domingo, 12 de janeiro de 2014

Crítica: Ninfomaníaca - Volume 1 (2014)


Onde tem o nome de Lars Von Trier, tem polêmica. Esse, aliás, deveria ser o seu segundo nome. E o pior é que ele não foge de estigma. Pelo contrário, provocador como ninguém, ele parece não conseguir se aquietar, e gosta de ver o circo pegar fogo. Por isso mesmo o mundo pode ser dividido entre os que o amam e os que o odeiam.

Após o lançamento de seu último filme, Melancolia, ele "brincou" nos bastidores que seu próximo filme seria um pornô. Pois bem, ele não chegou a tanto, mas foi quase. Ninfomaníaca: Volume 1 (Nymphomaniac: Volume 1), já diz no próprio nome se tratar de um filme no mínimo "exótico". Porém, diferente do que muitas pessoas pensam, o filme vai muito além de meras cenas de sexo explícito para adolescente ver (que são poucas, por sinal, e o que menos importa no contexto geral).



Na cena inicial, Von Trier nos coloca dentro de um beco silencioso e sombrio, dando lentos closes em suas paredes molhadas da chuva até aparecer uma mão ensanguentada no chão. Em um corte repentino, o filme mostra o momento em que Seligman (Stellan Skarsgard) sai para fazer compras e encontra o corpo estirado e tenta ajudar. Quem está ali é Joe (Charlotte Gainsbourg), que aceita ir para a sua casa em troca de uma xícara de chá com leite. Se sentindo melhor, ela começa então a contar toda a história de sua vida, para que ele possa compreender melhor o que foi que lhe aconteceu.

Muitas das características principais do diretor estão presentes, e a principal delas é a divisão do filme em capítulos, como já visto em Dogville, Manderlay e Melancolia. No primeiro deles, Joe começa a falar como iniciou sua descoberta a respeito da sexualidade, ainda com cinco anos, quando brincava com o chuveirinho de casa. Depois, aos 12, pesquisava em livros para descobrir mais sobre o assunto, até que resolveu perder a virgindade com um conhecido seu, Jerôme (Shia LaBeouf), que lhe deu exatamente oito estocadas (a forma como o diretor mostra a contagem na tela é engraçadíssima). Aliás, essa forma prática, sem rodeios, impera em boa parte do filme, deixando de lado qualquer espécie de melodrama.



Uma das cenas mais interessantes desse capítulo é quando ela e sua amiga B (Sophie Kennedy Clark) viajam de trem, e em troca de um saquinho de chocolates, desafiam uma a outra para saber quem consegue fazer sexo com mais homens durante o trajeto. A partir de então, ela começa a ter várias aventuras com diferentes homens, mas nunca se satisfazendo interiormente. Sempre solitária, ela via no sexo uma chance de esquecer os problemas, de ter alguém. Mas ao mesmo tempo se sentia mal por usar as pessoas.

Da série de coisas que só poderiam sair da cabeça de Von Trier, Seligman (que é pescador) começa a traçar um paralelo entre a sua pescaria e a vida sexual de Joe, vista como uma pesca também, mas de forma metafórica. Apesar de falar sobre um assunto sério, o humor inteligente de Von Trier nunca foi tão afiado e irônico como nesse filme, com momentos verdadeiramente engraçadíssimos, de arrancar gargalhadas do espectador.



No capítulo 2, Joe cria um grupo junto de suas amigas, onde buscam satisfação individual, indo contra tudo que seja romântico. Sim, elas odeiam o amor, e usam os homens como forma de se vingar disso. Uma de suas regras, inclusive, é não terem relação sexual mais de uma vez com o mesmo rapaz, para não criar nenhum vínculo.

Nesse mesmo período, ela parte em busca de um emprego e consegue em uma gráfica, cujo contratante é Jerôme (sim, os homem que lhe tirou a virgindade). Num primeiro momento ela nega qualquer contato com ele, mas inevitavelmente vai se apaixonando a cada dia que passa. Porém, quando resolve se declarar, ele some do mapa, deixando ela novamente sozinha (e também sem emprego).



O fato acaba fazendo com que ela volte a sair com muitos homens para aliviar os sentimentos, e essa é uma das partes mais pudendas do longa, com direito a uma galeria de pênis na tela, onde aparecem fotos de todas as formas, tamanhos e cores. Um desses amantes, o Sr. H (Hugo Speer), acaba se apegando demais à garota, e por ela larga até sua mulher e seus filhos. 

Tem início então o capítulo 3, que é sem dúvida o mais engraçado do filme. A atriz Uma Thurman faz uma participação curta, mas genial, como a mulher neurótica de H. Ela aparece apenas 20 minutos, mas rouba a cena. Descontente com o abandono do marido, a Sra. H leva seus filhos para conhecerem o apartamento de Joe. Uma das melhores falas do filme é sua, quando ela vira pros filhos e diz "Crianças, venham conhecer a cama da prostituição".



Depois dessa sequência engraçada, começa o capítulo 4, onde subitamente o filme muda para uma fotografia em preto e branco. Conhecendo Von Trier como conheço, já esperava ser um truque para mostrar uma mudança drástica no enredo, e dito e feito! Nesse capítulo Joe perde o pai, a única pessoa com quem ela tinha tido algum afeto na vida. Uma das cenas mais tristes do longa é quando Joe faz sexo após perder o pai, enquanto vertem lágrimas de sufoco do seu rosto. 

Por sinal, são poucos os momentos em que ela realmente se sente feliz de estar fazendo o que faz. A ninfomania é uma doença, um vício, e algumas pessoas realmente não sabem o que é isso. Depois de um tempo, sexo virou algo mecânico para Joe. Ela faz sem sentir nada, apenas porque precisa. E é triste ver essa degradação. O quinto capítulo fecha essa primeira parte da duologia de forma primorosa, mostrando o reencontro de Joe com Jerôme, e a nova chance que ela tem de encontrar o amor. 



É engraçado perceber o quão conservadoras as pessoas são em pleno século 21, e esse é o principal motivo do filme ter sido tão falado. Porém, confesso que não me senti nem um pouco desconfortável, mesmo vendo algumas (poucas, aliás) cenas explícitas junto de um cinema totalmente lotado (sim, isso me surpreendeu muito). Las Von Trier mostrou tudo com naturalidade, como deve mesmo ser.E isso foi o principal mérito do filme.

Aliás, o filme é mais dialogado do que se esperava. E isso não é ruim, pelo contrário, já que boa parte deles são sensacionais. As atuações são realmente boas, contando com nomes conhecidos como Shia LaBeouf, Stellan Skarsgard e Charlotte Gainsbourg. Mas quem realmente se destacou foi a novata Stacy Martin, que faz Joe quando jovem, além da já citada Uma Thurman.



Por fim, dá para se dizer que a parte 1 de Ninfomaníaca foi muito além do que eu particularmente esperava. Tanto que nem vi o tempo passar, e poderia ficar mais umas 3 horas no cinema, bem tranquilo. Nos créditos finais, podemos ver algumas das cenas do segundo filme, que ao que parece, será uma porrada. Agora só resta esperar, com toda a ansiedade do mundo.


Um comentário:

  1. Filme muito bom!!!
    Lars Von Trier é surreal e um grande gênio que consegue nos inquietar.

    Em meu blog há um dos trailers.
    Quem quiser conferir é só clicar no link abaixo:

    http://www.dogma21.com.br/2013/11/lancado-trailer-oficial-de-ninfomaniaca.html

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