sábado, 21 de janeiro de 2023

Crítica: Garoto dos Céus (2022)



Política e religião são duas esferas que jamais deveriam se misturar. Dito isto, sabemos que essa junção acontece há todo momento, até mesmo em países laicos como o Brasil. Em Garoto dos Céus (Boy From Heaven), filme que representa a Suécia no Oscar deste ano, o diretor Tarik Saleh usa o exemplo da religião muçulmana, que talvez seja a que mais interfere na política ditando suas regras e leis, mas desta vez mostrando o contrário: a tentativa de intromissão do governo egípcio dentro da religião.


Filho de um humilde pescador, Adam (Tawfeek Barhom) recebe a oportunidade de estudar na Universidade Al-Azhar, no Cairo, a segunda universidade mais antiga do mundo e o mais respeitado centro de estudos do islamismo. Logo que chega no local, o grande líder religioso do mundo sunita, o Imã, acaba falecendo, o que automaticamente inicia o processo de escolha do próximo a ocupar o cargo. Por meio do Coronel Ibrahim (Fares Fares), Adam acaba sendo o escolhido para ser o informante que o Estado precisa dentro da instituição para tentar influenciar na escolha deste novo líder e ter, como consequência, a religião em suas mãos.

O roteiro segue a cartilha clássica dos filmes de thriller, mas inserido no meio do islã, algo que até então confesso não lembro de ter visto igual. O filme trabalha muito bem a questão das divisões e frentes opostas que existem dentro desta religião, entre radicais e não radicais, como quando cita o livro do "Jihad", que é expressamente proibido dentro da universidade, ainda que alguns alunos "dissidentes" consigam ter acesso. Gostei bastante desta escolha da direção, pois de uma maneira geral, nós não temos a exata noção de como funciona o mecanismo por dentro do islamismo, por ser algo distante da nossa realidade, e isso acaba sendo uma boa surpresa e até mesmo um aprendizado.


O diretor Tarik Saleh também afronta o sistema autoritário do Egito, e não deixa de fazer duras críticas a ele. A tentativa do governo de interferir diretamente na escolha do novo Imã é de fato um absurdo, e eles não medem esforços para tirar do caminho os opositores. Mas ainda que seja um thriller onde acontecem assassinatos e reviravoltas, o filme não possui aquelas sequências de ação costumeiras em filmes do gênero, e tudo acontece nas "sombras". As atuações por vezes parecem caricatas, mas eu gostei de Fares Fares, que já havia trabalhado com o diretor em "O Incidente no Nile Hilton". Por fim, Garoto dos Céus justifica o prêmio de melhor roteiro em Cannes por romper com a cartilha tradicional dos filmes de espionagem, trazendo uma nova roupagem e nos apresentando a uma cultura pouco conhecida para os lados de cá.


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