quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Crítica: Jay Kelly (2025)


"Filmes são fragmentos de tempo", diz o protagonista em determinado momento. De certa maneira, é sobre isso que trata Jay Kelly, novo trabalho do diretor Noah Baumbach (de Histórias de um Casamento e Frances Ha), que apresenta um claro tributo a todos aqueles que vivem da sétima arte e acompanham suas vidas se entrelaçarem com as histórias que interpretam, encontrando na ficção um reflexo da própria existência.


A trama acompanha o personagem-título, Jay Kelly (George Clooney), um veterano ator de cinema que está participando das gravações de mais um filme na carreira. Enquanto ele se preocupa com as coisas que envolvem sua atuação, como suas falas e seus gestos em cena, Ron Sukenick (Adam Sandler), seu agente, corre por trás para administrar toda a parte burocrática da carreira, como cuidar da agenda corrida e apagar "incêndios" que surgem a todo momento. Apesar de seguir na ativa, Jay está cada vez sentindo mais o peso do envelhecimento e o descompasso com o mundo ao redor, e isso se intensifica ainda mais com a morte de Peter Schneider, cineasta com quem trabalhou no passado e com quem ele manteve uma profunda amizade. Schneider, esquecido pela indústria após alguns fracassos nos anos 80, torna-se um espelho melancólico de quem já viveu a glória e passou seus últimos anos encarando o esquecimento.

No enterro de Schneider, Jay reencontra figuras que ele não via há muitos anos, como Tim (Billy Crudup), que largou a carreira de ator após perder um papel em uma audição justamente para Jay, quando os dois ainda eram amigos na juventude. Durante o diálogo, descobrimos que na verdade Jay "roubou" não somente a carreira de Tim, mas também sua namorada, o que até hoje causa raiva em Tim. O encontro, carregado de ressentimento, escancara o dinamismo cruel da indústria e mostra como as relações pessoais se entrelaçam com a competição profissional, e funciona como gatilho para Jay reavaliar sua trajetória e embarcar numa viagem de autodescoberta pela Europa.


Por meio de flashbacks, muito bem elaborados por sinal, com um Jay sendo quase um espectador de sua própria vida, Baumbach costura presente e passado, revisitando o início da carreira do personagem, e tudo que ele abriu mão para alcançar o sucesso. Porém como tudo na vida, isso teve seu preço, e hoje Jay vive com remorso por ter se dedicado demais à carreira e deixado de lado algo importante e que não tem preço: a família. O filme encontra um de seus momentos mais contundentes quando ele reencontra uma das filhas e lê uma carta escrita por ela ainda criança, um bilhete que questiona como Jay podia ser um bom pai na tela, se na vida real mal estava presente. É uma ferida antiga que reaparece com delicadeza e precisão.

O roteiro também reserva espaço para aprofundar o arco de Ron, o agente que passou dezesseis anos ao lado de Jay, sacrificando vida pessoal, casamento e qualquer noção de tempo livre. Hoje, já distante da juventude, ele enxerga as renúncias com certo arrependimento, mas também com a serenidade de quem sabe que faria tudo de novo. Suas tentativas de manter contato com a esposa (Greta Gerwig), mesmo sempre ocupado, ganham contornos de uma solidão silenciosa, tão comum na engrenagem do entretenimento.


Com um senso de humor irônico e singular, Baumbach constrói um filme que funciona também como um tributo sutil à carreira de George Clooney. Isso se intensifica nos minutos finais, quando imagens de diversos filmes do ator são projetadas durante uma homenagem que Jay Kelly recebe em um grande cinema na Itália. É um gesto que mistura ficção e realidade, e que encerra o filme com a sensação de que, ao falar de um artista fictício, Baumbach está também revisitando o próprio cinema e as marcas que o tempo deixa em quem vive dele.

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