segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Crítica: Eddington (2025)


Eu costumava dizer que Ari Aster era um diretor que dividia opiniões, mas depois de Beau tem Medo, e agora principalmente depois de Eddington, acho que ele não divide mais: todos concordam que ele se perdeu na própria prepotência artística. Conhecido pelo fenomenal Midsommar, que logo foi seguido pelo também interessante Hereditário, Aster parece não saber mais como aproveitar toda a liberdade narrativa que ganha em seus filmes, e mais uma vez traz um roteiro insosso, repleto de sátiras sociais confusas e uma paranoia caótica e sem propósito.


O filme se passa em maio de 2020, época em que, como todos bem lembram, estávamos no pico da pandemia de Covid-19. Assim conhecemos Eddington, uma pequena cidade de pouco mais de dois mil habitantes no estado do Novo México, e que serve como base para traçar um panorama da sociedade norte-americana durante aquele período conturbado. Nela, temos o prefeito Ted Garcia (Pedro Pascal) em busca de reeleição, enquanto faz o que pode para precaver a chegada do vírus na cidade, fechando locais públicos e decretando a obrigatoriedade do uso de máscaras. As medidas incomodam alguns reacionários, como o xerife Joe Cross (Joaquin Phoenix), que se nega a usar máscara e manter os cuidados necessários, o que gera alguns conflitos com moradores por isso e com o próprio prefeito. Utilizando da propaganda negacionista, Cross também resolve se candidatar a prefeito, tentando barrar a reeleição do atual.

Partindo desta premissa, Aster começa a trazer várias outras situações que abordam a polarização que tomou conta, não somente dos Estados Unidos, mas do mundo todo, como aqui no Brasil. Em tese, Aster tenta criticar as teorias da conspiração mirabolantes que surgiam na época sobre o coronavírus, e a disseminação delas através de redes sociais, mas ao mesmo tempo, não faz nenhuma contrapartida, o que deixa uma ideia ambígua sobre a real intenção da direção. Afinal, Aster quer criticar estas "insanidades", ou dar engajamento?

Essa mesma ideia ambígua surge quando o filme começa a mostrar protestos pela cidade, principalmente do movimento conhecido como "Black Lives Matter". A pauta dos manifestantes na vida real era importante e necessária, mas todos os personagens do filme engajados nos protestos são mostrados como se fossem "alienados", sempre repetindo palavras e jargões infantis e fazendo histeria ao menor sinal de repressão. São, de certa forma, ridicularizados, em uma visão que costumamos ver em discursos da extrema direita. O filme ainda tem uma alusão aos falsos religiosos milagrosos, e sobretudo, ao modo como hoje em dia lidamos com a exposição na internet, onde todo e qualquer argumento termina com um "vou gravar isto e postar na internet", o que remete a um dos maiores medo do mundo moderno: o cancelamento. Mas tudo exagerado e fora do tom.


Esteticamente falando, Aster continua fazendo filmes atrativos e cativantes, e isso não dá pra negar que Eddington consegue ser. Porém, narrativamente, o buraco é mais embaixo. Além da confusão de ideias, e dos temas abordados não terem a  profundidade que mereciam, temos também um grande desperdício de talento, como por exemplo os personagens de Austin Butler e Emma Stone, subaproveitados e completamente descartáveis. Aliás, "descartável" é a palavra certa para definir o filme como um todo.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Crítica: A Vida de Chuck (2025)


Será que toda história contada deve ter, obrigatoriamente, respostas esclarecedoras no final e uma linha de interpretação singular? No cinema, assim como na arte em geral, isso sempre foi motivo de discussão, e eu sempre acreditei que o sentimento diferente que um filme desperta em cada espectador é muito mais importante do que elucidações lógicas e racionais. Adaptado de um conto homônimo de Stephen King, A Vida de Chuck (The Life of Chuck), novo filme de Mike Flanagan, é uma destas obras nada convencionais, que traz inúmeras interpretações e pontos de vista, e encanta pela sua maneira particular de trazer questões existenciais da vida humana.


Dividido em três atos, que por sua vez são apresentados na ordem contrária, o filme inicia com um verdadeiro caos generalizado instaurado no mundo, sobretudo nos Estados Unidos. A internet e os serviços de telefonia estão com problemas há meses e à beira de um apagão geral e definitivo, enquanto mudanças climáticas devastam o país e matam milhares. De repente, imagens de um homem chamado Chuck começam a aparecer em televisores, faixas e outdoors por todas as cidades, todos em forma de agradecimento a ele por serviços prestados durante a sua vida. Mas quem é esse homem, e porque estas homenagens em meio a um verdadeiro pandemônio?

Como disse anteriormente, nem tudo será respondido ao longo do filme, mas logo descobrimos que Chuck (Tom Hiddleston) é um homem que está em estado terminal lutando contra um câncer, o que nos leva imediatamente ao segundo ato, passado alguns meses antes do início caótico. Nele, temos uma das cenas mais legais do ano, onde Chuck passa por uma baterista de rua e inicia um grande e envolvente número de dança improvisado. O seguimento, em si, não tem ligação com o final do filme, mas serve para mostrar como Chuck era um homem enigmático, sim, mas que gostava de aproveitar os momentos da vida da melhor forma possível. 


Logo o filme pula para o último ato, onde Chuck ainda criança, tem uma infância bastante afetiva na companhia dos seus avós (Mia Sarah e Mark Hamill) enquanto descobre o talento para a dança. Neste momento, o diretor também lança elementos de ficção científica, envolvendo um sótão misterioso na casa da família, que automaticamente se interliga com o início (final) da história. Entre cenas enigmáticas, há bastante espaço para diálogos espirituosos sobre o sentido da vida e a forma como aproveitamos o nosso tempo nessa vida, além de abordar simbolicamente o rumo que a Terra está tomando por causa das ações do homem.

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Crítica: Amores Materialistas (2025)


Após o estrondoso sucesso de Vidas Passadas, que para mim é um dos melhores filmes da década, a cineasta Celine Song volta a ser o centro das atenções com Amores Materialistas (Materialists), desta vez trabalhando com três "super" estrelas do cinema norte-americano: Dakota Johnson, Chris Evans e Pedro Pascal, mas sem perder a sensibilidade e a sutileza do longa anterior na hora de versar sobre o amor e suas peculiaridades.


O filme acompanha Lucy (Johnson), que trabalha arranjando encontros para pessoas de alto padrão que estão procurando por relacionamento sério. Ela é muito boa no trabalho que faz, e já foi responsável por casar nove "pombinhos" apaixonados. Ela mesma, no entanto, não teve tanto sucesso em sua vida amorosa. O último relacionamento, com John (Evans) terminou após problemas financeiros atrapalharem a vida à dois. Agora, ela tem um novo pretendente, Harry (Pascal), um homem riquíssimo, atraente e educado, que ela conheceu na festa de um dos casamentos que arranjou. No mesmo lugar, no entanto, seu ex-namorado estava ocasionalmente trabalhando de garçom, e ao servir um drink à ela, deixou claro que pretende retomar contato.

Assim como no filme anterior, a diretora nos apresenta uma espécie de "triângulo amoroso", mas sem vilões, sem confusões e sem grandes reviravoltas. A única confusão, na verdade, está dentro da própria cabeça da protagonista, e na forma como ela lida com o amor, o desejo e a paixão. O filme vai muito além de uma comédia romântica, e talvez nem deveria ser certo rotulá-lo desta forma, pois há muito mais profundidade do que costumamos ver em filmes do gênero. 

Através de diálogos espirituosos, Song traz uma crítica aos "amores líquidos" (como já diria Zygmunt Bauman), que surgem e desaparecem na mesma velocidade, num mundo onde todos parecem estar determinados a encontrar o par literalmente perfeito de acordo com uma lista de critérios, descartando-os ao menor sinal de incompatibilidade. Ao mesmo tempo, ela também reflete sobre a essência do amor verdadeiro, aquele que surge inesperadamente e transborda acima de qualquer circunstância ou adversidade, usando até mesmo uma metáfora sobre nossos ancestrais dos tempos das cavernas. Afinal, o que faz a gente amar alguém? E tudo isso de maneira madura, direta e sem clichês emocionais.


Como o nome do filme sugere, o roteiro também disserta sobre a maneira como o dinheiro acaba, muitas vezes, sendo um fator decisivo para o sucesso ou não de uma relação. E isso não é de hoje. Lucy é uma personagem verdadeira, e por isso mesmo às vezes seus pensamentos soam detestáveis. Ela, por exemplo, deixa claro que seu relacionamento anterior acabou por ele não ter condições de levá-la para jantar em um lugar legal nem mesmo em uma data especial. Ao mesmo tempo que se culpa por isso, pensa em encontrar alguém que possa lhe dar estabilidade financeira. Mas a preço de quê, ela mesmo irá se perguntar. Com Amores Materialistas, Celine Song demonstra que sabe como poucos no cinema atual falar de amor, e de como ele é vulnerável, sensível e foge de qualquer controle racional.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Crítica: The Ugly Stepsister (2025)


Filme de estreia da diretora norueguesa Emilie Blichfeldt, The Ugly Stepsister é uma versão sangrenta da história da Cinderela, que conversa muito mais com o conto sombrio escrito pelos irmãos Grimm no século XIX do que com a versão animada da Disney a qual estamos mais acostumados. O grande acerto aqui é trazer como personagem principal a jovem Elvira (Lea Myren), uma das meias-irmãs feias da “Cinderela” (que no filme se chama Agnes e é apenas uma coadjuvante de luxo na história).


O roteiro começa com as irmãs Elvira e Alma (Flo Flagerli) viajando com a mãe (Ane Dahl Torp) para a Suécia, onde a matriarca irá se casar com um homem supostamente rico. Logo após a morte deste mesmo homem, elas acabam ficando na casa, mas descobrem que ele, na verdade, não era tão rico quanto prometia ser. Então, afim de conseguir garantir uma boa vida para elas, a mãe fica obcecada com a ideia de casar a mais nova, justamente Elvira, com o príncipe local, que está para dar um baile com a intenção de conhecer sua futura esposa.

Para isso, no entanto, Elvira precisa ser transformada, e a mãe não mede esforços e nem dinheiro para conseguir realizar o seu grande plano, doa a quem doer. No caso, doa à Elvira, que tem desde o nariz quebrado até cílios postiços literalmente costurados na região dos olhos, além de várias outras intervenções cirúrgicas extremamente violentas. Pior do que isso, a filha também acaba ficando obcecada com a ideia do casamento, tomando atitudes drásticas de automutilação. Para caber em um vestido menor que o seu número, por exemplo, ela ingere um ovo de tênia para que o verme fique dentro do seu intestino e coma tudo o que ela usar para se alimentar. Para que seu pé entre no sapatinho perdido de Agnes durante o baile real, ela corta os dedos dos próprios pés.


Sim, o filme vai a extremos inimagináveis, se tornando um “body horror” com excelentes elementos de gore. Tudo sem filtro e com muita veracidade, e algumas cenas me deixaram realmente agoniado, principalmente uma que inclui uma tênia enorme. Essa é para estômagos fortes. Por fim, apesar de ter essa atmosfera bizarra, nada no filme soa como forçado ou fora do tom. É um debut muito interessante de uma diretora que promete.

sábado, 4 de janeiro de 2025

Crítica: Nosferatu (2024)


Cento e dois anos após o clássico inigualável de F. W. Murnau, e quarenta e cinco após a marcante releitura de Werner Herzog, Nosferatu está novamente entre nós. E mais uma vez, em boas mãos. Com uma autenticidade única e uma assinatura própria que já é marcante mesmo com tão pouco tempo de carreira, Robert Eggers nos apresenta sua visão fascinante e ao mesmo tempo horripilante do conde Orlof, neste que pode ser considerado o primeiro grande acontecimento do cinema no Brasil em 2025.


O filme inicia no ano de 1838, quando Thomas (Nicholas Hoult), um jovem recém casado com Ellen (Lily-Rose Depp), recebe uma missão que vai lhe ajudar a crescer na carreira de agente imobiliário. Ele precisa ir até um lugar muito distante na Transilvânia para recolher a assinatura de um conde enigmático que acaba de adquirir uma mansão na cidade onde Thomas vive, na Alemanha. Animado com a possibilidade de mudar de vida, ele não pensa duas vezes em aceitar, e parte em viagem sem ter ideia do que iria encontrar pelo caminho.

Após enfrentar paisagens bucólicas e amedrontadoras, o rapaz finalmente chega ao castelo, onde conhece o conde Orlof (Bill Skarsgard), que na verdade é um vampiro milenar com feições horripilantes e uma voz gutural assustadora. Orlof logo mostra que sua verdadeira intenção no negócio não é a mansão, mas sim, algo muito mais importante, sobretudo para o próprio Thomas. Paralelamente, acompanhamos o dia a dia de Ellen, que ficou na cidade cuidando da casa e passa a presenciar episódios macabros dentro e fora de sua mente.

A fotografia de Jarin Blaschke é um ponto alto do filme. Com seu tom acinzentado, ela consegue aproveitar muito bem as sombras, e quem viu o clássico expressionista de 1922 sabe o tanto que isso é importante para a obra. Além disso, toda a estética do filme é extremamente bem trabalhada, tanto nos figurinos como nos cenários, criando uma obra visualmente deslumbrante e impactante.


Por mais controverso que tenha sido para alguns, eu gostei bastante do visual do conde criado por Eggers, uma proposta bem mais apavorante do que eu esperava mas sem ser nada extravagante. Também aceitei muito bem as liberdades criativas do diretor, que não fogem tanto da história original, mas dão um ar completamente renovado para ela. Nosferatu foi o meu primeiro filme visto em 2025, e com certeza foi um início com o pé direito.