonha que sua família foi até a casa dele na capital para matá-lo como "castigo" por ele ter dado as costas para eles. O inconsciente dele sabe que ele está agindo errado com a família e o sonho acaba enaltecendo isso, e há várias outras situações no filme onde ocorre o mesmo.


Ao retornar à cidade natal, Pancho se reencontra com as suas origens, e com os personagens excêntricos que fizeram parte da sua infância. São irmãos (dezenas deles), tios, país e até mesmo a avó, que o recebem com enorme carinho após vinte anos sem nenhum contato. Aos poucos, no entanto, vamos percebendo que entre eles, há vários mal intencionados, que só querem se aproveitar do membro rico da família para tentar ganhar algo em cima dele, principalmente depois que é lido o testamento do finado avô da família. É engraçado acompanhar esse choque social, sobretudo na figura da esposa de Pancho, que chega presenteando os sogros com perfumes caros e uma gravata chique. Ela sempre viveu em ambientes requintados, e de repente precisa dormir em um quarto onde porcos e galinhas andam livremente pelo chão, além de ter que usar uma latrina para fazer suas necessidades. Sem ter para onde correr, acaba abusando da bebida para pelo menos não enlouquecer nos dias de visita.

O roteiro abraça o ridículo desde o início e vai indo muito bem, mas infelizmente acaba reforçando fortemente alguns estereótipos já ultrapassados que não se encaixam mais, além de trazer trechos bem problemáticos. Poderia citar vários exemplos, como a imagem que faz dos indígenas e das mulheres durante todo o filme, mas o que mais me incomodou de fato foi a maneira que o diretor trabalha a transsexual Jacinta, que é mostrada sempre como se fosse uma personagem forçada e "esquisita" por ser do jeito que ela é. É uma das piores abordagens da transexualidade nas telas que eu vi em muitos anos, e a cena em que a câmera faz questão de mostrar a personagem urinando em pé me deixou bem constrangido.


Por fim, Viva o México! acaba servindo como um bom entretenimento, mas deixa bastante a desejar na questão da crítica social, já que não deixa exatamente clara sua verdadeira intenção em um México que, assim como o Brasil, vive uma enorme polarização. Isso talvez funcione apenas no final, quando vemos um verdadeiro retrato do que é a política arbitrária norte-americana de invasão e extração de riquezas naturais dos países do resto do mundo. Um fato curioso é que o filme causou polêmica ao ser lançado no México, inclusive sendo muito criticado pelo presidente atual, que o viu como uma afronta ao povo mexicano. De certa forma, ele não está todo errado.


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