quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A vida e a obra de Martin Scorsese.


Para muitos críticos de cinema, Martin Scorsese é considerado o "melhor diretor americano vivo". E de fato, não é para menos. A cada novo filme lançado por ele, minha admiração só aumenta, e dentre os cineastas que surgiram na mesma geração (De Palma, Spielberg, Coppola, entre outros), ele é certamente o que mais me agrada.

Dono de uma carreira brilhante, ele possui vários dos seus filmes em posições de destaque na lista dos melhores de todos os tempos, feita pela "American Film Institute". Apesar desse feito, ele ficou marcado por ter sido, durante quase três décadas, completamente ignorado pelo Óscar, em mais uma das injustiças históricas da Academia. No entanto, a premiação sutilmente lhe pediu desculpas premiando-o por Os Infiltrados (The Departed), em 2007.


Martin Marcantonio Luciano Scorsese nasceu na cidade de Nova York, no dia 17 de novembro de 1942. Vindo de uma família de descendente italianos, cresceu nas ruas do modesto bairro Little Italy (Pequena Itália). Por conta de suas fortes crises de asma, Scorsese era impossibilitado de praticar esportes, e para passar o tempo, seu pai o levava seguidamente ao cinema. Pelos menos duas vezes por semana, alegou o diretor, que declarou também que foi nessa época que ele começou a desenhar suas primeiras histórias imaginárias.

Aos 14 anos, se dedicou ao sacerdócio, ingressando num seminário local. Sim, Scorsese queria ser padre! Porém, sua paixão pela sétima arte o impediu de seguir a carreira religiosa, impulsionando sua trajetória no mundo cinematográfico. Para nossa sorte, e principalmente para o bem do cinema.

Essa sua veia católica acabou influenciando boa parte dos seus primeiros curtas, ainda nos anos 50. Sua principal influência no entanto foi o neo-realismo italiano, de quem ele era fã, sobretudo de Fellini, De Sica e Rosselini. Outro cineasta que foi bastante importante para sua formação foi o brasileiro Gláuber Rocha, principal nome do Cinema Novo. Scorsese chegou inclusive a ajudar na recuperação de alguns filmes perdidos do diretor nessas últimas décadas.

Alguns anos depois, em 1963, matriculou-se na Universidade de Nova York para estudar cinema, onde rodou mais alguns curtas de pouca expressão. Dois anos depois, após se graduar no curso, passou a trabalhar no mesmo local como professor adjunto, onde deu aulas para alunos que viriam se tornam ilustres colegas, como Oliver Stone e Spike Lee.


Seu nome apareceu mundialmente pela primeira vez em 1967 com o curta The Big Shave, que fazia uma crítica à Guerra do Vietnã, e foi sensação no Festival de Cinema Experimental de Knokkele-Zoute, na Bélgica. Esforçado, Scorsese trabalhou nessa época como montador em Hollywood até conseguir dirigir seu primeiro longa, o drama autobiográfico Quem Bate à Minha Porta? (I Call First). Protagonizado por Zina Bethune e Harvey Keitel, o filme é ambientado na comunidade Ítalo-Americana, mostrando a violência que havia nas ruas daquele bairro na época.

Em 1972, a convite do famoso produtor Roger Corman, Scorsese dirigiu Sexy e Marginal (Boxcar Bertha), onde trabalhou com o casal David Carradine e Barbara Hershey. Nesse período, seu amigo pessoal Brian De Palma o apresentou a um jovem ator que estava em ascensão e que ainda era pouco conhecido no ramo: Robert De Niro. Não demorou para que Scorsese e De Niro virassem amigos íntimos, firmando uma das parcerias mais marcantes e rentáveis da história do cinema.


O primeiro filme da parceria foi o aclamado Caminhos Perigosos (Mean Streets), lançado em 1973, e novamente ambientado no bairro de imigrantes italianos. Antes dos dois voltarem a trabalhar juntos, Scorsese dirigiu o sensível Alice Não Mora Mais Aqui (Alice Doesn't Live Here Anymore), com a excelente Ellen Burstyn, que levou para casa o Óscar de melhor atriz daquele ano.

Em 1976, Scorsese deixou o público de boca aberta com Táxi Driver, um filme violento e visceral que mostrava uma Nova York bem diferente do glamour visto até então no cinema. Protagonizado por Robert De Niro e Jodie Foster, o longa pode ser considerado um marco na história do cinema americano, e é considerado até hoje um dos melhores filmes já feitos por lá. Cinco anos depois do seu lançamento, o filme ainda causava polêmica, depois que um jovem quase tirou a vida do presidente Reagan e justificou o ato com a obsessão que tinha pela história.



Depois de receber quatro indicações aos Óscar, Scorsese ficou encorajado de lançar mais um projeto arrojado, New York, New York, um tributo musical à sua cidade natal. No entanto, o filme foi um fracasso de bilheteria, levando o diretor a uma forte depressão. Ele se reergueu um ano depois, da melhor forma possível, com O Último Concerto de Rock (The Last Waltz). O longa documenta o último show dos "The Band" em 1978, e conta com a participação de Bob Dylan, Eric Clapton, Neil Young, entre outros artistas da cena.

Em 1980, com medo de ter que encerrar a carreira por conta da saúde precária, ele colocou todas as suas energias na produção de Touro Indomável (Raging Bull), e o resultado foi melhor do que o esperado. Tido como uma obra-prima, o filme estrelado novamente por Robert De Niro foi amplamente elogiado, e recebeu oito indicações ao Óscar, incluindo a de melhor filme, melhor ator, e pela primeira vez, de melhor diretor. Scorsese não ganhou, mas a indicação serviu para que seu nome entrasse de vez no hall dos melhores cineastas de todos os tempos.



Depois do sucesso de Touro Indomável, Scorsese filmou três filmes de menor expressão até a metade da década de 80, mas ainda assim muito bons. O primeiro foi O Rei da Comédia (The King of Comedy), que trazia Robert De Niro novamente como protagonista, no papel de um comediante que tinha o sonho de aparecer na televisão, e que para isso, seria capaz de qualquer coisa.

Logo após veio Depois de Horas (After Hours), uma comédia maluca sobre um homem que vive, em apenas uma noite, diversas situações fora do comum. O último foi A Cor do Dinheiro (The Color of Money), que dentre os três foi o que mais arrecadou bilheteria, principalmente por conta da participação dos astros Paul Newman e Tom Cruise.

Em 1988, Scorsese pôr em prática um projeto que há tempos sonhava realizar: A Última Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ), adaptação do livro homônimo escrito pelo grego Nikos Kazantzákis e lançado em 1951. Para filmar o longa, o diretor utilizou de um orçamento bastante baixo, principalmente por não levar fé que o filme lhe traria algum retorno comercial.



No entanto, o filme não apenas bateu recordes de bilheteria, como causou comoção nacional, gerando uma onda de protestos como nunca visto antes ao redor de um filme. A tentativa de mostrar Jesus Cristo como uma pessoa comum, que se casa com Maria Madalena e constitui uma família, levou os religiosos mais fanáticos a ameaçarem o diretor de morte. Porém, o apoio que ele recebeu, inclusive de importantes figuras políticas, impediu que sua carreira decaísse, e abriu espaço para ele lançar aquele que viria a ser o filme mais popular da sua carreira.

Com Os Bons Companheiros (Goodfellas), Scorsese retornou à cidade de Nova York, além de retomar sua parceria com Robert De Niro. Considerado um dos melhores filmes sobre gângsters já feito para o cinema, o longa chega a dividir alguns fãs do gênero, que o comparam ao clássico de Coppola, O Poderoso Chefão. Com cenas memoráveis, Os Bons Companheiros aborda a vida de três poderosos mafiosos, desde sua ascendência ao crime até sua queda. Mais uma vez nomeado ao Óscar, o diretor voltou para casa de mãos vazias.



Seu próximo filme foi Cabo do Medo (Cape Fear), remake do filme Círculo do Medo, de 1963. Outra vez trabalhando com De Niro, o filme foi um sucesso de bilheteria, e concorreu a dois óscares. Em 1993, o diretor lançou o drama A Época da Inocência (The Age of Innocence), com Michelle Pfeiffer, Winona Ryder e Daniel Day-Lewis, que apesar do bom elenco e da boa estória, foi um fracasso de bilheteria.

Com Cassino (Casino), lançado em 1995, Scorsese voltou a falar novamente de máfia, mas dessa vez sobre os grupos que comandavam (e ainda comandam) os grandes cassinos de Las Vegas. O longa foi um sucesso, e ficou marcado principalmente por ser o último filme da sua parceria de anos com De Niro.



Finalizando a década de 90, ele lançou pequenos filmes como Kundun (sobre o exílio de Dalai Lama, que tornou Scorsese persona non grata na China), o documentário autobiográfico Minha Viagem à Itália, e o drama psicológico Vivendo no Limite, com Nicolas Cage.



ANOS 2000

A virada do século trouxe uma repaginada total na carreira do diretor. Gangues de Nova York (Gangs of New York), lançado em 2002, foi o filme mais arriscado e grandioso da sua carreira. Com uma produção detalhista, e um orçamento de mais de 100 milhões de dólares, foi até hoje o seu trabalho mais impressionante, recebendo 10 indicações ao Óscar (ainda que não tenha ganho em nenhuma, um absurdo).

Ele conseguiu, através de um ótimo trabalho em conjunto com a direção de arte, transcrever com perfeição a Nova York do século 19, e a guerra que havia entre as duas gangues que dominavam a cidade na época. Foi também seu primeiro filme com o ator Leonardo DiCaprio, que veio assumir o lugar de De Niro como "xodó" do diretor.



Sua segunda parceria com DiCaprio veio dois anos depois, no excelente O Aviador (The Aviator). O longa, que aborda a vida do excêntrico milionário Howard Hughes, foi até então o seu filme mais bem sucedido em premiações, levando para casa 5 Óscares (menos o de diretor, mais uma vez).

Exatos dois anos depois, DiCaprio seria protagonista de mais um filme seu: Os Infiltrados (The Departed). Considerado por muitos como o seu melhor trabalho desde Os Bons Companheiros (o que eu não concordo), foi com ele que Scorsese finalmente levantou o Óscar de melhor diretor, após anos de tentativas frustradas. O prêmio foi entregue pelas mãos dos amigos Francis Ford Coppola, George Lucas e Steven Spielberg, em um claro pedido de desculpas da Academia depois de tantos anos sendo deixado de lado.


Nesse período, ele deu uma pausa nos seus filmes para lançar três documentários musicais. No Direction Home, lançado em 2005, aborda a vida do músico Bod Dylan, e o impacto que ele teve na cultura americana nos anos 60. Outro que teve sua vida mostrada nas telas foi o beatle George Harrison, em George Harrison: Living in the Material World.The Rolling Stones: Shine a Light foi realizado com o intuito de mostrar duas gigantescas apresentações dos Rolling Stones em Nova York, de quem Scorsese é fã declarado.

Em 2010, ele voltou a trabalhar com DiCaprio em um dos seus melhores trabalhos da década, o drama psicológico Ilha do Medo (Shutter Island). Contando também com Mark Ruffaloe Ben Kingsley, o filme é bastante obscuro, sombrio, e traz uma estória repleta de reviravoltas.

Seu nome voltou à mídia em 2011, após o lançamento de A Invenção de Hugo Cabret (Hugo). Diferente de tudo que o diretor tinha feito até então, ele declarou abertamente que adorou fazê-lo, mas que só começou o projeto porque seu filho pequeno pediu para que ele fizesse um filme que ele "pudesse assistir". Apesar do tom juvenil na hora de contar a estória, o filme é espetacular, e faz uma homenagem emocionante ao mestre francês George Meliès, um dos precursores do cinema.



Scorsese volta aos cinemas em 2013 com O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street), que aqui no Brasil tem estreia programada para janeiro de 2014. Pela quinta vez trabalhando com DiCaprio, o filme aborda a vida do corretor da bolsa de valores Jordan Belfort, que entrou em decadência nos anos 90 por conta do abuso de drogas e dos crimes de colarinho branco. 

Pensando no futuro, Scorsese já está em fase de produção de Silence, que deverá ser seu próximo filme, e será ambientado no Japão do século 16. Ainda há boatos de que o diretor pensa reunir novamente De Niro e Al Pacino em um filme de máfia, antes de se aposentar. Se isso realmente acontecer, servirá para finalizar com chave de ouro a carreira.

Por tudo isso, posso dizer que Scorsese faz parte do pequeno e seleto grupo de gênios do cinema. Não é preciso muito para concordar que ele é um mestre na arte de fazer filmes. Sua filmografia fala por si!

2 comentários:

  1. Texto impecável, disse tudo o que qualquer fã ou mesmo qualquer pessoa que goste de cinema diria sobre esse genio que é Martin Scorsese, injustiçado por diversas vezes com a perda do Oscar mas reconhecidamente um dos maiores diretores de cinema dos últimos 30 anos. Parabéns os comentarios foram precisos e muito esclarecedores.

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    1. Obrigado!! Fico contente de ver que outros fãs leram e gostaram, pois escrevi como um admirador também. Scorsese merecia essa minha homenagem por aqui.

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