sábado, 22 de abril de 2023

Crítica: Noites Alienígenas (2022)


Multipremiado no último Festival de Gramado, Noites Alienígenas é mais um grande exemplo da pluralidade cultural deste país imenso chamado Brasil. Talvez não exista no mundo uma nação que abrigue tantas culturas diferentes dentro de um mesmo território, e o nosso cinema tem sido um grande aliado para revelar e nos mostrar isto. Considerado o primeiro longa filmado inteiramente no Acre, o filme do cineasta Sérgio de Carvalho nos aproxima deste Estado tão distante da região central do país e que geralmente só é lembrado de forma pejorativa, mas que possui uma história riquíssima e uma população pulsante que merece toda a nossa atenção.


O roteiro não possui um protagonista de fato, e seus vários personagens aparecem homogeneamente, montando um panorama da Rio Branco contemporânea e seus múltiplos estereótipos. Porém, dá para dizer que a trama gira em torno de três nomes principais: Rivelino (Gabriel Knox), Sandra (Gleice Damasceno) e Paulo (Adalino Reis), jovens que cresceram juntos pelas ruas estreitas de um bairro periférico da capital e tem as vidas entrelaçadas por uma série de fatores.

Rivelino é um jovem de dezessete anos que vive com a mãe e ajuda o traficante local a vender sua droga. Nas horas vagas, gosta de praticar graffiti e compôr músicas de rap, além de ter encontros com Sandra, que trabalha como garçonete em um restaurante e precisa criar o filho pequeno sozinha. Enquanto isso, Paulo, o pai da criança, se tornou cada vez mais refém das drogas, e chega até mesmo a roubar sua própria mãe para sustentar o vício, contraindo uma dívida impagável com traficantes de uma facção. Todos eles possuem um desenvolvimento interessante, e vamos acompanhando a passos lentos a rotina de cada um, com subtramas muito bem amarradas.


Junto a eles temos Alê, o traficante para quem Rivelino trabalha, brilhantemente interpretado por Chico Diaz. Com uma personalidade "hiponga", citando Raul Seixas e dissertando sobre a imensidão do universo, ele viu todos esses personagens crescerem, e foge daquele estereótipo do traficante sanguinário e violento, pois aparentemente possui um bom coração e um sentimento de proteção com todos que o rodeiam.

Não, não se trata de uma romantização do crime, mas de mostrar como muitas vezes, principalmente nas periferias das grandes cidades, esta acaba sendo a alternativa "viável" para fugir da miséria. Alê não é nenhum santo, mas possui alguma proximidade com a população local, bem diferente do grupo "forasteiro" que passou a tomar conta do tráfico na cidade. O filme é, antes de mais nada, um retrato da invasão das facções criminosas do sudeste do país em estados do norte, como no próprio Acre, onde houve um aumento significativo na violência e no tráfico de drogas após essa migração.


O roteiro ainda apresenta algumas características da cultura periférica, como as batalhas de rimas, o Slam (batalha de poesia) e o graffiti, mostrando que existe muita voz ativa e personalidade nestes jovens, bem como a vontade de fazer um mundo melhor de alguma forma. Mas a falta de oportunidades, bem como a falta de políticas públicas, muitas vezes facilitam para que sejam atraídos pela "vida fácil" do crime e tomem caminhos tortos. Também é importante lembrar a forte presença dos indígenas aqui, que mesmo vivendo na cidade e levando uma vida totalmente urbana, não abrem mão de seus costumes e rituais.


O filme flerta com elementos de fantasia em alguns momentos, mas não chega a tirar os pés do chão da realidade, e isso para mim foi um acerto, pois se insistisse em simbolismos talvez perdesse um pouco a sua força como painel social. Com boas atuações, bom roteiro e sobretudo boa direção, Noites Alienígenas é, de fato, merecedor de todos os prêmios conquistados e mais um grande exemplo do nosso cinema contemporâneo.


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