A maternidade sempre foi uma ideia romantizada, tratada quase como um destino natural para todas as mulheres. Porém, nos últimos anos, este imaginário tem sido tensionado por debates cada vez mais abertos, impulsionados por mulheres que se sentem mais livres para recusar a pressão social e familiar de ter filhos. Porque, embora o amor materno seja profundo e inigualável, ele não elimina o peso de uma rotina que pode se tornar exaustiva, especialmente quando a mulher é deixada sozinha contra um mundo que parece nunca desacelerar. No cinema, alguns trabalhos recentes abordaram o tema com muita sensibilidade, como A Filha Perdida (2021), Tully (2018) e o impactante Daisy Diamond (2007), e If I Had Legs I'd Kick You, da diretora Mary Bronstein, é mais uma obra que mergulha nesse território.
A trama acompanha Linda (Rose Byrne), uma terapeuta que atravessa um verdadeiro período de provação. Sua filha pequena está enfrentando uma doença que exige alimentação por sonda e cuidados contínuos, o que prende Linda a uma rotina de vigilância ininterrupta. Mas a vida além da maternidade não para: ela precisa ser atenciosa com seus pacientes, lidar com um marido física e emocionalmente ausente, e ainda enfrentar um enorme vazamento no teto da própria casa, que obriga mãe e filha a se mudarem momentaneamente para um hotel. A cada novo problema que se acumula, mais evidente se torna a ausência de qualquer rede de apoio. Linda precisa, literalmente, lidar com tudo sozinha, e mesmo sendo organizada e diligente, vê sua energia se esgotar diante de um cotidiano que parece sempre um passo além da sua capacidade.
Ainda que a direção opte por utilizar elementos surreais na narrativa, a trama tem o pé no chão no cenário realista. Uma escolha particularmente curiosa, e eficaz, é a de não mostrar o rosto da menina, apenas fragmentos: bracinhos e pernas que balançam, uma orelha atenta à canção improvisada pela mãe antes de dormir, uma mão estendida à espera de afeto. Tudo o que temos, de fato, é sua voz doce e afetuosa. Essa decisão afasta o espectador de uma comoção fácil e evita transformar a criança em objeto de piedade. O marido (Christian Slater), que trabalha longe e também só aparece por voz, surge sempre fazendo cobranças duras ao telefone, como se o que Linda fizesse dentro do "olho do furacão" nunca fosse o suficiente.
A ausência em tela dos personagens secundários faz com que Linda seja o grande centro das atenções, com a câmera sempre focada em seu rosto e suas expressões, o que exige muito de Rose Byrne, que brilha no papel. Seu prêmio de melhor atuação no último Festival de Berlim foi justíssimo, e não me surpreenderia de vê-la sendo destaque em demais premiações nestes próximos meses. Linda naturalmente ama sua filha, e justamente por isso, sente culpa quando pensamentos indesejados emergem, como o desejo de não ter sido mãe. É uma contradição dolorosa, mas muito humana. E diante da rotina sufocante, esses pensamentos só encontram espaço para serem verbalizados à frente de seu terapeuta, interpretado por Conan O'Brien. Por fim, If I Had Legs I'd Kick You é um filme sobre sobreviver enquanto tudo ao redor desaba, por dentro e por fora. Mary Bronstein evita qualquer idealização e entrega o retrato cru de uma mulher como tantas milhares ao redor do mundo, que segue adiante não por heroicidade, mas porque não existe outra alternativa senão continuar sendo forte.



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