sexta-feira, 28 de abril de 2023

Crítica: Raquel 1:1 (2022)


Um gênero que tem ganhado cada vez mais espaço no cinema nacional é o terror, sobretudo o terror psicológico. Raquel 1:1, da diretora Mariana Bastos, é mais um exemplo de filme que usa alegorias e elementos sobrenaturais para criar uma atmosfera sombria, desta vez tendo como pano de fundo uma potente crítica ao modo como a igreja e seus adeptos mais fervorosos enxergam o papel da mulher na sociedade.


O filme acompanha Raquel (Valentina Herszage), uma adolescente que volta com o pai (Emilio de Melo) para a pequena e conservadora cidade do interior onde ele nasceu, com o intuito de iniciarem uma nova vida administrando um pequeno mercado. Existe um certo mistério sobre o porquê deles terem voltado da cidade grande para um lugar tão isolado, e isso vai sendo desvendado aos poucos por algumas lembranças da protagonista, que surgem através de inserções sonoras.

Muito religiosa, Raquel acaba fazendo amizade com um grupo de meninas da igreja evangélica local, algo que lhe ajuda bastante a lidar com um trauma do passado. Com o passar do tempo, a menina começa a questionar algumas coisas que estão escritas na bíblia, principalmente no que diz respeito às mulheres. O roteiro expõe vários trechos da Bíblia que diminuem a mulher e a coloca em papel de submissão total aos homens, o que reforça a ideia que surge em Raquel de que deve haver uma revisão nos escritos sagrados.

 

"Você acha que a mulher deve ser submissa?", pergunta a protagonista para a pastora, e a resposta não é nada amigável. Era evidente que a ideia de repensar o que está escrito na bíblia não iria cair bem na sociedade local, que passa a rechaçar Raquel e chamá-la de herege. Para piorar, começam a atacar pai e filha, primeiro verbalmente, depois com pichações e invasões na casa e no estabelecimento comercial. Nesse sentido, o filme acaba sendo muito eficiente ao mostrar como funciona o fanatismo religioso, onde qualquer questionamento é visto como abominável e "obra do diabo". É realmente interessante ver o incômodo que toma conta dos fiéis apenas por ela tentar trazer uma visão diferente e mais compatível com os dias de hoje.

Estamos falando de um país onde o fanatismo religioso cresce exponencialmente, no mesmo ritmo que cresce o feminicídio, e a ideia da diretora e roteirista Mariana Bastos parece ser justamente trazer à tona essa discussão de como trechos da Bíblia são, muitas vezes, utilizados para legitimar a violência contra mulheres e todo o tipo de preconceito. E o questionamento que Raquel traz é simples: se a Bíblia foi escrita por homens, por que não pode ser atualizada e contextualizada no século XXI também por homens (ou no caso, por uma mulher?).


Apesar da premissa inteligente, senti que o filme não conseguiu se aprofundar tanto quanto deveria nesta questão principal, sobretudo por causa do seu ritmo apressado no ato final. As atuações também não me convenceram muito, assim como os elementos místicos parecem não se encaixar. Apesar destes pontos que coloquei, Raquel 1:1 é um filme que tem como mérito desenvolver uma discussão realmente válida sobre religião e feminismo.

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