terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Crítica: Flee (2021)


Traumas do passado se tornam feridas que são carregadas por uma vida inteira, e muitas vezes é duro tocar e falar sobre elas. Vencedor do grande prêmio do júri em Sundance, Flee conta a história de um refugiado afegão que precisou deixar o seu país junto com a família no final dos anos 1980 devido à invasão do Talibã. Amigo íntimo do diretor Jonan Poher Rasmussen, Amin (nome fictício usado para preservar sua identidade verdadeira) resolveu contar tudo que aconteceu com ele desde sua infância, pela primeira vez, neste documentário íntimo e emocionante.


Lar é o lugar onde você pode se sentir seguro, responde Amin em um determinado momento da entrevista. E isso é o que ele nunca teve: um lar para chamar de seu. Quem o vê hoje, cheio de vida e fazendo seu pós-doutorado, não imagina todas as dificuldades que Amin enfrentou para chegar onde chegou. Obrigado desde criança a sair de casa em Cabul com a família para não serem mortos, Amin viveu anos viajando entre um lugar e outro, passando por mãos de contrabandistas e peregrinando com grupos de refugiados em busca de abrigo. Ele também é homossexual, e desde menor precisou esconder isso de todos em volta com medo de retaliações e até mesmo da morte. Porém, apesar do filme mostrar muito bem esse conflito interno de Amin, ele não constrói sua narrativa em cima disto, e fala da sua orientação sexual de uma forma muito natural.

Filmado sob formato de animação, o filme consegue, ao mesmo tempo, mostrar a entrevista de Amin e fazer uma reconstituição de todos os fatos narrados por ele mesmo. Eu gostei muito do estilo da animação, que mostra os momentos que Amin lembra com exatidão de forma muito vívida, enquanto outros mais duros, e que ele lembra vagamente, são mostrados sob formas de sombras e rabiscos. Em alguns momentos, a direção também opta por sair da animação e apresentar imagens reais, que mostram desde as mudanças de comportamento no Afeganistão até a própria crise de refugiados em toda a Europa. Essas imagens são importantes para contextualizar os fatos e potencializar ainda mais que se trata de uma história real.


Ao contar a verdade depois de muito tempo, temos a sensação de que Amin se liberta de algo que o sufocava, e agora finalmente poderá dar seguimento a sua vida da melhor maneira que puder, ainda que o passado sombrio nunca o deixe de lado. É triste demais pensar que histórias como a de Amin e sua família ainda aconteçam muito nos dias de hoje, como a própria evasão desesperada que acompanhamos nesse ano de 2021 no Afeganistão após a saída do exército americano. Seja na Europa, na Ásia, na África, na América, todos merecem se sentir pertencentes e algum lugar e viver em paz, e mesmo que pareça uma utopia, sonhamos que um dia isso possa ser possível.


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