sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Crítica: Valor Sentimental (2025)


Depois do extraordinário A Pior Pessoa do Mundo (2021), o norueguês Joachim Trier alcançou um novo patamar em sua carreira e passou a carregar expectativas cada vez maiores sobre seus trabalhos seguintes. Quatro anos depois, ele retorna às telas com Valor Sentimental (Sentimental Value), um drama familiar ovacionado no último Festival de Cannes, que atravessa gerações de uma mesma família para refletir sobre luto, memória e as cicatrizes emocionais que nos acompanham por toda a vida.


O filme abre com uma narração em off, que conta a história da casa da família Borg através de uma redação escrita pela filha mais nova. Nesse prólogo, a casa assume quase o papel de protagonista, testemunha silenciosa do crescimento das meninas Nora e Agnes, mas também do lento desmoronamento da família após o divórcio dos pais. Décadas mais tarde, é a morte da mãe das irmãs que desencadeia o reencontro com o pai, Gustav Borg (Stellan Skarsgard), ausente desde que deixara o lar.

Agora um cineasta consagrado, Gustav aproveita a ocasião para convidar Nora, hoje uma atriz de teatro reconhecida, a protagonizar seu novo filme, em um papel que, segundo ele, foi escrito especialmente para ela. Seu plano é filmar justamente na antiga casa da família, numa tentativa de transformar em criação artística as memórias guardadas (e muitas vezes enterradas) naquele espaço. Nora, porém, não está pronta para perdoá-lo tão facilmente e recusa o projeto, que acaba sendo assumido pela atriz norte-americana Rachel Kemp (Elle Fanning). A recusa de Nora não é profissional, mas emocional: uma resistência quase instintiva à ideia de permitir que o pai converta em arte a dor que ele mesmo provocou ao se ausentar por anos.

Renate Reinsve, que despontou para o mundo no filme anterior de Trier, comprova aqui que sua ascensão meteórica não foi um mero acaso. Ela entrega mais uma vez uma personagem complexa, cheia de conflitos internos e movida por silêncios que dizem tanto quanto suas falas. Ao mesmo tempo, Stellan Skarsgard compõe um Gustav ambíguo, carismático e frágil, cuja sensibilidade artística convive com a incapacidade emocional de assumir suas falhas como pai. Já Elle Fanning surge como uma espécie de contraponto luminoso: sua personagem, Rachel Kemp, encarna o olhar externo, alguém que mergulha naquela história sem saber dos traumas que pesam sobre ela.


Em termos formais, o roteiro reafirma o que já sabemos sobre Trier: sua habilidade de equilibrar leveza e profundidade, humor e dor. A direção aposta em pequenos gestos, silêncios e memórias fragmentadas que, aos poucos, constroem um mosaico emocional complexo. Ao mesmo tempo, insere pequenos alívios cômicos, como a cena em que Gustav dá alguns DVD's para o neto pequeno com histórias adultas como Irreversível de Gaspar Noé, ou ainda quando ele precisa participar de uma desastrosa entrevista, marcada pela financiadora do seu filme, a Netflix (que tem sua maneira de fazer negócios explicitamente criticada). Por fim, Valor Sentimental perde um pouco o ritmo na parte final, mas não deixa de ser um filme interessantíssimo, e um verdadeiro estudo sobre a própria natureza do cinema: essa arte que tenta capturar o que escapa, que transforma dor em imagem, e que acima de tudo eterniza lembranças.

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