terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Meus 15 Filmes Preferidos Lançados no Brasil em 2025

Como acontece todos os anos, chegou a hora de postar aqueles que, para mim, foram os melhores filmes do ano. Antes, porém, começo citando filmes que estão fora da lista final, mas que também merecem atenção com uma menção honrosa: São eles: Better Man: A História de Robbie Williams, de Michael Gracey, Um Completo Desconhecido, de James Mangold, Filhos, de Gustav Moller, Os Enforcados, de Fernando Coimbra, Homem com H, de Esmir Filho, e O Último Azul, de Gabriel Mascaro. Agora sem mais delongas, vamos à lista oficial:

15º Ladrões, de Darren Aronofsky

Ladrões é Darren Aronofsky com cara de Guy Ritchie. Empolgante e, até certo ponto, engraçadíssimo, o filme tem tudo que se espera de um thriller urbano: mafiosos caricatos, planos mirabolantes que dão errado, reviravoltas (muitas) e um ritmo frenético do início ao fim. É uma "bagunça" narrativa, mas que, por incrível que pareça, dá certo. Pode não ser a grande obra-prima do Aronofsky, mas é ágil, divertido e funciona muito bem naquilo que propõe.

14º Foi Apenas um Acidente, de Jafar Panahi


Vencedor da Palma de Ouro em Cannes este ano, Foi Apenas um Acidente apresenta um dilema moral instigante, que fala sobre memória, traumas e cicatrizes do passado. A trama acompanha um grupo que foi torturado na prisão em um passado distante, e que se reencontram ao suspeitar que o algoz das torturas está entre eles. O peso ético da reação de cada um é o que move o filme, em um trabalho que reafirma a coragem de Panahi em expôr as fraturas mais profundas da sociedade iraniana diante de governos tiranos.

13º A Meia-Irmã Feia, de Emilie Blichfeldt

O conto da cinderela na perspectiva da vilã, em um bodyhorror grotesco, escatológico e visceral, que se assemelha muito mais ao conto original dos irmãos Grimm do que a versão suavizada pela Disney. O filme de estreia da diretora Emilie Blichfeldt foi para mim uma enorme surpresa. Blichfeldt não teve receio nenhum em subverter a narrativa do conto, trazendo o ponto de vista da meia-irmã feia de Cinderela, mostrando todos os desafios físicos e mentais que ela enfrenta para tentar ser a escolhida do "príncipe" no baile.

12º Uma Batalha Após a Outra, de Paul Thomas Anderson

Um épico que combina revolução, política e drama familiar, e uma metáfora contundente da América contemporânea. É assim que eu definiria Uma Batalha Após a Outra, filme que marca o retorno de Paul Thomas Anderson aos holofotes após quatro anos. O roteiro, baseado em um livro de Thomas Pynchon, é extremamente vibrante, trazendo perspectivas diferentes de uma mesma história, que basicamente consiste em um grupo de revolucionários que tenta, de maneira transgressiva, reparar injustiças sociais e abalar as estruturas de poder. O grande destaque do filme é uma cena de perseguição em uma auto estrada, com toda certeza a cena mais tensa do ano.

11º Jay Kelly, de Noah Baumbach

Com Jay Kelly, Noah Bamubach presta um claro tributo a todos aqueles que vivem da sétima arte e acompanham suas vidas se entrelaçarem com as histórias que interpretam, encontrando na ficção um reflexo da própria existência. O filme acompanha o ator Jay, que está cada vez sentindo mais o peso do envelhecimento e o descompasso com o mundo ao redor, sensação que piora quando pessoas do passado retornam à sua vida, resgatando memórias boas e ruins.

10º A Vida de Chuck, de Mike Flanagan

Adaptado de um conto homônimo de Stephen King, A Vida de Chuck é uma obra nada convencional e cheia de metáforas, que proporciona inúmeras interpretações e pontos de vista, mas que encanta pela maneira peculiar e particular de abordar questões existenciais da vida humana. A história é contada em três capítulos, que por sua vez são mostrados de trás para a frente. Flanagan nos coloca diante de um cenário apocalíptico, onde o mundo está às vésperas de um apagão generalizado na internet, enquanto mudanças climáticas são responsáveis pela devastação de países inteiros. No meio disso tudo, um homem enigmático de meia-idade chamado Chuck está lutando contra uma doença terminal.

 Nosferatu, de Robert Eggers

Cento e dois anos depois do clássico inigualável de F. W. Murnau, e quarenta e cinco anos após a releitura marcante de Werner Herzog, Nosferatu esteve novamente entre nós. E mais uma vez, em boas mãos. Com uma autenticidade única, e uma assinatura própria que já se tornou marcante em tão pouco tempo de carreira, Robert Eggers nos apresenta sua visão fascinante e ao mesmo tempo horripilante do conde Orlof, sem deixar a essência do original de lado.

8º Flow, de Gints Zilbalodis

O "boom" de Flow aconteceu ainda no fim do ano passado, mas a estreia oficial no Brasil foi apenas em janeiro deste ano, e por isso ele não podia ficar de fora da lista. A animação brilhante, que encantou o mundo e disputou até o prêmio de melhor filme internacional no Óscar, tem uma doçura singular e acompanha a saga de um gatinho preto e seus amigos "incomuns" por um mundo devastado após uma tragédia climática.

7º Frankenstein, de Guillermo Del Toro

Conhecido por suas obras fantasiosas, marcadas por uma estética visual singular e pelo uso de metáforas que expõem as imperfeições humanas em seus extremos, o mexicano Guillermo del Toro encontrou em Frankenstein a história perfeita para expandir o seu universo autoral. O cineasta revisita o clássico de Mary Shelley imprimindo sua assinatura própria, numa combinação de lirismo sombrio, imaginação exuberante e uma profunda empatia por seus monstros, transformando o horror em compaixão, e o grotesco em beleza.

6º O Agente Secreto, de Kléber Mendonça Filho

Conquistando vários prêmios ao redor do mundo desde o seu lançamento em Cannes no mês de maio, e fortemente cotado para estar entre os finalistas no Óscar de 2026, O Agente Secreto foi o grande fenômeno do cinema nacional este ano. Ambientado na Recife dos anos 1970, o filme acompanha um homem que retorna à sua terra Natal após um tempo afastado, afim de recomeçar a vida. No entanto, o passado misterioso continua na sua cola, botando a vida dele e dos familiares em risco. Não é um filme que entrega todas as respostas, mas que fisga o espectador com uma trama instigante. Um thriller policial atemporal e universal.

5º Bird, de Andrea Arnold

A diretora britânica Andrea Arnold tem em Bird o seu melhor filme da carreira. A trama acompanha uma jovem de doze anos que vive com o irmão em uma região suburbana do Reino Unido e que, mesmo diante das dificuldades, nunca deixa de sonhar. O realismo social de Arnold aborda os desafios de uma vida com poucos recursos, sobretudo quando se tem uma família disfuncional e problemática, em um ambiente violento e nada acolhedor.

4º Desconhecidos, de JT Mollner

Um filme que chegou de mansinho, sem alarde, mas que para mim é o melhor suspense do ano. Contado de forma não linear, o roteiro de Desconhecidos (Strange Darling) apresenta diversos pontos de vista de uma mesma história, que vai fazendo o espectador, pouco a pouco, montar junto o quebra-cabeças de um crime. Sim, falando assim parece até mais do mesmo, mas a ruptura com o estilo clássico de narrativa que Mollner propõe brinca com perspectivas de uma maneira que, confesso, não lembro de ter visto igual.

3º A Hora do Mal, de Zach Cregger

Até eu estou surpreendido com um filme de terror entre os meus três preferidos do ano, mas o fato é que A Hora do Mal (Weapons) é realmente diferenciado. Na leva atual de filmes do gênero, ele se sobressai pela originalidade, não somente na questão narrativa, mas também na estética. Zach Cregger criou um clássico moderno, que é cadenciado e misterioso quando precisa ser, grotesco e violento no momento certo, e engraçado sem jamais perder sua seriedade.

2º Memórias de um Caracol, de Adam Elliot

Do mesmo criador do excelente Mary and Max (2009), Memórias de um Caracol é mais uma animação stop-motion comovente de Adam Elliot. O roteiro segue no mesmo campo emocional da obra anterior, trazendo importantes reflexões sobre a vida ao acompanhar uma garota melancólica e desajustada, que tenta encontrar esperanças mesmo diante das dificuldades extremas da vida. Cheio de diálogos espirituosos e metáforas, é um filme singelo e muito sensível, que faz repensar muito na vida.

1º Pecadores, de Ryan Coogler

O meu filme preferido de 2025 é também aquele que mais me surpreendeu. Após muitos burburinhos na internet, fui olhá-lo no cinema com uma boa expectativa, mas sem ler absolutamente nada da história, e essa foi uma escolha certeira, que engrandeceu ainda mais a experiência para mim. Música, história, terror e cultura negra, tudo unido em um roteiro intenso e visceral, que tem em sua virada de chave o ponto máximo do cinema no ano.

Crítica: Tudo o que Resta de Você (2025)


O conflito entre Israel e Palestina é complexo, traumático e de longa data. Todos crescemos acompanhando notícias na televisão, como se se tratasse de uma guerra eterna, fadada a nunca encontrar um desfecho. Desde o fim do século XIX, e de maneira ainda mais brutal a partir da metade do século XX, milhares de famílias tiveram suas vidas atravessadas pela violência, pelo deslocamento forçado e pela perda. Tudo o Que Resta de Você (All That's Left of You) conta a história de uma delas, acompanhando três gerações diferentes que cresceram com a Guerra literalmente na porta de casa.

O filme se inicia em 1948, ano da Nakba, quando forças sionistas, com apoio do Reino Unido, tomam à força extensas regiões da Palestina para a fundação do Estado de Israel. Entre as cidades tomadas pelo judeus está Jaffa, onde Sharif (Adam Bakri) vivia com a família, cultivando laranjas em campos férteis e abundantes. A perseguição sistemática obriga a população muçulmana local a fugir para campos de refugiados na Cisjordânia, dando início a um êxodo que marcaria a história do povo palestino. A família de Sharif parte, mas ele decide ficar para trás, junto de outros homens, na tentativa desesperada de formar uma resistência. Como era de se esperar diante da assimetria de forças, a iniciativa fracassa: Sharif é capturado e enviado a um campo de trabalhos forçados, de onde retorna anos depois, marcado por cicatrizes visíveis e invisíveis.

Trinta anos se passam, e agora o roteiro acompanha os filhos de Sharif já adultos, vivendo na Cisjorânia. O patriarca, por sua vez, permanece apenas fisicamente presente: sua mente parece aprisionada em um passado que nunca deixou de existir. Claramente desorientado, Sharif vive entre silêncios e lapsos de memória que lhe rasgam por dentro. A família sobrevive sob uma falsa sensação de normalidade, já que a cidade onde vivem está submetida a um rígido controle militar, com toques de recolher arbitrários e a constante ameaça de punições severas. A palavra "paz" nunca esteve no vocabulário da família em décadas.

Na segunda metade do filme, o protagonismo recai sobre Salim, filho de Sharif. A narrativa, que antes acompanhava sua formação, avança no tempo para mostrá-lo adulto, casado com Hanan (interpretada pela própria diretora do filme) e trabalhando como professor. No entanto, a tentativa de construir uma vida comum é novamente interrompida pela violência. Em meio a mais um período de tensões militares, uma tragédia atinge o núcleo familiar, desta vez envolvendo Noor (Muhammad Abed Elrahman), filho do casal, um adolescente que desejava apenas viver a juventude como qualquer outro. Porém, a realidade em que a família está inserida nunca foi e nunca será normal.

O ato final, quase estruturado como um epílogo melancólico, acompanha Salim já idoso, retornando a Jaffa após décadas de ausência. O reencontro com a cidade evidencia não apenas as transformações urbanas e arquitetônicas, mas também o apagamento cultural e simbólico de uma história que lhe foi arrancada. Tudo o Que Resta de Você é, por fim, um drama familiar que trata sobre memórias, perdas, identidade e resiliência. Um filme que lembra que, por trás dos números e das manchetes, existem vidas inteiras marcadas por uma ferida que insiste em não cicatrizar, e um povo que, mais uma vez, em pleno 2025, precisa pedir socorro.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

Crítica: Avatar: Fogo e Cinzas (2025)


Em Avatar: Fogo e Cinzas, James Cameron comprova, mais uma vez, que poucos cineastas dominam o espetáculo visual com tamanha grandiosidade. É um desfile de luzes, cores vibrantes e cenários colossais que reafirmam Pandora como um dos universos mais impressionantes já criados no cinema comercial. No entanto, quando falamos de roteiro, o buraco é bem mais embaixo. Se a narrativa nunca foi exatamente o ponto forte da franquia, e isso sempre foi relativamente aceitável, aqui ela atinge seu momento mais preguiçoso. A sensação é a de uma história que anda em círculos, repete fórmulas já exaustas e se recusa a avançar, no capítulo mais fraco da saga até agora.

Se Avatar: O Caminho da Água (2022) apostava em um ritmo mais contemplativo, que mostrava não somente a família Sully se redescobrindo em um novo ambiente, mas também aprofundava a bonita relação do povo Na'vi com os elementos da natureza, em Fogo e Cinzas vemos o extremo oposto. O que temos aqui é uma ação praticamente ininterrupta, do início ao fim, que sufoca qualquer tentativa de desenvolver arcos dramáticos e expandir o universo. A trama inicia de onde parou no filme anterior, mostrando Jake Sully (Sam Worthington) e Neytiri (Zoe Saldana) vivendo entre o povo das águas, onde haviam se refugiado. Após a morte trágica do filho Neteyam na guerra contra os humanos, a família ainda enfrenta um luto profundo, enquanto tenta se reerguer ao lado dos filhos sobreviventes, Kiri (Sigourney Weaver), Lo’ak (Britain Dalton) e Tuk (Trinity Jo-Li Bliss), além do humano Spider (Jack Champion), adotado emocionalmente por eles.

Uma nova ameaça surge com a introdução do chamado “povo das cinzas”, uma tribo Na’vi liderada pela sanguinária Varang (Oona Chaplin). A promessa de novos conflitos, ideias culturais distintas e até de um uso simbólico do fogo, sugerido no título, rapidamente se esvazia quando Cameron decide recorrer novamente ao coronel Miles Quaritch (Stephen Lang), o mesmo algoz dos dois primeiros filmes, reciclando ele para ser o antagonista da história (sim, ele de novo, pela terceira vez). Diante disso, o filme acaba preso aos mesmos cenários, aos mesmos vilões e às mesmas ameaças, criando a incômoda sensação de que estamos assistindo a uma variação pouco inspirada do que já vimos antes. Até mesmo Varang, que poderia trazer frescor e complexidade ao conflito, perde força por carecer de motivações claras e de um desenvolvimento minimamente consistente, servindo apenas como atalho para a volta do vilão humano.

Enquanto, repito, o segundo filme expandia o universo e nos apresentava elementos riquíssimos, o terceiro é apenas mais do mesmo. A estrutura de “caça e caçador” se torna cansativa: o mesmo personagem é perseguido repetidas vezes, escapa em todas, apenas para ser caçado novamente logo em seguida. E assim, sucessivamente, em um clico de perseguição e fuga sem fim, que só mostra uma escassez de ideias problemática. Soma-se a isso o artifício também cansativo de colocar vilão e herói frente a frente inúmeras vezes, com a morte de um deles iminente, mas sempre sendo adiada apenas para que o conflito continue sendo explorado até o limite da exaustão.

A expectativa de uma abordagem mais complexa sobre a existência de diferentes tribos dentro de Pandora é frustrada: o povo das cinzas se resume quase exclusivamente à figura de Varang, que, por sua vez, carece da profundidade necessária para sustentar o peso simbólico que lhe é atribuído. Também soa desgastante o arco de Kiri e sua relação com Eywa, a "Deusa" do povo Na'vi, que inclusive chega a aparecer fisicamente em uma passagem recheada de misticismo. Os diálogos são os mais rasos até então dentre todos os filmes, e algumas passagens se tornam extremamente cafonas por conta disso.

Por fim, Avatar: Fogo e Cinzas impressiona os olhos, mas decepciona a mente. É um espetáculo técnico inegável, porém narrativamente vazio, que aposta na grandiosidade visual para mascarar uma história que não sai do lugar. Cameron continua sendo um mestre da forma, mas aqui parece ter perdido o controle do conteúdo, e pela primeira vez na franquia isso pesa mais do que o deslumbre, o que preocupa e muito em relação ao que vem pela frente.

Crítica: A Única Saída (2025)


Candidato da Coreia do Sul no Óscar de Melhor Filme internacional, A Única Saída (No Other Choice) é um Park Chan-wook mais divertido do que nunca. O diretor, conhecido por histórias perturbadoras de vingança como Old Boy (2003), Lady Vingança (2005) e A Criada (2016), retorna às telas com uma sátira social afiada sobre um homem que está disposto a tudo para manter não somente o seu emprego, mas acima de tudo o status e o padrão de vida que construiu ao longo de décadas.

A trama acompanha Man-su (Lee Byung-hun), um homem que leva uma vida confortável de classe média alta, onde consegue dar tudo que pode para a esposa e os filhos pequenos. Trabalhando há 25 anos na mesma fábrica de papel, ele tem um cargo de destaque, que sustenta essa estabilidade. No entanto, de um dia para o outro, a empresa é adquirida por um grupo norte-americano, que sem cerimônia, promove uma demissão em massa. E para o desespero de Man-su, ele está na lista de corte.

Subitamente desempregado, e tendo apenas o dinheiro da rescisão para viver por alguns poucos meses, Man-su precisa recalcular a vida. A matemática é implacável: será necessário mudar radicalmente os hábitos da família até que uma nova oportunidade surja no mercado de trabalho. Embora todos precisem se adaptar à nova realidade, ninguém parece realmente disposto a abrir mão das mordomias. Mi-ri (Son Ye-jin), a esposa, que até então se dedicava exclusivamente aos afazeres domésticos, chega a procurar emprego para ajudar a manter a casa. O verdadeiro ponto de ruptura, porém, acontece quando o casal percebe que precisará deixar para trás a casa que sempre foi o grande sonho pessoal de Man-su. A partir de então, ele não será mais o mesmo.

A perda do padrão de vida intensifica o desespero do protagonista, agravado pela dificuldade em encontrar uma vaga na área em que atuava. É nesse momento que o filme abraça de vez o absurdo: decidido a extrapolar todos os limites do racional, Man-su elabora um plano delirante para eliminar, no sentido mais literal possível, qualquer concorrente que possa cruzar seu caminho, tornando-se, assim, a única opção restante para a vaga que tanto almeja.

O humor do filme é contagiante, mas jamais soa forçado. As gargalhadas surgem tanto das atitudes impensadas e frequentemente desastradas do protagonista quanto das reações perplexas dos personagens que cruzam sua trajetória. É uma típica comédia de erros, mas com aquele ar exagerado do cinema coreano (e aqui não falo de forma depreciativa, pois aqui tudo encaixa perfeitamente). No centro de tudo está Lee Byung-hun, em uma performance magnética, que transita com precisão entre o drama e o cômico, sem nunca perder o controle do personagem.

A dedicatória final a Costa-Gavras reforça o diálogo direto com O Corte (2003), filme do diretor grego que já havia adaptado o mesmo romance de Donald Westlake. Embora compartilhem a mesma premissa e essência, os dois longas seguem caminhos distintos: enquanto Costa-Gavras opta por um humor mais seco e melancólico, Chan-wook abraça a sátira escancarada e o riso desconfortável. Em comum, ambos constroem um retrato cruel e irônico do capitalismo contemporâneo, expondo até que ponto a lógica do mercado pode corroer qualquer noção de ética e de humanidade.

terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Crítica: Vivo ou Morto: Um Mistério Knives Out (2025)


Não sou um entusiasta da saga Knives Out, criada por Rian Johnson, e acho os dois primeiros filmes até mesmo sem graça, para falar a verdade. No entanto, preciso dar o braço a torcer: neste terceiro capítulo da franquia, que recebeu o nome de Vivo ou Morto (Wake Up Dead Man), Johnson acertou em cheio. O tom do suspense segue o mesmo, mas a trama, que desta vez tem a igreja católica como pano de fundo, é concebida de uma forma muito mais organizada e instigante que nos filmes anteriores, o que faz com que as reviravoltas se tornem muito mais orgânicas e, sobretudo, envolventes.

A trama traz de volta o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig), que desta vez é convocado para investigar um crime ocorrido em uma pequena cidade interiorana. O ponto central é a morte de um religioso poderoso, que se considera quase como um "Deus" na Terra, e tem seus seguidores mantidos na linha dura,numa relação que se assemelha a de uma seita. Interpretado com imponência por Josh Brolin, Jefferson Wicks se vê ameaçado quando um padre mais novo, interpretado por Josh O'Connor, chega ao local para compartilhar as missas, trazendo uma visão mais moderna e menos autoritária da fé. A "disputa de território" entre os dois cria uma rixa interna na igreja, que culmina na morte do sacerdote mais velho.

De maneira óbvia, o principal suspeito acaba sendo o padre recém chegado. No entanto, o detetive Blanc rapidamente percebe que a solução não é tão simples e que o jovem religioso talvez seja o personagem menos culpado de toda a história. Logo, todos os membros da igreja passam a figurar como potenciais suspeitos. Entre eles temos um médico recém-separado (Jeremy Renner), um youtuber polêmico (Daryl McCormack) e sua irmã (Kerry Washington), uma jovem violoncelista que possui uma doença que dificulta sua mobilidade (Caille Spaeny), um escritor em crise que está escrevendo a biografia de Wicks (Andrew Scott) e por fim Martha (Glenn Close), uma presença quase fantasmagórica que acompanhou o crescimento da igreja local desde os primórdios e conhece todos os segredos escondidos por trás de suas paredes silenciosas.

Rian Johnson dedica bastante tempo de tela à apresentação desses personagens, permitindo que suas motivações e contradições emerjam com calma. O mistério, assim, se constrói como um quebra-cabeça, onde o espectador é convidado a montar as peças junto com o detetive. E se eu sempre critiquei as atuações do Daniel Craig, aqui novamente preciso dar um passo atrás e reconhecer que finalmente o ator encontrou o tom certo para o personagem, equilibrando excentricidade e sagacidade sem exageros. 

Ainda assim, o grande destaque do filme é Josh O’Connor, que confirma o excelente momento de sua carreira. Sua atuação confere camadas de ambiguidade moral e humanidade ao padre jovem, tornando-o uma figura central não apenas para o mistério, mas também para os dilemas éticos que o filme propõe, principalmente em discussões árduas com o próprio Blanc, um ateu convicto, sobre os "desígnios" de Deus e os rumos da igreja católica.

É inegável que Vivo ou Morto acaba sendo o capítulo mais maduro e interessante da franquia até agora. Além de uma narrativa mais coesa e empolgante, o filme se destaca pelo apuro visual, com uma direção que explora a arquitetura da igreja e os espaços fechados como extensões do próprio mistério, reforçando a sensação constante de opressão. O resultado é um trabalho mais sóbrio, e mais interessado em discutir os temas que traz à tona, o que faz deste terceiro capítulo não apenas um bom entretenimento, mas um avanço real dentro da série de filmes.

Crítica: O Bom Bandido (2025)


Quase dez anos após seu último longa-metragem, o cineasta Derek Cianfrance (de Namorados para Sempre e O Lugar Onde Tudo Termina) retorna às telas com O Bom Bandido (Roofman), filme inspirado em uma história real que transita com surpreendente leveza entre o drama moral, a comédia e até mesmo o romance. O resultado é uma obra que conquista menos pela engenhosidade de sua trama e mais pelo carisma irresistível de seu protagonista.


O filme conta a história de Jeffrey Manchester (interpretado por Channing Tatum), um veterano do exército americano que no final dos anos 1990 ficou conhecido nos noticiários como "Roofman" (o homem do telhado, em uma tradução literal). Jeffrey cometeu dezenas de assaltos em redes de fast food como Mc Donald's e Burguer King, sempre entrando pelo telhado dos estabelecimentos. Apesar de apontar uma arma para os funcionários e clientes dos locais, ele tinha uma característica que ficou marcada: era sempre gentil e educado com todas as vítimas, o que conferiu uma fama curiosamente ambígua a ele.

Após ser capturado pela polícia e condenado a 45 anos de prisão, ele usa toda sua inteligência e astúcia para fugir do local, e decide se esconder em uma enorme loja de brinquedos. Durante o dia, permanece oculto em meio ao caos do comércio, e à noite, percorre livremente seus corredores vazios, como se estivesse suspenso entre dois mundos. É nesse limbo que ele conhece Leigh (Kirsten Dunst), uma mãe solo de duas filhas que é funcionária do local. Sob a identidade falsa de John, Jeffrey se aproxima dela, constrói um vínculo afetivo com as crianças, passa a frequentar a igreja que Leigh congrega e, por um breve período, experimenta a ilusão de uma vida comum, aquela que sempre desejou, mas nunca soube como alcançar.

A grande força do filme está na construção de seu protagonista. Ainda que não haja qualquer tentativa de justificar a entrada para o mundo do crime, Cianfrance opta por observar Jeffrey com empatia, explorando suas contradições internas. Sem recursos financeiros e emocionalmente perdido, ele acredita estar fazendo o melhor possível para oferecer uma vida digna à filha e tentar salvar um casamento já condenado. Há, nesse impulso, algo de genuinamente humano, ainda que profundamente equivocado, e suas escolhas vem acompanhadas de perdas irreversíveis, reforçando o caráter trágico de sua jornada.


A proposta do enredo, para funcionar, precisava de um ator carismático e com capacidade para dar conta das contradições do personagem, e Channing Tatum acaba sendo o nome certo. O roteiro, embora recorra a certas conveniências narrativas, funciona naquilo que se propõe.. Por fim, O Bom Bandido é, ao mesmo tempo, o retrato de um criminoso improvável e uma reflexão melancólica sobre família, solidão e arrependimentos. Uma grata surpresa no ano.

Os 10 Filmes que Mais me Decepcionaram em 2025

Como o próprio título já adianta, este lista contém aqueles filmes lançados no Brasil em 2025 ao qual eu esperava alguma coisa, seja pelos burburinhos no lançamento, seja pelos nomes envolvidos na produção, e que no final me deixaram bastante decepcionado. Segue ela:

10º Morra, Amor, de Lynne Ramsay

Muita expectativa se criou em torno deste filme, principalmente depois de Jennifer Lawrence ter tido sua atuação bastante elogiada no último Festival de Cannes. De fato, a atriz está muito bem no papel de uma mulher desequilibrada e paranoica (parece que ela nasceu pra fazer personagens assim). Porém, todo o resto é uma desordem completa, começando pelo roteiro, que não deixa claro suas intenções. Descartável, e facilmente esquecível.

9º O Macaco, de Oz Perkins

Oz Perkins chamou a atenção de todos no ano passado com o excêntrico Longlegs, e a expectativa para O Macaco acabou sendo grande, sobretudo por se tratar da adaptação de um conto de Stephen King. Infelizmente, o resultado na tela foi um fracasso. Um filme que não sabe se quer ser terror ou comédia, e mistura os dois gêneros de forma bagunçada.

8º Mickey 17, de Bong Joon-ho

É realmente uma pena ter o nome de Bong Joon-ho nesta lista, mas o fato é que desta vez o cineasta sul-coreano errou, e errou feio. Depois de vários adiamentos, finamente saiu do papel Mickey 17, que prometia ser a volta triunfante do diretor de Parasita para as telas. Mas o que se viu foi uma ficção científica recheada de situações caricatas, e que no fim de tudo deixa um enorme sentimento de frustração.

7º Código Preto, de Steven Soderbergh

O prêmio de suspense completamente descartável do ano vai para Código Preto, do veterano Steven Soderbergh. A trama de espionagem, no papel, parece ser extremamente intrigante, mas na prática, não funciona em momento algum, nem mesmo com um elenco de peso envolvido, com nomes como Cate Blanchet e Michael Fassbender.

6º Maria Callas, de Pablo Larraín

Depois de filmar as histórias de Pablo Neruda, de Jackie Kennedy e da princesa Diana, o chileno Pablo Larraín continua sua saga pelas cinebiografias, desta vez contando a história da cantora Maria Callas, uma das sopranos mais famosas do século XX. No entanto, o que temos em tela é um filme bastante modorrento, e uma atuação forçada ao extremo da atriz Angelina Jolie, que não consegue ser crível em momento algum.

5º A Luz, de Tom Tykwer

Responsável por obras já consagradas, como Corra, Lola, Corra (1998), Perfume - A História de um Assassino (2006) e A Viagem (2012), o cineasta alemão Tom Tykwer errou feio a mão com A Luz, filme que abriu o ultimo Festival de Berlim, e que por sinal foi completamente rechaçado na sessão. Não é para menos, o filme tenta fazer várias críticas à sociedade moderna, mas empaca na confusão de ideias, que não são claras e se embaralham em um roteiro indigesto e confuso.

4º Babygirl, de Halina Reijn

Babygirl é um filme que prometia ser ousado, mas teve medo da sua própria ousadia e acabou sendo apenas mais um filme genérico e sem sal. Uma tentativa de drama com pitadas de um thriller erótico, e que não consegue acertar em nenhum dos gêneros que aposta. Personagens sem carisma e colocados em situações que beiram o ridículo, em um roteiro completamente entediante.

3º Eddington, de Ari Aster

Eu costumava dizer que Ari Aster era um diretor que dividia opiniões, mas depois de Beau Tem Medo, e agora principalmente após Eddington, acho que ele não divide mais: todos concordam que ele se perdeu na sua própria prepotência artística. Aster parece não saber mais como aproveitar toda a liberdade narrativa que ganha em seus filmes, e mais uma vez apresenta um roteiro insosso, repleto de sátiras sociais confusas e exageradas, e uma paranoia caótica sem propósito.

2º O Esquema Fenício, de Wes Anderson

O estilo cinematográfico singular de Wes Anderson já cansou há muito tempo. Não é de hoje que seus filmes se tornaram enfadonhos, se preocupando demais com a estética e com nomes renomados no elenco, e deixando de lado o que realmente importa: o enredo. Chato, entediante e repetitivo, Esquema Fenício é mais uma grande decepção do diretor.

1º Honey, Não!, de Ethan Coen

Honey, Não! é mais um desastre na carreira solo de Ethan Coen, depois do também terrível Bonecas em Fúria (2024). Desde que passou a fazer seus próprios filmes, sem a parceria do irmão Joel, Ethan não acertou uma sequer. Com um tom de comédia abestalhado, o filme é um emaranhado de situações vexatórias, e coloca o nome do diretor pelo segundo ano seguido na lista dos piores filmes que assisti.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Crítica: A Melhor Mãe do Mundo (2025)


A coragem de uma mulher vítima de violência doméstica, que resolve finalmente denunciar o agressor, mesmo que a sua vida e a de seus filhos mude do avesso. É sobre isso que fala A Melhor Mãe do Mundo, novo filme da diretora Anna Muylaert (de Que Horas Ela Volta?), que novamente traz uma forte personagem feminina como centro da narrativa.


A trama inicia com Maria da Graça (Shirley Cruz), conhecida como Gal, dentro de uma delegacia da polícia civil, em um dos momentos mais difíceis de sua vida: ela quer solicitar uma medida protetiva contra seu companheiro, Leandro (Seu Jorge), após mais uma agressão física sofrida dentro de casa. Mesmo envergonhada, e até mesmo se sentindo culpada por estar fazendo isso, ela está decidida a seguir em frente, já que a situação em casa chegou no limite do tolerável.

Catadora de materiais recicláveis, Maria deixa para trás a casa onde vivia com os dois filhos pequenos, puxando sua carrocinha pelas ruas de São Paulo. Porém, com a intenção de disfarçar a dolorosa situação aos filhos, ela resolve fingir que eles estão em aventura, "acampando" pelas ruas da cidade, numa maneira de suavizar para os pequenos o drama vivido. O objetivo é chegar até a casa de uma prima, que mora do outro lado da cidade, numa travessia física que espelha o percurso emocional da protagonista.


Um dos maiores acertos de Muylaert é recusar qualquer idealização. A Melhor Mãe do Mundo não se constrói como uma fábula edificante, tampouco transforma Gal em símbolo ou heroína. Ela é forte e combativa, mas também é falha, contraditória e vulnerável. Uma delas é perdoar o marido quando ele consegue encontrá-los após a fuga de casa. Essa complexidade se evidencia quando, após ser encontrado pelo marido, Gal vacila e acaba cedendo. O filme, então, expõe com crueza o dilema moral enfrentado por mulheres em relações abusivas: mesmo independentes e conscientes da violência que sofrem, muitas permanecem presas a vínculos afetivos inexplicáveis, frequentemente marcados pelo medo, pela dependência emocional e pela esperança de mudança.

Não há julgamento por parte da direção, apenas a exposição de uma realidade dura, dolorosa e frequentemente incompreensível para quem observa de fora. Muylaert filma esse retorno com sobriedade, evitando explicações fáceis ou discursos didáticos, apostando na ambiguidade emocional da personagem. Nesse contexto, a presença de Leandro ganha contornos ainda mais perturbadores graças à atuação de Seu Jorge. O ator constrói um personagem passivo-agressivo, que alterna ameaças veladas e apelos sentimentais, manipulando Gal com uma falsa fragilidade. Sua performance evita caricaturas e torna o agressor ainda mais inquietante, justamente por sua aparente normalidade. Shirley Cruz também tem uma presença inquietante em cada cena, bem como as crianças, que juntas trazem uma fluidez elogiável.


Por fim, A Melhor Mãe do Mundo se afirma como um filme profundamente humano, interessado em compreender os mecanismos invisíveis que mantêm tantas mulheres presas a ciclos de violência. O resultado é um retrato sensível e incômodo de uma maternidade atravessada pelo medo, pela sobrevivência e pela dignidade possível. Anna Muylaert reafirma, assim, seu cinema atento às desigualdades sociais e às subjetividades femininas, entregando uma obra necessária, desconfortável e urgente.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Crítica: O Filho de Mil Homens (2025)


Adaptação do livro homônimo escrito pelo português Valter Hugo Mãe, O Filho de Mil Homens é o projeto mais audacioso do diretor Daniel Rezende, conhecido pelo excelente Bingo, O Rei das Manhãs (2017). Trazer esta história fragmentada e de grande carga emocional para as telas não era uma tarefa simples, mas Rezende se mostrou à altura do desafio, conseguindo manter a essência do livro ao explorar com sensibilidade a solidão e as dores dos seus personagens, e como os afetos humanos podem, paradoxalmente, curar e fortalecer o sentimento de pertencimento.


Contada em capítulos, a trama inicia nos apresentando a Crisóstomo (Rodrigo Santoro), um pescador que vive recluso, sem manter contato com nenhum outro morador do vilarejo onde vive. Além da melancolia que permeia sua existência, ele carrega dentro de si uma dor muito particular: a de nunca ter sido pai, um sonho que nunca chegou perto de se concretizar. O destino, por um mero acaso, coloca Camilo (Miguel Martines), um menino órfão, no seu caminho. A relação entre os dois se torna o eixo que move o restante do filme, dando início a uma rede afetiva que vai se ampliando ao longo do filme com o adendo de outros personagens.

Uma das personagens que se junta aos dois é Isaura (Rebeca Jamir), uma mulher que está fugindo de um casamento arranjado pela mãe com Antonino (Johnny Massaro), um jovem que, por sua vez, também carrega um fardo de repressão: sua verdadeira orientação sexual é negada pela rígida estrutura familiar, sendo este, inclusive, o motivo pelo qual ele foi forçado a casar com Isaura. Agora eles se unem, mas não pelo amor carnal, e sim pelo afeto de duas pessoas que, de forma fraternal, precisam preencher os vazios internos deixados por aqueles que mais deveriam acolhê-los. Junto a estes quatro personagens principais, temos vários outros secundários que tem grande peso emocional da história, como Francisca (Juliana Caldas), uma mulher com nanismo que sofre com a solidão e com o preconceito dos demais por sua condição, e que tem sua história fortemente interligada com os demais através do tempo.


O roteiro não segue uma linha temporal linear, o que poderia facilmente cair no risco da confusão, mas a habilidade do diretor em tecer as narrativas paralelas e cruzadas faz com que o espectador, ao longo do filme, consiga montar um delicado quebra-cabeça emocional. A combinação de trechos poéticos, que muitas vezes são também duros e melancólicos, com atuações sensíveis e silêncios contemplativos, confere ao filme uma profundidade rara no cinema atual. Por fim, O Filho de Mil Homens é uma obra sobre as complexas formas de amor e afeto, que nos leva a refletir sobre o que significa ser realmente visto, compreendido e amado.