Adaptação do livro homônimo escrito pelo português Valter Hugo Mãe, O Filho de Mil Homens é o projeto mais audacioso do diretor Daniel Rezende, conhecido pelo excelente Bingo, O Rei das Manhãs (2017). Trazer esta história fragmentada e de grande carga emocional para as telas não era uma tarefa simples, mas Rezende se mostrou à altura do desafio, conseguindo manter a essência do livro ao explorar com sensibilidade a solidão e as dores dos seus personagens, e como os afetos humanos podem, paradoxalmente, curar e fortalecer o sentimento de pertencimento.
Contada em capítulos, a trama inicia nos apresentando a Crisóstomo (Rodrigo Santoro), um pescador que vive recluso, sem manter contato com nenhum outro morador do vilarejo onde vive. Além da melancolia que permeia sua existência, ele carrega dentro de si uma dor muito particular: a de nunca ter sido pai, um sonho que nunca chegou perto de se concretizar. O destino, por um mero acaso, coloca Camilo (Miguel Martines), um menino órfão, no seu caminho. A relação entre os dois se torna o eixo que move o restante do filme, dando início a uma rede afetiva que vai se ampliando ao longo do filme com o adendo de outros personagens.
Uma das personagens que se junta aos dois é Isaura (Rebeca Jamir), uma mulher que está fugindo de um casamento arranjado pela mãe com Antonino (Johnny Massaro), um jovem que, por sua vez, também carrega um fardo de repressão: sua verdadeira orientação sexual é negada pela rígida estrutura familiar, sendo este, inclusive, o motivo pelo qual ele foi forçado a casar com Isaura. Agora eles se unem, mas não pelo amor carnal, e sim pelo afeto de duas pessoas que, de forma fraternal, precisam preencher os vazios internos deixados por aqueles que mais deveriam acolhê-los. Junto a estes quatro personagens principais, temos vários outros secundários que tem grande peso emocional da história, como Francisca (Juliana Caldas), uma mulher com nanismo que sofre com a solidão e com o preconceito dos demais por sua condição, e que tem sua história fortemente interligada com os demais através do tempo.
O roteiro não segue uma linha temporal linear, o que poderia facilmente cair no risco da confusão, mas a habilidade do diretor em tecer as narrativas paralelas e cruzadas faz com que o espectador, ao longo do filme, consiga montar um delicado quebra-cabeça emocional. A combinação de trechos poéticos, que muitas vezes são também duros e melancólicos, com atuações sensíveis e silêncios contemplativos, confere ao filme uma profundidade rara no cinema atual. Por fim, O Filho de Mil Homens é uma obra sobre as complexas formas de amor e afeto, que nos leva a refletir sobre o que significa ser realmente visto, compreendido e amado.



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