domingo, 29 de janeiro de 2023

Crítica: Babilônia (2022)


O cinema existe desde o final do século XIX, e de lá para cá passou por inúmeras transformações que foram moldando o que nós conhecemos hoje. A mais significativa delas talvez tenha acontecido em 1927, quando os filmes finalmente começaram a ter som, enterrando de vez a era do cinema mudo. Algumas obras já trataram este período de transição muito bem, como o clássico Cantando na Chuva (1952) e o mais recente O Artista (2011), e agora Damien Chazelle traz o tema novamente à tona com Babilônia (Babylon), um filme insano, despudorado e extremamente caótico, mas que encontra nesse seu próprio caos o espaço para fazer uma apaixonante homenagem à sétima arte.


O roteiro começa justamente em 1927, quando Hollywood vivia uma efervescência poucas vezes vista na história. Há relatos da época que dizem que as festas contendo atores, diretores e produtores de Los Angeles eram verdadeiros bacanais, regados a muita droga, loucura e depravação. E é mais ou menos este clima que Chazelle tenta recriar desde o início do filme. Inclusive, a primeira meia hora se passa praticamente toda dentro de uma destas festas, que está acontecendo na mansão do dono de um estúdio famoso. E enquanto a insanidade toma conta, com a presença até mesmo de um elefante, alguns acordos são fechados por detrás das portas, geralmente envolvendo algum tipo de suborno ou favores.

Quem chega na festa de fininho e abala as estruturas é Nelly LaRoy (Margot Robbie), uma aspirante a atriz que chama a atenção pela beleza e desenvoltura e logo é chamada para participar de um filme. Ela ainda é uma completa desconhecida no meio cinematográfico, mas adora dizer que "nasceu uma estrela", sendo capaz de qualquer coisa para chegar ao estrelato. Na festa, LaRoy também acaba fazendo amizade com Manny (Diego Calva), outro importante personagem do filme que trabalha como "faz tudo" do dono do estúdio, até que acaba virando ajudante pessoal do ator Jack Conrad (Brad Pitt).


Tudo ia bem na vida e na carreira destes três personagens principais, até que a novidade do som chega e muda tudo de cabeça para baixo. Todos que trabalhavam com cinema tiveram que passar por uma adaptação com a adoção dos filmes sonoros, e os atores com certeza foram os mais prejudicados neste processo. Muitos tinham enorme talento para as telas de uma maneira corporal, mas tinham dificuldades em decorar falas ou acertar o tom de voz. Além disso, se antes as gravações poderiam ser feitas em qualquer lugar, inclusive instantâneamente com outras, agora elas necessitavam de um local silencioso e fechado, para que o som fosse captado da maneira correta. E neste cenário, tanto Jack, que já tinha uma carreira consolidada no cinema, como a novata LaRoy perderam espaço, pois não conseguiam nem mesmo acertar coisas básicas como a marcação de onde estava o microfone. E o que fazer quando o sonho de uma vida desmorona porque a indústria resolveu se atualizar?
 

Eu particularmente gosto demais de filmes que mostram os bastidores da criação de um filme, principalmente quando se passa nos primórdios do cinema. As dificuldades da época, os recursos para se criarem cenas extravagantes quando não existia a mínima possibilidade de efeitos visuais como os que vemos hoje, tudo é mostrado de forma sublime. Outro ponto que achei curioso, é ver como Hollywood também foi ficando cada vez mais moralista e conservadora na medida em que conquistava mais glamour. A partir dos anos 1930, para conseguir um papel em um filme, uma atriz tinha que ser pomposa e charmosa, e não havia mais espaço para pessoas como LaRoy, que era totalmente despida de qualquer vergonha e odiava todas essas convenções. E esse conservadorismo só foi começar a ser aberto novamente lá pelos anos 1960, com a chegada da contracultura.



Na parte técnica, o filme é simplesmente impecável. A trilha sonora de Justin Hurwitz é primorosa, presente em todo momento, e consegue se inserir nas cenas de uma maneira única. As cenas das gravações dos filmes também impactam pela grandiosidade, e a fotografia é belíssima. Quanto às atuações, o grande destaque fica por conta da Margot Robbie. O filme só não é perfeito porque o roteiro possui muitas partes aleatórias, onde coisas verdadeiramente estranhas acontecem ao mesmo tempo, algumas sem nenhuma explicação. Talvez uma ou duas cenas poderiam ter sido facilmente retiradas, o que não faria diferença alguma no resultado final e ainda ajudaria a diminuir um pouco a duração desgastante no final. Mas o fato é que gostando ou não (porque sim, é um filme extremamente divisivo), Babilônia acaba sendo uma grande experiência cinematográfica, e é por filmes como este que a gente ainda sai do conforto de casa e vai a uma sala cheia de gente para ficar horas sentado olhando para uma tela.


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