quinta-feira, 30 de junho de 2022

Crítica: Dois Minutos Além do Infinito (2022)


Passando quase despercebido no catálogo brasileiro da HBO Max, Dois Minutos Além do Infinito (Beyond the Infinite Two Minutes) é uma pequena produção independente japonesa, de ficção científica, que prende a atenção do início ao fim com uma narrativa bastante intensa, e que fala sobre viagem no tempo de uma maneira bem diferente de tudo que eu já havia visto até então sobre o tema.


O enredo acompanha Kato (Kazunari Toda), que é dono de uma cafeteria e mora no apartamento que fica logo em cima do estabelecimento. Ao subir para o seu apartamento após mais um dia de expediente chegar ao fim, ele dá de cara consigo mesmo no monitor, dizendo que é o seu "eu do futuro" e está dois minutos à frente do tempo. Logo, Kato percebe que há uma conexão entre o monitor de casa e o monitor do café, de onde está vindo o vídeo, e que estranhamente são eles que permitem a viagem no tempo acontecer.

Kato desce, conta para sua funcionária, e logo outros conhecidos começam a aparecer para ver com os próprios olhos o que está acontecendo. Pouco a pouco passam a fazer pequenos desafios para os seus "futuros", e comprovando que realmente funciona, começam a planejar coisas que lhe trarão recompensas, principalmente financeiras.

A história em si é muito original e legal de acompanhar, e tem um ritmo que vai se tornando frenético a cada nova situação em que os personagens se colocam, por pura ganância ou até mesmo burrice. Porém, não espere muita coerência no roteiro, pois ele possui vários furos e facilitações que são, de fato, difíceis de engolir. Se você conseguir relevar eles e entrar de cabeça na história, ótimo, mas eles estão ali e são bem visíveis.


As atuações também são um pouco forçadas, e isso também pode atrapalhar um pouco a experiência. Porém a parte técnica compensa, mesmo que seja incrivelmente simples. Aliás, vale lembrar que o filme foi filmado inteiramente com uma câmera de celular e esse efeito ficou bem legal, sem contar os vários planos sequência. Por fim, mesmo com uma duração pequena, Dois Minutos Além do Infinito acaba sendo uma experiência válida pela originalidade e pela adrenalina que causa no espectador.


quinta-feira, 23 de junho de 2022

Crítica: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022)


Existem filmes que vão muito além da simples relação filme/espectador, e se tornam verdadeiras experiências para a vida toda. Para ser sincero, eu nem sei bem como começar a falar de Tudo Em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once), pois o que senti vendo este filme foi algo indescritível. Mas vamos lá!


Dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert, e com produção da A24, o filme acompanha Evelyn (Michelle Yeoh), que é dona de uma lavanderia e comanda os negócios com pulso firme junto do marido Waymond (Ke Huy Quan) e do pai (James Hong). Ela é bastante exigente e não deixa escapar nada fora do lugar, porém, certo dia a contabilidade da empresa acaba caindo na "malha fina" da Receita Federal, mais precisamente nos olhos atentos de Deirdre (Jamie Lee Curtis), uma agente que é um verdadeiro carrasco, e impõe um pequeno prazo para que eles possam regularizar as contas. Do contrário, o negócio será fechado.

Até então o roteiro parece simples, mas tudo muda quando Evelyn descobre uma ruptura interdimensional, que a possibilita viajar entre milhares de universos paralelos. Talvez seja difícil explicar em palavras o que acontece deste momento em diante, mas o fato é que, em uma velocidade frenética, logo ficamos conhecendo várias outras versões de Evelyn, que foram sendo moldadas nos outros universos de acordo com suas próprias escolhas neste atual.

Sim, o multiverso acaba sendo o ponto principal do enredo, mas diferente de outros filmes por aí, temos ele muito bem posto em prática. As transições entre um universo e outro não tem aqueles efeitos exagerados, sendo feitas de uma maneira bem natural e orgânica. É sublime a maneira como os diretores conseguem unir essa característica da ficção científica com um enredo muito humano e emocional, e até mesmo em universos para lá de excêntricos, como em um onde os humanos possuem "dedos de salsichas", é possível sentir ternura e não aversão. Há ainda uma passagem específica de total silêncio, onde vemos apenas duas pedras por um longo tempo, numa sequência existencialista que é simplesmente genial.


O filme tem várias passagens reflexivas, que no meio de tanta loucura e insanidade, nos fazem pensar, dentre outras coisas, no sentido da vida, nas relações familiares e nos nossos próprios atos e suas consequências. Como o próprio nome diz, tudo realmente acontece ao mesmo tempo e em todo lugar, e é uma viagem alucinante acompanhar o desenrolar da história entre um universo e outro. A atuação de Michelle Yeoh é pra mim um dos pontos mais positivos do longa, mas destaco também a parte técnica, sobretudo a montagem, que torna o filme bem dinâmico e empolgante do início ao fim. Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo chega hoje nos cinemas brasileiros, e para mim, já é o grande filme do ano.

 

domingo, 19 de junho de 2022

Crítica: Cha Cha Real Smooth (2022)


Premiado no Festival de Sundance, Cha Cha Real Smooth, dirigido pelo jovem diretor Cooper Raiff (que também protagoniza o filme), chegou ao catálogo da Apple TV+ neste último fim de semana e vem dando o que falar desde então com uma história simples mas extremamente emocional sobre amadurecimento e relacionamentos.


Andrew (Cooper) acabou de se formar na faculdade mas trabalha como atendente de uma lanchonete de fast food, algo bem diferente do que pretendia. Um dia ele vai acompanhar o irmão pré-adolescente em uma festa de aniversário e acaba animando o local, o que chama a atenção dos pais, que o incentivam a iniciar um projeto como animador de festas.

É o que ele faz, e a partir de então, Andrew se encarrega de animar festas de adolescente pela cidade, com muita música e danças. Numa destas festas ele conhece Domino (Dakota Johnson), uma mulher um pouco mais velha do que ele e que tem uma filha adolescente (Vanessa Burghardt) com autismo. Logo ele faz uma forte amizade com as duas, e passa a trabalhar também como cuidador da menina em algumas ocasiões. No entanto, Domino está vivendo um período conturbado e confuso, e precisa muito mais da ajuda de Andrew do que a filha.

O roteiro é muito leve mesmo abordando temas difíceis como o preconceito em torno do autismo, a depressão, e a eterna sensação de não pertencimento que carregamos quando ainda não sabemos direito o que queremos da vida. Afinal, Andrew está com 22 anos, uma idade de muitas incertezas e inseguranças. E o filme gira em torno dessa expectativa que se tem entre os 20 e 30 anos, de buscar uma carreira em algo que goste e talvez, no meio do caminho, também encontrar um amor que queira crescer junto.


Infelizmente não consegui comprar a ideia de pureza quase angelical do protagonista, que às vezes se torna até mesmo um pouco caricato. Por ora ele parece inteligente e maduro, mas de repente toma atitudes bem bobas, e isso me atrapalhou um pouco na hora de criar um vínculo com ele. Porém, o filme tem ótimos diálogos, sobretudo quando resolve adentrar no tema da depressão, e isso acaba compensando.


domingo, 12 de junho de 2022

Crítica: Ilusões Perdidas (2022)


Escrito por Honoré de Balzac (1799-1850), Ilusões Perdidas retrata a ascensão da burguesia francesa após a queda de Napoleão, principalmente suas hipocrisias e suas mil maneiras de corrupção. Trazer para as telas um texto histórico como este nunca é uma tarefa fácil, e o diretor Xavier Giannoli optou por adaptar a história com mudanças significativas na narrativa e traçando até mesmo paralelos com a nossa realidade.


O enredo acompanha Lucien de Rubempré (Benjamin Voisin), um aspirante a poeta que deixa seu vilarejo do interior para tentar ganhar a vida na efervescente Paris do início do século XIX. Pouco a pouco, no entanto, ele vai descobrindo uma realidade em que seu talento pouco importa, já que o que fala mais alto é o dinheiro e as conexões. Entre manipulações e subornos, só se torna alguém no mundo literário quem consegue adentrar no sistema corrupto, e como Lucien queria alcançar o sucesso, passa a fazer parte do jogo.

Tecnicamente o filme tem uma beleza extasiante, tanto nos cenários internos e externos, como nos figurinos. As atuações também estão boas, assim como a trilha sonora. Infelizmente senti que a trama se tornou um pouco maçante do meio para o final, talvez pelo fato de ter uma longa duração e uma conversação rápida entre os personagens, que não cessa um segundo. Porém, entendo a escolha da direção, já que o texto de Balzac é realmente longo e tentar reduzir isso para caber em um filme de 2h30 não é fácil. Uma das tentativas de Gianolli de deixar a obra mais dinâmica é ter um narrador onipresente, que vai nos apresentando a cada nova situação ou lugar, mas de qualquer forma, há que se ter um pouco de paciência.


A comparação com a realidade do século XXI se dá quando o filme passa a acompanhar os jornalistas franceses da época e suas "fake news". O termo, apesar de novo, não é novidade neste meio, e bastava alguém pagar um pouco mais para que se inventasse uma história contra seu rival ou desafeto. Outro ponto discutido são sobre os "críticos de arte", e sua verborragia arbitrária. É curioso como uma obra escrita há 3 séculos atrás ainda consegue ser atual de alguma forma, e isso explica o porquê dela ser reconhecida até hoje.