quinta-feira, 25 de junho de 2020

Crítica: Deus é Mulher, E Seu Nome é Petúnia (2019)


Em uma pequena cidade da Macedônia, os moradores seguem uma tradição religiosa que se sucede todos os anos no mês de janeiro. No ritual, o padre da cidade joga uma cruz no rio de cima de uma ponte, e um grupo de homens mergulha atrás dela para ver quem consegue achá-la, pois segundo a tradição, quem conseguir pegar terá um ano de muita sorte e prosperidade. No dia, quando o sacerdote lança o objeto na água, uma mulher pula junto e consegue agarrá-lo, para fúria de todos os outros participantes já que mulheres sempre foram proibidas de fazerem parte do evento.


Com um título muito emblemático, o filme da diretora Teona Strugar Mitevska usa esta situação para abordar o machismo que existe na sociedade da Macedônia que, segundo uma fala do próprio longa, “ainda parece viver na Idade Média”. Quem pega a cruz no rio é Petúnia (Zorica Nusheva), uma mulher de 32 anos, formada em História, que vive desempregada há muito tempo e ainda mora com os pais. Constantemente julgada pelos progenitores, ela se sente um verdadeiro fracasso em vários aspectos, e a busca por emprego se torna um martírio por conta de sua aparência “fora dos padrões”, o que dificulta muito sua entrada no mercado de trabalho (novamente, olha o machismo aí).

Ao se jogar nas águas do rio, Petúnia não tinha nenhuma pretensão, e agiu de forma totalmente impulsiva após ser rejeitada em mais uma vaga de emprego. É interessante que o filme não se preocupa em levantar a questão do “por que Petúnia se atirou no rio?”, mas sim, “por que ela não poderia?”. Sua atitude irrita a população masculina e os religiosos, que exigem a devolução imediata do objeto, e isso acaba levando-a a ser detida na delegacia para prestar esclarecimentos. Lá ela é coagida, ameaçada, e constrangida de forma violenta e ofensiva, e tudo pelo fato de ser uma mulher que tentou fazer algo que até então só homens haviam feito. A única pessoa que parece estar do seu lado é a jornalista Slavica (Labina Mitevska), que tenta confrontar os homens e levar o caso à televisão.


O filme é bem pesado, principalmente quando mostra o lado violento da população contra Petúnia. A mesma população que se diz da religião e crente em Jesus Cristo (ora ora, isso me lembra situações muito próximas da nossa realidade). Algumas escolhas narrativas infelizmente parecem não ter se encaixado bem do meio para o final, principalmente quando temos a adição de um romance totalmente desnecessário, sem contar alguns diálogos forçados que apenas reforçavam uma mensagem que já estava bem explícita por si só. 

A atriz principal está bem no papel, mas a personagem se tornou um pouco dúbia para mim, já que ao mesmo tempo em que parecia uma mulher forte e determinada também parecia ser uma pessoa sem grandes propósitos. Por fim, Deus é Mulher, E Seu Nome é Petúnia é um filme que sintetiza o importante processo das mulheres no mundo de hoje, de confrontação de valores pré-estabelecidos há séculos.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Crítica: Aos Olhos de Ernesto (2020)


Produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre, Aos Olhos de Ernesto, da diretora Ana Luiza Azevedo (de Antes que o Mundo Acabe) é um filme que fala com muita sensibilidade sobre envelhecimento, solidão, e principalmente sobre a complexidade das relações humanas.


O enredo, escrito por Ana Luiza em parceria com Jorge Furtado, acompanha Ernesto (Jorge Bolani), um uruguaio de 78 anos que vive há mais de quatro décadas na cidade de Porto Alegre. Ele é o retrato de uma geração que veio ao Brasil fugindo de ditaduras militares nos países vizinhos, e que acabou fazendo morada e ficando por aqui até os dias de hoje, algo muito comum de se ver no cotidiano da capital gaúcha.

Os dias de Ernesto consistem em ler o jornal, dar uma caminhada para buscar o dinheiro da aposentadoria na lotérica e jogar xadrez com seu vizinho de porta e melhor amigo Javier (Jorge D'Elía), um argentino que também vive há anos na cidade. Até mesmo estas pequenas coisas prazerosas na vida de Ernesto estão começando a ficar complicadas, já que ele gradualmente está perdendo a sua visão. Um dia, ao chegar no prédio onde mora, ele se depara com Bia (Gabriela Poester), uma jovem de 23 anos que está trabalhando como cuidadora de animais para uma vizinha, e aos poucos os dois começam a se aproximar, numa relação bastante fraternal. 


A garota vai adentrando no mundo de Ernesto, e ele no dela, num conflito de gerações muito bacana de acompanhar. Com conversas muito interessantes sobre a vida, percebemos que os dois, mesmo com idades e vivências totalmente diferentes, possuem algumas coisas em comum, como por exemplo o sentimento de solidão. Quando Ernesto recebe a carta de uma velha amiga de Montevidéu, Bia o ajuda a ler e a escrever uma resposta, e isso inicia uma correspondência dele com seu próprio passado, resgatando sentimentos que ele não imaginava que poderia voltar a ter.

O que mais me encantou no filme, além dos seus diálogos, foram as atuações do elenco, muito orgânicas e verdadeiras. É impossível não se apegar aos personagens, que são extremamente humanos em seus gestos, suas falas e até mesmo nos seus defeitos. Gostei também da forma como é mostrada a relação de Ernesto com seu filho (Júlio Andrade), por quem ele nutre um enorme carinho, mesmo que possuam uma convivência um pouco distante por conta da correria do dia-dia. Também é muito bonita a amizade que existe entre Ernesto e Javier, e juntos eles contracenam algumas das cenas mais engraçadas do longa, como por exemplo quando eles "competem" para ver quem tem mais doenças.


No roteiro há ainda espaço para se discutir alguns temas muito atuais, como por exemplo a questão dos relacionamentos abusivos, um assunto que surge quando Bia conta sobre sua relação conturbada com o namorado (Marcos Contreras). Por fim, é muito gratificante ver como o nosso cinema é rico em contar histórias tão simples mas com tantas mensagens a se passar. Que belo filme!

terça-feira, 23 de junho de 2020

Crítica: Be Natural - A História Não Contada da Primeira Cineasta do Mundo (2020)


"Você já ouviu falar em Alice Guy-Blaché?". Esta pergunta é feita para cineastas como Ava DuVernay, Peter Bogdanovich, Michael Hazanavicius, Julie Delpy, Marjane Satrapi, Julie Taymor, entre muitos outros, e a resposta é sempre a mesma: "nunca". Partindo desta questão, a diretora Pamela B. Green investiga quem foi Alice, considerada a primeira cineasta mulher do mundo, e o porque dela não ter sido citada em nenhum livro sobre a história do cinema até os dias de hoje.


O documentário já começa com uma retrospectiva visual magnífica, que nos coloca diretamente no ano de 1895, quando os irmãos Auguste e Louis Lumière apresentaram ao público o primeiro filme da história, gravado com seu cinematógrafo. Alguns meses antes da exibição pública, eles já haviam mostrado a invenção para um grupo seleto de convidados, e entre eles estava Alice Guy-Blaché, que na época trabalhava como secretária na empresa de fotografia Gaumont.

Alice ficou encantada de cara com o que viu, e com a possibilidade de contar histórias através do cinema. Enquanto os Lumière filmavam a vida cotidiana de forma documental e acreditavam no uso do cinematógrafo como algo expressamente científico, Alice acreditava que havia muito potencial a ser explorado com a técnica, e contando com apoio de seu chefe, Léon Gaumont, filmou aquele que viria a ser o primeiro filme ficcional da história, A Fada dos Repolhos, baseado num antigo conto francês.


A diretora filmou uma sequência impressionante de filmes nos anos seguintes, de todos os estilos, e foi responsável por criar técnicas que mudaram para sempre a sétima arte, como os closes, os fotogramas coloridos (feitos à mão) e o som sincronizado (as chamadas photoscénes). Mesmo numa realidade extremamente conservadora, ela conseguiu ganhar seu espaço com filmes bastante ousados para aquele tempo, que sempre colocavam a mulher com papel de destaque na sociedade. Mais do que isso, a diretora também quebrou paradigmas ao filmar o primeiro filme com um elenco totalmente composto por pessoas negras, já que na época os atores brancos se negaram a trabalhar juntos no filme para "não manchar sua carreira".

Após se casar com Herbert Blaché, Alice criou sua própria empresa junto com o marido, a Solax Company, com sede em Nova Jersey. Por 20 anos, a diretora produziu e dirigiu mais de mil filmes no local, que na época era o maior estúdio cinematográfico do mundo. Após o divórcio entre Herbert e Alice, eles tentaram seguir numa parceria por algum tempo, mas com o declínio da indústria na costa leste e a mudança para o que se tornaria Hollywood, os separou de vez. Ao voltar a morar na França em 1922, Alice abriu mão da carreira e nunca mais filmou e nem produziu nenhum filme até a sua morte, em 1968.


O trabalho de investigação deste documentário é realmente louvável. As imagens de arquivo da época são extraordinárias, e só por isso já valeria muito a pena assistir. As entrevistas com a própria Blaché, feitas nos anos 1960, assim como as entrevistas com sua filha Simone e outros familiares, só engrandecem ainda mais o espírito da obra. É elogiável também o trabalho de restauração feito nos seus filmes, que por muito pouco não se perderam para sempre no tempo. Há um momento em que o documentário volta aos locais que serviram de cenário para alguns dos trabalhos mais famosos de Alice, e isso também foi emocionante.

Uma pergunta ficou na minha cabeça após o filme terminar: o que teria motivado, de fato, o sumiço do nome de Alice dos livros sobre o assunto até então? O machismo da sociedade? Alguma sabotagem? Isto é algo a se pensar e se discutir por muito tempo, mas o importante é que, antes tarde do que nunca, sua importância para o cinema foi finalmente reconhecida. O documentário faz questão de colocar várias vezes o nome de Alice Guy-Blaché junto com os irmãos Lumière, o também francês George Méliès e o norte-americano Thomas Edison como os pilares da criação do cinema, quase como uma espécie de reparação histórica.


Por fim, Be Natural (que vem do letreiro que Blaché mantinha na entrada de seu estúdio para que os atores agissem com total naturalidade durante as filmagens) é um documentário obrigatório para qualquer amante do cinema, não somente por apresentar a história desta grande mulher ao mundo e discutir o seu legado, mas também por mostrar como foram os primeiros anos da indústria cinematográfica.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Crítica: Destacamento Blood (2020)


O diretor Spike Lee é, e sempre foi, a grande voz do povo negro no cinema norte-americano. Desde os anos 1990, suas obras são conhecidas por trazerem discussões e críticas muito pertinentes sobre o racismo na sociedade e sobre a busca por igualdade. Dois anos depois do sucesso arrebatador de Infiltrado na Klan, que lhe rendeu o Óscar de melhor roteiro original, Lee volta às telas com Destacamento Blood (Da 5 Bloods), que ao mesmo tempo em que homenageia todos os soldados negros que já lutaram em guerras pelos Estados Unidos, também critica a forma como o governo sempre manejou o alistamento e o uso deles nos conflitos.



O filme já inicia com uma entrevista polêmica de Mohammad Ali, feita em 1978, onde ele fala que não vê sentido lutar em nome dos Estados Unidos contra nações que nunca fizeram mal ao povo americano, enquanto que o próprio governo do país usa de políticas opressivas nas ruas, principalmente contra a população negra. Em seguida, uma série de imagens reais e pesadas das décadas de 1960 e 1970 refletem e contextualizam um pouco do que foi e o que significou a Guerra do Vietnã. Neste momento também aparecem as principais lideranças dos direitos civis daquela época discursando contra a guerra e, sobretudo, contra os negros serem utilizados em massa nela.

Após esta pequena e necessária introdução, que dura menos de três minutos, o filme pula para o tempo presente, e mostra quatro amigos negros que faziam parte de um destacamento na guerra, que eles mesmo denominaram "Blood". Paul (Delroy Lindo), Eddie (Norm Lewis), Otis (Clarke Peters) e Melvin (Isiah Whitlock Jr.) estão de volta ao Vietnã décadas depois, com intuito de recuperar um baú cheio de ouro que eles enterraram e ao mesmo tempo encontrar os restos mortais de Norman (Chadwick Boseman), que era considerado o grande mentor do grupo e que morreu em combate. Junto com eles também viaja David (Jonathan Majors), filho do veterano Paul que só está interessado em pegar uma parte do ouro. Mas o que parecia ser uma simples viagem para se reencontrarem com o passado se torna uma verdadeira caçada sanguinária, quando uma gangue de vietnamitas tenta pegar todo o ouro para si.



Há diferença de formato de tela entre os momentos que se passam na atualidade e os flashbacks do período da Guerra. Na verdade não apenas no formato, mas também no próprio tratamento das imagens, que faz com as cenas do passado realmente pareçam ter sido gravadas naquela época, num trabalho primoroso de fotografia do Newton Thomas Sigel. Também achei interessante a edição colocar na tela as fotos das personalidades negras homenageadas durante o longa, e não apenas a citação de seus nomes, frisando bem a reverência feita a eles. Isso de fato é bem corajoso para um longa metragem, e só mostra como Lee tem total liberdade criativa nos seus projetos.

O que mais me surpreendeu neste filme, além de tudo que já expus anteriormente, foi a trilha sonora de Terence Blanchard. Há muito tempo eu não via um filme com uma trilha tão bem trabalhada e bonita nos seus detalhes. Blanchard soube mesclar composições orquestrais de alta qualidade com músicas do cantor Marvin Gaye, que foi um dos grandes nomes da black music e cujas letras tinham uma enorme consciência política. Há um momento brilhante do filme onde é utilizada apenas a voz de Gaye, sem instrumental, onde a letra casa perfeitamente com o mostrado em cena.

Outro ponto alto é o estudo de personagem que Spike Lee faz, trabalhando muito bem o desenvolvimento de cada um. Isso não seria possível, claro, sem as ótimas atuações do elenco, e o grande destaque fica por conta de Delroy Lindo, que já havia trabalhado com o diretor em três filmes nos anos 1990, e tem aqui uma das melhores atuações do ano e da sua carreira. Seu personagem tem uma personalidade bastante dúbia, além de carregar consigo uma das metáforas visuais mais marcantes do filme: um boné escrito "Make Again Great America", o famoso slogan de campanha de Donald Trump.



Lançado diretamente na plataforma de stream Netflix, Destacamento Blood é com certeza um dos grandes lançamentos do ano, e é uma pena não podermos ter a chance de vê-lo nos cinemas, pois a experiência seria ainda mais fantástica. Mas é claro que isso não tira nem um pouco o brilho da obra e toda a sua importância. Vida longa ao cinema crítico e fundamental de Spike Lee.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Filmes recentes que abordam a violência policial contra a população negra

O assassinato de George Floyd, um homem negro de 46 anos, cometido por um policial na cidade de Minneapolis, dia 25 de maio deste ano, foi o estopim de uma série de protestos ao redor do mundo por conta da violência policial contra a população negra. Por mais que o assunto seja discutido há anos, as estatísticas provam que nada mudou, pois a morte de George, de uma forma cruel e covarde, se soma a outras centenas de milhares que ocorrem todos os dias, inclusive (e principalmente) no Brasil. Pensando neste caso e na importância de se discutir o assunto novamente, fiz uma lista com seis filmes recentes que abordam o tema e que são extremamente necessários para que se possa entender tudo o que está acontecendo.

1. Ponto Cego, de Carlos López Estrada (2018)

O ex-presidiário Collin (Daveed Diggs) vive seus últimos dias de liberdade condicional antes de finalmente acertar as contas com a justiça. Quando ele e um amigo branco presenciam uma troca de tiros envolvendo policiais, eles hesitam sobre a melhor coisa a fazer a respeito: contar a alguém ou permanecer em silêncio? O caso acaba expondo as diferenças de pensamentos e traumas sociais de cada um.

2. Fruitvale Station - A Última Estação, de Ryan Coogler (2013)

Oscar (Michael B. Jordan) tem 22 anos, vive em San Francisco, ama seus amigos e é generoso com todo mundo que encontra pelo caminho. Na manhã do dia 31 de dezembro de 2008, Oscar sente um clima de tensão no ar e resolve passar o dia adiantando resoluções para a noite do ano novo, entre elas: tornar-se um filho melhor, um namorado melhor e também um pai mais presente pra sua filha de 4 anos. O dia, no entanto, termina numa verdadeira tragédia.

3. O Ódio que Você Semeia, de George Tillman Jr. (2018)

Starr (Amandla Senberg) presencia o assassinato de seu melhor amigo, Khalil, pelas mãos de um policial branco. Forçada a testemunhar no tribunal por ser a única pessoa presenta na cena do crime, ela começa a sofrer uma série de chantagens, mas está disposta a ir até o fim e dizer a verdade pela honra do amigo, custe o que custar.

4. Queen & Slim, de Melina Matsoukas (2019)

Voltando de um primeiro encontro em Ohio, Slim (Daniel Kaluuya) e Queen (Jodie Turner-Smith) são abordados de forma violenta por um policial só por causa de uma manobra mal feita no trânsito. A situação se agrava quando, por legítima defesa, Slim acaba matando o policial. Aterrorizados com a prisão e a consequente perda de suas vidas pessoais e profissionais, os dois decidem fugir para outro estado, tornando-se involuntariamente um símbolo de resistência quando o vídeo da ação policial vaza na web.

5. American Son, de Kenny Leon (2019)

Quando Jamal, seu filho adolescente de 18 anos, desaparece misteriosamente após sair com amigos, Kendra (Kerry Washington) e Scott (Steven Pasquale), um ex-casal interracial, precisam enfrentar o preconceito de raça existente nos procedimentos da polícia para tentar descobrir seu paradeiro. As coisas só pioram quando eles descobrem que Jamal teria sido abordado pela polícia de noite enquanto dirigia, mas ninguém sabe informar o que de verdade aconteceu nesta abordagem.

6. Detroit em Rebelião, de Kathryn Bigelow (2017)

Uma operação policial violenta e sem planejamento originou uma rebelião civil e uma devastadora revolta popular que tomou conta de Detroit por 5 dias em 1967. Os conflitos entre a população majoritariamente negra da cidade e a polícia virou uma batalha campal, que deixou um saldo de 43 mortos, mais de 340 feridos e mais de 7 mil prédios queimados.

Crítica: Truth and Justice (2020)


Em sua estreia como diretor de longa metragens, Tanel Toom, de apenas 37 anos, não se intimidou na hora de escolher trazer às telas o primeiro dos cinco volumes do romance Truth and Justice (Tõde Ja Õguis), escrito entre as décadas de 1920 e 1930 por Anton Hansen Tammsaare e considerado um dos mais importantes da história literária da Estônia. A empreitada corajosa de Toom deu muito certo, não somente na questão técnica mas também na questão de agradar o seu público, que lotou as salas de cinema do país e fez o filme bater recordes de bilheteria por lá.


O filme começa em 1872 e acompanha o jovem Andres (Priit Loog) e sua esposa Kroot (Maiken Schimidt), que chegam a uma fazenda no topo de uma colina. A fazenda acabou de ser comprada pelo casal, que tem muitos planos para o lugar onde pretendem viver, ter filhos e prosperar. No entanto, para que isso seja possível, há ainda muito o que fazer devido à precariedade do lugar e de seus defeitos naturais. Antes deles, dois outros proprietários já haviam tentado viver no lugar mas o abandonaram, e o motivo não teria sido apenas os problemas estruturais, mas também o vizinho do lado, Pearu (Priit Voigemast), cuja convivência não é nada fácil.

Após uma discussão sobre a construção de um canal para drenar as águas entre as duas propriedades, Andres e Pearu iniciam uma guerra entre eles que perdura por décadas, com inúmeras discussões e múltiplas idas ao tribunal local. Apesar de ser um homem de temperamento difícil e de atitudes por vezes detestáveis, não dá para considerar Pearu como um vilão propriamente dito, já que suas ações são movidas por sentimentos bastante humanos, como a inveja pela vida "feliz" do vizinho. Lutando contra as artimanhas de Pearu, Andres acaba desleixando um pouco sua própria vida pessoal e sua família, além de se ver obrigado a ter atitudes que contrariam sua visão cristã de mundo.


Tecnicamente, é um filme muito bonito, fruto de um grande trabalho unido de fotografia, figurino e maquiagem. As atuações também são muito competentes, assim como a trilha sonora que dá um toque especial em algumas cenas. Representante da Estônia no último Óscar, Truth and Justice é um filme que não cansa, mesmo com suas quase 3 horas de duração, e serve para nos mostrar um pouco mais da história desse país e do seu povo.