domingo, 8 de dezembro de 2019

Crítica: O Irlandês (2019)


Se existe no mundo um diretor que sabe trabalhar a violência nos cinemas, esse diretor é Martin Scorsese. O homem por trás das obras-primas Os Bons Companheiros e Cassino volta a abordar o tema máfia/gângster de forma primorosa em O Irlandês (The Irishman), numa verdadeira aula de como fazer cinema.



O filme conta a história de Frank Sheeran (Robert DeNiro), um veterano de guerra que trabalha como motorista em um sindicato de caminhoneiros. Sua vida muda quando ele conhece a família Bufalino, principalmente Russell (Joe Pesci), e passa a cumprir tarefas para os membros da máfia. Pouco a pouco Frank vai adentrando no mundo do crime organizado, criando contatos e crescendo dentro dele, até se tornar um assassino a sangue frio capaz de fazer qualquer serviço.

Já idoso, sem forças e vivendo em um asilo, Frank rememora toda a sua vida, sua carreira e sua relação com os chefões do crime através de uma narração em off. O longa, dessa forma, se passa em três períodos diferentes: quando ele ainda era novo e entrou para a máfia, quando ele já está mais velho e fazendo uma viagem com Russel pelas estradas dos Estados Unidos, e quando ele está vivendo debilitado na casa de repouso nos seus últimos dias de vida.



O enredo passa de um período ao outro com muita naturalidade, numa montagem perfeita. O ritmo cadenciado pode até cansar em alguns momentos, mas serve para dar uma realidade muito maior às cenas, além de nos apresentar com mais detalhes as personalidades de cada um dos personagens em cena. Fica evidente que não se trata de um filme para entretenimento, mas sim, de um filme que tem como única intenção te colocar dentro daquele mundo durante suas três horas e meia de duração. Achei muito inteligente e original o fato do filme apresentar os personagens secundários mostrando sempre a data e o motivo da morte de cada um escrito embaixo. Na vida do crime, todos tem um prazo de validade.

Se Scorsese sozinho já seria capaz de nos apresentar uma grande história, imagina com um elenco composto de Al Pacino, Robert DeNiro, Joe Pesci, Harvey Keitel, Anna Pacquin, entre outros. Foi realmente uma sensação única ver Pesci, Pacino e DeNiro trabalhando juntos pela última vez. Digo pela última vez porque Pesci já estava aposentado há anos e foi convencido a voltar à ativa apenas para viver este personagem tão simbólico. Diferente de seus personagens extravagantes e inconsequentes nos outros trabalhos de Scorsese, Pesci dá vida aqui a um homem contido, inteligente, e que se mantém equilibrado mesmo nas situações mais adversas, quase como uma voz da sabedoria. Um papel merecido a um ator que ficou marcado na história do cinema e que dificilmente fará algo novo.



O ator que mais contracena com Pesci no filme é Robert DeNiro, seu parceiro de longa data. Os personagens dos dois se conhecem por um acaso, e se tornam extremamente leais um com o outro para o resto de suas vidas. DeNiro para variar está impecável, numa atuação de gala. O bom trabalho de rejuvenescimento da equipe técnica nos transporta para uma época de ouro da carreira do ator, onde ele fez filmes que marcaram sua carreira como O Poderoso Chefão, Era Uma Vez na América, e o próprio Os Bons Companheiros de Scorsese. Disciplinado em seguir regras, não demorou para seu personagem subir no mundo do crime, mas no final do filme, em uma espécie de prólogo melancólico, ele mesmo se questiona se tudo o que ele fez valeu a pena, principalmente por suas atitudes terem afastado a própria família.


Por último falo aqui de Al Pacino, que interpreta o sindicalista Jimmy Hoffa, o chefão de tudo. Completamente desequilibrado, o personagem de Pacino rouba a cena e é responsável por alguns dos momentos mais cômicos da trama. Hoffa é um homem extremamente orgulhoso e teimoso que sempre tenta impôr seu poder na base do grito, além de se achar intocável e não dar a mínima para as convenções da máfia. Suas atitudes sempre geram consequências, não só para ele, mas para todos os demais membros. Longe de fazer grandes papéis há anos, Al Pacino ganhou de Scorsese um grande presente ao interpretar um personagem que é a sua cara.


Por fim, se essa for mesmo a despedida de Scorsese do gênero, esse ciclo não poderia ter se encerrado de um jeito melhor. O Irlandês é um filme sobre lealdade, envelhecimento e arrependimentos, mas sobretudo, sobre as consequências que decisões erradas podem trazer à vida de um homem. É Scorsese na sua melhor forma.


Nenhum comentário:

Postar um comentário