segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Crítica: Clube de Compras Dallas (2014)


O diretor canadense Jean Marc-Valée ganhou meu respeito e minha admiração após ter lançado, em 2005, o maravilhoso C.R.A.Z.Y. -Loucos de Amor, sobre um rapaz homossexual que tinha que lidar com o preconceito de todos, principalmente da própria família. De lá para cá, ele lançou dois filmes de baixa divulgação (A Jovem Rainha Vitória e Café de Flore), mas agora em 2013 voltou com tudo, filmando o excelente Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club), forte candidato ao Óscar de 2014.


A trama se passa nos anos 80, e é baseada na história real de Ron Woodroof (Matthew McConaughey), um homem que ganhava a vida comandando apostas num circuito de rodeios no Texas. Machista, extremamente preconceituoso (sobretudo contra homossexuais), e usuário incontrolável de drogas e álcool, Woodroof é um personagem repugnante, com pensamentos retrógrados, que desperta nosso desprezo logo de cara.

Enquanto ele arrecada dinheiro numa roda de apostas, ele lê o jornal e faz uma brincadeira com a situação do ator Rock Hudson, que está internado num hospital com AIDS. Para ele, todas as pessoas que adquirem a doença são gays, e ele acredita inclusive que pode ser um castigo para a maneira de vida que eles levam. O diretor não se exime de mostrar o quanto era comum e aceitável esse tipo de pensamento nessa época, onde ninguém conhecia direito a doença e saía falando o que bem entendia.


Após tossir sangue, sentir tonturas e desmaiar do nada, Woodroof é levado ao hospital onde o Dr. Sevard (Denis O'Hare) lhe dá o diagnóstico: ele está com o vírus HIV. Enfurecido, ele sai do hospital xingando o médico e sua assistente, afinal, como ousam dar a entender que ele teve alguma relação homossexual? Sim, é somente isso que passa pela sua cabeça.

Após uns dias, Woodproof finalmente deixa a ignorância de lado e vai pesquisar melhor sobre a doença na biblioteca da cidade. É quando ele descobre que a AIDS pode ser transmitida por sexo com mulheres também, ou até mesmo através de drogas injetáveis. É quando ele lembra que há poucos dias transou com uma mulher sem proteção alguma, e que ela tinha diversas picadas pelo braço. Ele então entra em desespero.


Através da pesquisa, ele também fica sabendo que um grande laboratório americano está fazendo testes com uma nova droga, a AZT. Ele decide voltar ao hospital e pedir para a Dra. Eve Saks (Jennifer Garner) que ela o use como cobaia nos testes. Ela, porém, não tem o que fazer, já que a decisão não é sua. A partir de então, começamos a mergulhar junto com o personagem no mundo sujo das indústrias farmacêuticas.

Deve ser realmente desesperador saber que existe no mercado um novo remédio que pode lhe fazer melhorar, mas que você não está nem no grupo de testes. Com um "jeitinho", ele consegue a droga de forma clandestina, através de um enfermeiro do local. No entanto quando o estoque chega ao fim, ele acaba sendo novamente internado, ainda pior do que na primeira vez.


No hospital, ele conhece Rayon (Jared Leto), um travesti que está internado na cama ao lado, pelo mesmo motivo. De início, Woodroof repugna o colega de quarto pela sua opção sexual, mas aos poucos, ele também vai sofrendo preconceito por parte das pessoas que antes o viam como amigo, que acham que ele adquiriu a doença tendo relações com outro homem. Por conta disso, ele acaba percebendo que Rayon é tão vítima de tudo quanto ele, e que pensar dessa forma é pura ignorância.

Após ir ao México, onde é tratado pelo Dr. Vass (Griffin Dunne), ele volta para os Estados Unidos com uma nova visão sobre tudo, e com uma ideia para fazer dinheiro: importar ilegalmente a droga para o país, e vender para as pessoas com a doença. Porém, não é mais o AZT, e sim, um coquetel criado pelo doutor, que parece mais eficaz do que a droga legal testada pelos laboratórios.


Novamente entra em questão a sujeira da indústria de remédios, e isso é talvez o ponto forte do enredo. Afinal, tratamentos para doenças mais graves parecem ser exclusivos para quem tem dinheiro, e se você não tem como pagar, que morra silenciosamente. Indo contra esse pensamento mesquinho, Woodroof cria o Clube de Compras Dallas, onde passa a cobrar apenas uma mensalidade em troca dos remédios ilimitados, criando uma clientela fiel e esperançosa a respeito dos avanços na enfermidade. Porém, é óbvio que isso iria causar atritos com a FPA (instituto responsável por aprovar todo medicamento e alimento vendido nos Estados Unidos), que viraria numa verdadeira caça de gato e rato.

A humanização do personagem é realmente impressionante. Ele não muda seu estilo de vida, e alguns dos seus pensamentos, mas a convivência com pessoas de todos os tipos, principalmente homossexuais, acaba fazendo com que ele perceba algo que todos deveriam saber: que não importa a cor de pele, a classe social ou a opção sexual, no final somos todos iguais. Ele acaba virando uma espécie de herói, ainda que muitos não aceitem essa alcunha num homem com um estilo de vida como o seu. Porém, muitos doentes tiveram um tempo a mais de vida graças à sua atitude, mostrando que não é necessário ser um "santo" para fazer algo bom pelas pessoas.


O roteiro é certamente um dos mais bem escritos dos últimos anos. Mais do que a redenção do personagem ou sua luta contra os gigantes dos remédios, um dos pontos mais interessantes e positivos é que ele mostra como nenhum outro o surgimento da doença em meio ao público, e o quanto ela era mal interpretada. A fotografia, a ambientação e o figurino da época, e a trilha sonora são realmente de tirar o chapéu. Mas com certeza, o melhor do filme está mesmo nas atuações.

Primeiramente, McConaughey está impecável no papel de Woodroof, nessa que pode ser a sua melhor atuação da carreira. O ator, que perdeu 21 quilos para viver o personagem, dá simplesmente um show, convencendo do início ao fim. No entanto, devo dizer que o que mais me impressionou foi mesmo a participação de Jared Leto. Há poucos dias, fiz um post por aqui com as transformações do ator ao longo da carreira, e aqui ele simplesmente se superou. Leto está irreconhecível, e como McConaughey, também perdeu dezenas de quilos para viver o travesti Rayon. Não é à toa que os dois são favoritos para fazer uma dobradinha no Óscar, como melhor ator e melhor ator coadjuvante.


Por fim, Clube de Compras Dallas é realmente primoroso, tanto que virou meu favorito para receber a estatueta em Los Angeles. A ótima direção, o ótimo elenco e o ótimo roteiro são elementos que, juntos, fazem dele um dos melhores filmes de 2013. É um filme sobre uma enfermidade, mas completamente diferente do que visto até então, até porque vai muito além disso. Não há milagres, não há otimismo. Apenas a história de vida de pessoas que, além de ter de lutar diariamente contra uma doença terminal, ainda tem que sofrer com o preconceito e a ignorância dos outros.


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