Multipremiado no último Festival de Gramado, Noites Alienígenas é mais um grande exemplo da pluralidade cultural deste país imenso chamado Brasil. Talvez não exista no mundo uma nação que abrigue tantas culturas diferentes dentro de um mesmo território, e o nosso cinema tem sido um grande aliado para revelar e nos mostrar isto. Considerado o primeiro longa filmado inteiramente no Acre, o filme do cineasta Sérgio de Carvalho nos aproxima deste Estado tão distante da região central do país e que geralmente só é lembrado de forma pejorativa, mas que possui uma história riquíssima e uma população pulsante que merece toda a nossa atenção.
O roteiro não possui um protagonista de fato, e seus
vários personagens aparecem homogeneamente, montando um panorama da Rio
Branco contemporânea e seus múltiplos estereótipos. Porém, dá para dizer
que a trama gira em torno de três nomes principais: Rivelino (Gabriel
Knox), Sandra (Gleice Damasceno) e Paulo (Adalino Reis), jovens que
cresceram juntos pelas ruas estreitas de um bairro periférico da capital
e tem as vidas entrelaçadas por uma série de fatores.
Rivelino é
um jovem de dezessete anos que vive com a mãe e ajuda o traficante
local a vender sua droga. Nas horas vagas, gosta de praticar graffiti e
compôr músicas de rap, além de ter encontros com Sandra, que trabalha
como garçonete em um restaurante e precisa criar o filho pequeno
sozinha. Enquanto isso, Paulo, o pai da criança, se tornou cada vez mais
refém das drogas, e chega até mesmo a roubar sua própria mãe para
sustentar o vício, contraindo uma dívida impagável com traficantes de
uma facção. Todos eles possuem um desenvolvimento interessante, e vamos
acompanhando a passos lentos a rotina de cada um, com subtramas muito
bem amarradas.
Junto a eles temos Alê, o traficante para quem
Rivelino trabalha, brilhantemente interpretado por Chico Diaz. Com uma
personalidade "hiponga", citando Raul Seixas e dissertando sobre a
imensidão do universo, ele viu todos esses personagens crescerem, e foge
daquele estereótipo do traficante sanguinário e violento, pois
aparentemente possui um bom coração e um sentimento de proteção com
todos que o rodeiam.
Não, não se trata de uma romantização do crime, mas de mostrar como muitas vezes, principalmente nas periferias das grandes cidades, esta acaba sendo a alternativa "viável" para fugir da miséria. Alê não é nenhum santo, mas possui alguma proximidade com a população local, bem diferente do grupo "forasteiro" que passou a tomar conta do tráfico na cidade. O filme é, antes de mais nada, um retrato da invasão das facções criminosas do sudeste do país em estados do norte, como no próprio Acre, onde houve um aumento significativo na violência e no tráfico de drogas após essa migração.
O roteiro ainda apresenta algumas características da
cultura periférica, como as batalhas de rimas, o Slam (batalha de
poesia) e o graffiti, mostrando que existe muita voz ativa e
personalidade nestes jovens, bem como a vontade de fazer um mundo melhor
de alguma forma. Mas a falta de oportunidades, bem como a falta de
políticas públicas, muitas vezes facilitam para que sejam atraídos pela
"vida fácil" do crime e tomem caminhos tortos. Também é importante
lembrar a forte presença dos indígenas aqui, que mesmo vivendo na cidade
e levando uma vida totalmente urbana, não abrem mão de seus costumes e
rituais.
O filme flerta com elementos de fantasia em alguns momentos, mas não chega a tirar os pés do chão da realidade, e isso para mim foi um acerto, pois se insistisse em simbolismos talvez perdesse um pouco a sua força como painel social. Com boas atuações, bom roteiro e sobretudo boa direção, Noites Alienígenas é, de fato, merecedor de todos os prêmios conquistados e mais um grande exemplo do nosso cinema contemporâneo.
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