O diretor e roteirista Pedro Almodóvar está, junto com Luis Buñuel e Carlos Saura, no rol dos principais diretores de todos os tempos do cinema Espanhol. Nascido na cidade de Calzada de Calatrava, desde criança ele era apaixonado por cinema. Já na adolescência, frequentou compulsivamente os cinemas da cidade de Cáceres, onde foi morar com a família. Devido a situação financeira precária, nunca conseguiu fazer um curso na área, mas aos 16 anos se mudou sozinho para Madrid com o projeto concreto de aprender na prática a fazer seus próprios filmes.
Almodóvar trabalhou 12 anos como assistente administrativo na companhia telefônica nacional, e foi de fato onde ele teve sua verdadeira educação. Durante as manhãs, tinha contato com um classe social em que ele não teria conhecido diante de outras circunstâncias: a classe média espanhola, com seus dramas e misérias. Uma mina de ouro para um futuro contador de estórias.
Durante as tardes e noites livres, escreveu suas próprias estórias, algumas delas publicadas em revistas alternativas da época. Isso até se juntar ao grupo de teatro independente "Los Gollardos", onde fez seus primeiros filmes em Super-8. Nesse período, Almodóvar chegou até ser membro de um grupo de punk-rock, chamado "Almodovar e McNamara".
Após um ano e meio de difíceis filmagens em 16mm, ele finalmente estreou, em 1980, seu primeiro longa-metragem, Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão (Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas del Montón). Ele teve sorte que a estreia do filme coincidiu com o renascimento da democracia na Espanha, o que facilitou que o filme fosse divulgado sem censura, e o público tivesse livre acesso. Desde então, filmar se tornou sua grande paixão.
Declaradamente homossexual, seus filmes se destacam pela sexualidade abordada de forma aberta e sem tabus. Outro ponto marcante, e o que mais chama atenção em seu trabalho, é o forte uso de cores vivas, além de personagens exóticos e idiossincráticos. Em seus enredos, há uma constante necessidade de forças compensatórias para que as situações dramáticas sejam levadas com bom humor e esperança pelos personagens.
Almodóvar é um excelente observador, e coloca em cada personagem um pouquinho daquilo que vê no cotidiano comum. Sua obra alia drama com comédia, em um esforço que visa desnudar os desejos e sentimentos mais profundos do ser humano, com suas eternas crises de identidade. Sua carreira pode ser dividida entre três grandes momentos: os primeiros anos, o auge da consagração internacional, e a fase atual, com seus trabalhos mais maduros.
Primeiros Anos
Essa primeira parte da carreira de Almodóvar se estende de 1980, lançamento do seu primeiro longa, até 1987. Nesse período, o diretor era conhecido apenas na Espanha, e seus filmes rodados exclusivamente em cinemas de baixa expressão.
1980 - Pepe, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão (Pepi, Luci, Bom Y Otras Chicas del Montón): baseado em sua foto-novela Ereções Gerais, publicado anteriormente na revista El Víbora, o filme consiste em uma série de esboços vagamente ligados, ao invés de uma trama completamente formada. O enredo segue as aventuras das três personagens do título: Pepi, que quer se vingar do policial corrupto que a estuprou, Luci, uma dona de casa sado-masoquista, e Bom, uma cantora de punk-rock lésbica.
1982 - Labirinto de Paixões (Laberinto de Pasiones): Comédia maluca sobre identidades múltiplas, um dos assuntos favoritos de Almodóvar. O enredo segue as aventuras de dois personagens sexualmente exóticos: Sexilia, uma estrela pop apropriadamente chamada de ninfomaníaca, e Riza, filho homossexual do líder de um país fictício do Oriente Médio. O destino dos dois acaba sendo encontrar um ao outro, superar suas orientações sexuais e viver felizes para sempre em uma ilha tropical.
1983 - Maus Hábitos (Entre Tinieblas): O centro da narrativa é uma cantora de cabaré que, fugindo da justiça, encontra refúgio em um convento de freiras pobres, cada uma delas com um pecado diferente. A madre superiora, uma lésbica viciada em drogas, acaba apaixonando-se pela cantora. O filme é uma sátira das instituições religiosas da Espanha, retratando a desolação espiritual e a falência moral.
1984 - O Que Eu Fiz Para Merecer Isso? (Que he Hecho Yo Para Merecer Esto?): Inspirado nas comédias espanholas preto e branco do final dos anos 50 e início dos 60, trata-se de um conto sobre a luta de uma dona de casa chamada Gloria que tem de lidar com sua família desestruturada: seu marido violento que trabalha como motorista de táxi, seu filho mais velho traficante de drogas, o filho mais novo que vende seu corpo para os pervertidos locais e a avó que odeia a cidade e só quer voltar para sua aldeia rural.
1986 - Matador (Matador): História sombria e complexa que se concentra na relação entre um toureiro e uma advogada criminal que só pode experimentar satisfação sexual com alguma espécie de assassinato envolvido. O filme oferece o desejo como uma ponte entre atração sexual e morte, e trata-se de uma das obras mais obscuras da Almodóvar.
1987 - A Lei do Desejo (La Ley del Deseo): A narrativa segue três personagens principais: um diretor de cinema gay que embarca em um novo projeto, sua irmã transexual que trabalha como atriz, e um stalker reprimido que não passa de um assassino obsessivo. Foi o primeiro filme feito em sua própria produtora, a El Deseo, o que ampliou a independência do diretor.
Consagração Internacional
Iniciada com o grande sucesso Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, essa fase marca o momento em que Almodóvar ultrapassa a fronteira espanhola para se tornar um dos mais renomados diretores do final do século 20 no mundo todo.
Almodóvar junto com o elenco principal de Mulheres à Beira de um Ataque dos Nervos. |
1988 - Mulheres à Beira de Um Ataque dos Nervos (Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios): A comédia estrelada por Carmen Maura, Antônio Banderas e Rossy de Palma, conta os detalhes de um período na vida de Pepa (Carmen Maura), uma dubladora profissional de filmes que foi abruptamente abandonada por seu amante casado e que freneticamente tenta localizá-lo. No curso da sua busca, ela descobre alguns de seus segredos, e percebe seus verdadeiros sentimentos. O filme lançou Almodóvar para fora da Espanha, além de ser indicado a melhor filme estrangeiro no Oscar, no Globo de Ouro e no BAFTA.
1990 - Ata-me! (Átame!): O próximo filme de Almodóvar marcou o rompimento com a sua atriz de referência, Carmen Maura, e o início de uma frutífera colaboração com outra grande atriz do cinema espanhol: Victoria Abril. Também foi a quinta e mais importante colaboração do diretor com Antônio Banderas. No enredo, Ricky (Antônio Banderas) é um paciente psiquiátrico recém-liberado que sequestra e mantém como refém uma atriz (Victoria Abril), a fim de fazê-la se apaixonar por ele. Ao invés de preencher o filme com muitos personagens, como em seus filmes anteriores, aqui a história concentra-se na relação entre os dois: a atriz e seu sequestrador, literalmente lutando por poder e por amor.
1991 - De Salto Alto (Tacones Lejano): Construído em torno da relação entre uma mãe egocêntrica, uma famosa cantora, e a filha crescida que ela abandonou quando criança, que agora trabalha como apresentadora de TV e é casada com o ex-amante da mãe. Canções populares, sempre um elemento chave na obra de Almodóvar, nunca estiveram tão presentes quanto nesse filme.
1993 - Kika (Kika): Depois da intensidade dramática de De Salto Alto, Almodóvar dá outra reviravolta em sua carreira, rodando um dos seus filmes mais inclassificáveis. Na trama, cada personagem pertence a um gênero de filme diferente, gerando assim um enredo diversificado. A trama concentra-se em Kika, uma artista sem noção, mas de bom coração, que se envolve com um velho escritor americano e seu enteado desnorteado. Um repórter de TV sensacionalista segue e narra todas as desventuras da personagem.
1995 - A Flor do Meu Segredo: Na trama, uma romancista de sucesso passa a enfrentar uma crise profissional e pessoal. O filme marcou a transição da fase mais agitada do início da carreira de Almodóvar, para o momento mais maduro artisticamente. O filme contudo não foi bem recebido pela crítica, sendo uma das suas obras menos conhecidas.
Amadurecimento
Cena de Tudo Sobre Minha Mãe, filme que deu o primeiro Oscar da carreira de Almodóvar. |
É a fase onde Almodóvar nos mostra seus trabalhos mais complexos, incluindo algumas pequenas obras-primas do cinema moderno. É também onde ele se consagra, levando para casa todos os grandes prêmios da carreira.
1997 - Carne Trêmula: Carne Trêmula explora amor, perda e sofrimento, contando a história de vários personagens entrelaçados pelo destino, de um jeito que foge do controle de cada um. É moldado a partir de 1970, quando Franco decretou a ditadura, até 1996, quando a Espanha estava completamente fora das restrições do regime comunista. Com este filme Almodóvar iniciou a sua colaboração com a atriz Penélope Cruz.
1999 - Tudo Sobre Minha Mãe (Todo Sobre Mi Madre): Almodóvar conseguiu atingir seu limite dramático dirigindo esse filme. O enredo surgiu de uma breve cena de A Flor do Meu Segredo, e conta a história de uma mãe de luto que, depois de ler a última entrada no diário de seu filho morto sobre como ele queria conhecer seu pai pela primeira vez, decide viajar a Barcelona em busca do pai do menino. Ela deve dizer ao pai que teve seu filho depois que ele a deixou há muitos anos, e que ele já morreu. Chegando lá, ela encontra uma série de pessoas estranhas (um travesti, uma freira grávida, e uma atriz lésbica) que tentam ajudá-la a lidar com a situação.
2002 - Fale com Ela (Hable con Ella): O filme gira em torno de dois homens que se tornam amigos enquanto cuidam das mulheres que amam, ambas internadas no hospital em estado de coma. Suas vidas seguem fluxos em todas as direções, passado, presente e futuro, puxando-os para um destino inesperado. Combinando elementos de dança moderna e do cinema mudo, com uma narrativa que explora as coincidências da vida e o destino, o filme foi aclamado internacionalmente pela crítica e pelo público.
2004 - Má Educação (La Mala Educación): Má Educação aborda, de forma excêntrica, o abuso sexual de crianças e adolescentes. Duas crianças, Ignácio e Enrique, descobrem o amor, o cinema e o medo num colégio religioso no início dos anos 1960. Padre Manolo, o diretor da escola e seu professor de literatura, é testemunha e parte dessas descobertas. Os três personagens se encontram mais duas vezes, no final da década de 1970 e na década de 1980. Trata-se de um dos roteiros mais complexos de Almodóvar, com uma série de digressões e retomadas.
2006 - Volver (Volver): Volver é uma mistura de comédia, drama, família e história de fantasmas. O filme começa mostrando dezenas de mulheres esfregando furiosamente os túmulos de seus mortos, que institui a influência dos mortos sobre os vivos como um tema chave (o roteiro do filme foi criado logo após a morte da mãe de Almodóvar). O enredo segue a história de três gerações de mulheres da mesma família que sobrevivem ao fogo, ao vento e à morte. Junto com Fale com ela e Tudo Sobre Minha Mãe, Volver representa o ponto alto da carreira do diretor.
2009 - Abraços Partidos: Trata-se do mais longo e caro filme do diretor. A trama segue o destino trágico de um diretor de cinema que ficou cego em um acidente de carro 14 anos antes. O filme tem uma estrutura fragmentada, enigmática, misturando passado e presente, recursos que o diretor explorou anteriormente em Má Educação. É uma homenagem à arte de fazer filmes.
2011 - A Pele que Habito: Criatividade, crise de identidade e sobrevivência, temas frequentes nos filmes de Almodóvar, dão uma reviravolta inesperada em A Pele que Habito, seu 13º filme, que representa a primeira incursão do diretor no gênero "horror". O filme se concentra em Vera, uma bela mulher mantida em cativeiro por um cirurgião plástico amoral que realiza experimentos em sua pele. O médico é interpretado por Antônio Banderas, que se reúne com o diretor 21 anos após um longo período de colaboração, no início da carreira de ambos. Na lista de personagens "Almodovarianos", está uma dona de casa e carcereira cheia de segredos, um estuprador usando uma fantasia de tigre, e um médico está mentalmente perturbado pela morte da filha.
Antonio Bandeiras e Elena Anaya em A Pele que Habito, de 2011. |
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