terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Crítica: M3GAN (2022)


Sempre que vejo alguma notícia sobre um novo robô de inteligência artificial criado pelo homem, me vem o questionamento: e se esse robô simplesmente parasse de obedecer os comandos e começasse a agir descontroladamente matando ou ferindo pessoas? A ficção científica também já pensou nisso, é claro, e temos alguns bons exemplos no cinema sobre isso. E se a vida muitas vezes imita a arte, não posso deixar de mencionar o quanto algumas criações do homem nos últimos anos tem se aproximado cada vez mais de uma linha perigosa, e uma rápida pesquisa no Google não me deixa mentir.



No filme dirigido por Gerard Johnstone, M3gan, ou mais precisamente "Modelo 3 de Android Generativo", é uma boneca concebida para ser uma grande revolução no mundo dos brinquedos. Se há muito tempo atrás as bonecas eram feitas de panos, agora, com a competição dos eletrônicos, elas precisam ser muito mais do que isso para chamar a atenção das crianças. E no caso de M3GAN, ela fala, interage com reações e expressões espontâneas, e até mesmo ensina a criança que estiver em posse dela, sendo sua maior companheira.

A responsável pela criação do projeto é Gemma (Allison Williams), que vinha sofrendo pressão da empresa onde trabalha para criar algo que revolucionasse o mercado dos brinquedos e batesse qualquer concorrência. E com a boneca, ela aparentemente conseguiu. Gemma também acaba ficando responsável por cuidar da sobrinha Cady (Violet McGraw), após os pais morrerem em um acidente de carro, e a menina se torna uma espécie de "cobaia" do protótipo, de quem ela não desgruda um minuto sequer.

A boneca acaba sendo uma metáfora em relação ao vício que as crianças de hoje em dia têm com a tecnologia, onde ficam completamente dependentes e acabam, muitas vezes, não desenvolvendo partes importantes do crescimento como a sociabilidade, justamente por não ter tanto convívio com outras crianças. Hoje o que mais vemos são crianças presas em tablets e celulares, e que parecem não saber mais o que é se divertir sem isso. E mais do que isso, com total aval dos pais, que vêem nisso uma forma de prender a atenção dos filhos enquanto fazem outras coisas.


Neste ponto, o filme acerta em cheio na crítica. Porém, por mais que levante essa discussão importante em relação a criação das crianças, M3GAN é um filme que não tem a mínima intenção de ser levado a sério, e não esconde isso. Algumas cenas são realmente bizarras, mas estranhamente acabam sendo boas e engraçadas em um contexto geral. Fica bem nítido que temos aqui uma tentativa de criar um novo personagem icônico, ao estilo "Chucky" ou "Anabelle", e só o tempo dirá se isso deu certo ou não.


domingo, 29 de janeiro de 2023

Crítica: Babilônia (2022)


O cinema existe desde o final do século XIX, e de lá para cá passou por inúmeras transformações que foram moldando o que nós conhecemos hoje. A mais significativa delas talvez tenha acontecido em 1927, quando os filmes finalmente começaram a ter som, enterrando de vez a era do cinema mudo. Algumas obras já trataram este período de transição muito bem, como o clássico Cantando na Chuva (1952) e o mais recente O Artista (2011), e agora Damien Chazelle traz o tema novamente à tona com Babilônia (Babylon), um filme insano, despudorado e extremamente caótico, mas que encontra nesse seu próprio caos o espaço para fazer uma apaixonante homenagem à sétima arte.


O roteiro começa justamente em 1927, quando Hollywood vivia uma efervescência poucas vezes vista na história. Há relatos da época que dizem que as festas contendo atores, diretores e produtores de Los Angeles eram verdadeiros bacanais, regados a muita droga, loucura e depravação. E é mais ou menos este clima que Chazelle tenta recriar desde o início do filme. Inclusive, a primeira meia hora se passa praticamente toda dentro de uma destas festas, que está acontecendo na mansão do dono de um estúdio famoso. E enquanto a insanidade toma conta, com a presença até mesmo de um elefante, alguns acordos são fechados por detrás das portas, geralmente envolvendo algum tipo de suborno ou favores.

Quem chega na festa de fininho e abala as estruturas é Nelly LaRoy (Margot Robbie), uma aspirante a atriz que chama a atenção pela beleza e desenvoltura e logo é chamada para participar de um filme. Ela ainda é uma completa desconhecida no meio cinematográfico, mas adora dizer que "nasceu uma estrela", sendo capaz de qualquer coisa para chegar ao estrelato. Na festa, LaRoy também acaba fazendo amizade com Manny (Diego Calva), outro importante personagem do filme que trabalha como "faz tudo" do dono do estúdio, até que acaba virando ajudante pessoal do ator Jack Conrad (Brad Pitt).


Tudo ia bem na vida e na carreira destes três personagens principais, até que a novidade do som chega e muda tudo de cabeça para baixo. Todos que trabalhavam com cinema tiveram que passar por uma adaptação com a adoção dos filmes sonoros, e os atores com certeza foram os mais prejudicados neste processo. Muitos tinham enorme talento para as telas de uma maneira corporal, mas tinham dificuldades em decorar falas ou acertar o tom de voz. Além disso, se antes as gravações poderiam ser feitas em qualquer lugar, inclusive instantâneamente com outras, agora elas necessitavam de um local silencioso e fechado, para que o som fosse captado da maneira correta. E neste cenário, tanto Jack, que já tinha uma carreira consolidada no cinema, como a novata LaRoy perderam espaço, pois não conseguiam nem mesmo acertar coisas básicas como a marcação de onde estava o microfone. E o que fazer quando o sonho de uma vida desmorona porque a indústria resolveu se atualizar?
 

Eu particularmente gosto demais de filmes que mostram os bastidores da criação de um filme, principalmente quando se passa nos primórdios do cinema. As dificuldades da época, os recursos para se criarem cenas extravagantes quando não existia a mínima possibilidade de efeitos visuais como os que vemos hoje, tudo é mostrado de forma sublime. Outro ponto que achei curioso, é ver como Hollywood também foi ficando cada vez mais moralista e conservadora na medida em que conquistava mais glamour. A partir dos anos 1930, para conseguir um papel em um filme, uma atriz tinha que ser pomposa e charmosa, e não havia mais espaço para pessoas como LaRoy, que era totalmente despida de qualquer vergonha e odiava todas essas convenções. E esse conservadorismo só foi começar a ser aberto novamente lá pelos anos 1960, com a chegada da contracultura.



Na parte técnica, o filme é simplesmente impecável. A trilha sonora de Justin Hurwitz é primorosa, presente em todo momento, e consegue se inserir nas cenas de uma maneira única. As cenas das gravações dos filmes também impactam pela grandiosidade, e a fotografia é belíssima. Quanto às atuações, o grande destaque fica por conta da Margot Robbie. O filme só não é perfeito porque o roteiro possui muitas partes aleatórias, onde coisas verdadeiramente estranhas acontecem ao mesmo tempo, algumas sem nenhuma explicação. Talvez uma ou duas cenas poderiam ter sido facilmente retiradas, o que não faria diferença alguma no resultado final e ainda ajudaria a diminuir um pouco a duração desgastante no final. Mas o fato é que gostando ou não (porque sim, é um filme extremamente divisivo), Babilônia acaba sendo uma grande experiência cinematográfica, e é por filmes como este que a gente ainda sai do conforto de casa e vai a uma sala cheia de gente para ficar horas sentado olhando para uma tela.


domingo, 22 de janeiro de 2023

Crítica: Nossa Senhora do Nilo (2022)


Baseado no livro de memórias escrito pela ruandesa Scholastique Mukasonga, o novo filme do saudita Atiq Rahimi (A Pedra da Paciência, 2014) se passa em Ruanda no ano de 1973, e mostra uma espécie de "prelúdio" do que viria a acontecer duas décadas depois no país, quando cerca de um milhão de pessoas foram mortas em um dos genocídios mais violentos da história.



Nossa Senhora do Nilo (Notre-Dame du Nil) acompanha o dia a dia de um colégio interno católico, situado no alto de uma colina, onde as alunas são preparadas para pertencerem à elite ruandesa após se formarem. Com uma grande maioria composta por hutus, e uma minoria de tutsis (cuja admissão é feita por cotas), o colégio acaba sendo o primeiro retrato de como esta divisão já fazia parte do cotidiano dos locais, ainda que todas as meninas vivessem juntas compartilhando o mesmo dormitório. De cara somos apresentados às personagens de uma maneira bem interessante: através de uma chamada escolar, onde cada uma tem seu rosto mostrado na medida em que a professora ia chamando seus nomes. Entre elas, algumas acabam ganhando destaque no desenrolar do filme, como Gloriosa (Albina Sidney Kirenga), Imaculada (Malaika Uwamahoro), Verônica (Clariella Bizimana) e Modesta (Belinda Rubango Simbi). E é através destas quatro personagens que as subtramas principais se desenvolvem.

O diretor critica bastante a questão da colonização européia na África e a maneira invasiva como isso ocorreu. As aulas, por exemplo, eram ministradas em francês, e os professores ensinavam apenas a história dos países europeus, pois havia uma tendência ao apagamento de toda a riquíssima história do continente africano. Uma das meninas inclusive indaga sobre isso, e a resposta da professora é curta e grossa: "A Europa é a história, a África é apenas geografia". É como eles verdadeiramente enxergavam o continente, apenas como um ponto no mapa a ser explorado e evangelizado.

Na época em que se passa o filme, Ruanda já era um país independente, porém ainda estava muito presa a herança deixada pela presença dos belgas. Isso também é mostrado pelos olhos das meninas, como quando uma delas se incomoda com o "nariz fino" que foi feito na estátua da Nossa Senhora, e bola um plano para tentar fazer ele o mais parecido possível com o dos moradores locais. É através de pequenas atitudes como essa que elas tentam resgatar um pouco da própria identidade, que foi varrida para debaixo do tapete pelos colonizadores.



Infelizmente, ao tentar abordar muitos aspectos da vida dessas meninas, o roteiro acaba se perdendo um pouco, e a montagem entre um fragmento e outro também prejudica bastante. Alguns personagens também acabam sendo muito superficiais, como o belga Fontenaille (Pascal Greggory), que está no vilarejo estudando os aspectos físicos das meninas e chega a montar uma espécie de altar para uma ancestral tutsi. E a grande tragédia final, que era para ser chocante, acaba sendo apenas abrupta e pouco convincente, justamente porque os motivos não são contextualizados da forma como deveriam. Por fim, Nossa Senhora do Nilo é um triste retrato de um ódio que nasce sem nenhuma justificativa, mas sua mensagem infelizmente acaba escorrendo entre os dedos pela narrativa inconsistente.


sábado, 21 de janeiro de 2023

Crítica: Garoto dos Céus (2022)



Política e religião são duas esferas que jamais deveriam se misturar. Dito isto, sabemos que essa junção acontece há todo momento, até mesmo em países laicos como o Brasil. Em Garoto dos Céus (Boy From Heaven), filme que representa a Suécia no Oscar deste ano, o diretor Tarik Saleh usa o exemplo da religião muçulmana, que talvez seja a que mais interfere na política ditando suas regras e leis, mas desta vez mostrando o contrário: a tentativa de intromissão do governo egípcio dentro da religião.


Filho de um humilde pescador, Adam (Tawfeek Barhom) recebe a oportunidade de estudar na Universidade Al-Azhar, no Cairo, a segunda universidade mais antiga do mundo e o mais respeitado centro de estudos do islamismo. Logo que chega no local, o grande líder religioso do mundo sunita, o Imã, acaba falecendo, o que automaticamente inicia o processo de escolha do próximo a ocupar o cargo. Por meio do Coronel Ibrahim (Fares Fares), Adam acaba sendo o escolhido para ser o informante que o Estado precisa dentro da instituição para tentar influenciar na escolha deste novo líder e ter, como consequência, a religião em suas mãos.

O roteiro segue a cartilha clássica dos filmes de thriller, mas inserido no meio do islã, algo que até então confesso não lembro de ter visto igual. O filme trabalha muito bem a questão das divisões e frentes opostas que existem dentro desta religião, entre radicais e não radicais, como quando cita o livro do "Jihad", que é expressamente proibido dentro da universidade, ainda que alguns alunos "dissidentes" consigam ter acesso. Gostei bastante desta escolha da direção, pois de uma maneira geral, nós não temos a exata noção de como funciona o mecanismo por dentro do islamismo, por ser algo distante da nossa realidade, e isso acaba sendo uma boa surpresa e até mesmo um aprendizado.


O diretor Tarik Saleh também afronta o sistema autoritário do Egito, e não deixa de fazer duras críticas a ele. A tentativa do governo de interferir diretamente na escolha do novo Imã é de fato um absurdo, e eles não medem esforços para tirar do caminho os opositores. Mas ainda que seja um thriller onde acontecem assassinatos e reviravoltas, o filme não possui aquelas sequências de ação costumeiras em filmes do gênero, e tudo acontece nas "sombras". As atuações por vezes parecem caricatas, mas eu gostei de Fares Fares, que já havia trabalhado com o diretor em "O Incidente no Nile Hilton". Por fim, Garoto dos Céus justifica o prêmio de melhor roteiro em Cannes por romper com a cartilha tradicional dos filmes de espionagem, trazendo uma nova roupagem e nos apresentando a uma cultura pouco conhecida para os lados de cá.


quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Crítica: As Linhas Tortas de Deus (2022)


O espanhol Oriol Paulo tem a minha admiração desde que lançou El Cuerpo (2012), que na minha opinião é um dos melhores filmes de suspense já feitos para o cinema. Desde então, procuro assistir tudo que ele faz, e apesar de não ficar encantado como da primeira vez, sempre acaba sendo uma boa experiência. Depois que iniciou uma parceria com a Netflix, o diretor lançou uma série (O Inocente) e três filmes diretamente no catálogo do streaming: Um Contratempo (2016), Depois da Tormenta (2018) e agora As Linhas Tortas de Deus (Los Renglones Torcidos de Dios), que promete ser o seu trabalho mais divisivo.


Baseado no livro homônimo de Torcuato Luca de Tena, o filme se passa no final dos anos 1970 e acompanha Alice Gould (Bárbara Lennie), uma detetive que aceita entrar como paciente em um manicômio para investigar uma suposta morte ocorrida no local. De acordo com ela, o pedido de investigação é do pai da vítima, um homem importante que faz um acordo com o diretor da instituição para que ela possa se passar por paciente sem que ninguém saiba da verdade, justificando que ela está ali depois de ter tentado envenenar o marido.

De uma forma nada linear, vamos acompanhando o desenrolar desta investigação em meio a outros tantos acontecimentos paralelos. Através de Urquieta (Pablo Derqui), um paciente antigo do local, Alice vai sabendo um pouco mais sobre cada um dos outros internos, bem como seus diagnósticos. Neste ponto o filme acerta em cheio ao mostrar como a medicina psiquiátrica era muito falha na sua forma de lidar com os enfermos de doenças mentais naquela época, apelando até mesmo para o terrível método de eletrochoques.

Pouco a pouco o "quebra cabeça" que Alice foi montar vai sendo completado, e o roteiro faz questão de nos instigar a duvidar de tudo, inclusive da própria Alice, já que na sua carta de admissão havia um trecho do médico responsável onde dizia para não acreditarem nela por ser uma mentirosa compulsiva. E o destaque todo fica por conta da atuação de Bárbara Lennie, que consegue criar toda a atmosfera dúbia na pele desta personagem tão enigmática e persuasiva.


Poucos diretores trabalham tão bem as reviravoltas em um filme como Oriol Paulo, e é impossível assistir um trabalho seu sem ficar esperando que tudo possa mudar de uma hora para a outra. Mas aqui eu senti que ele deu uma leve exagerada, tornando o filme bem cansativo após um certo momento. Uma pena, pois potencial existia. O que não se pode negar é que o final realmente surpreende, ainda que seja muito confuso.


Crítica: Holy Spider (2022)


Baseado em uma história real ocorrida na cidade iraniana de Meshed entre os anos 2000 e 2001, Holy Spider acompanha uma série de assassinatos de mulheres cometidos por Saeed Hanaei, um serial killer que no período de um ano matou ao todo dezesseis mulheres, todas prostitutas, por pura convicção religiosa. Sua justificativa era "limpar as ruas" destas mulheres, que para ele sujavam a sociedade iraniana e a religião muçulmana.



O roteiro não faz suspense, e já mostra logo de cara quem é o assassino, e isso ajuda a entender ainda mais suas reais intenções. Aos olhos dos outros, Saeed (Mehdi Bajessan) era um cidadão comum, pai de família e trabalhador da construção civil, que tratava bem seus filhos e sua esposa. Ou seja, alguém totalmente acima de qualquer suspeita. Quando uma repórter (Zar Amir Ebrahimi) chega à cidade, ela fica responsável por investigar a fundo o caso, já que logo percebe que a polícia aparentemente não tem intenção nenhuma de fazer algo a respeito. 

É interessante como o roteiro não foca na investigação em si, até por já sabermos quem é o assassino, mas sim, na dificuldade da jornalista em conseguir obter as provas e consequentemente justiça para as vítimas, já que grande parte da sociedade civil passou a ver o assassino como um herói moral, que estava salvando a região (conhecida por ser muito religiosa) dos pecados.

O filme também tece críticas às instituições iranianas, mas parece ter receio de falar mal do governo e de suas leis ultrapassadas. Também achei um pouco forçada as cenas das mortes, pois acho que não havia necessidade de mostrá-las de um jeito tão brutal como foram mostradas. Faltou sutileza para nos deixar revoltados sem precisar apelar. O ponto positivo é a atuação de Ebrahimi, que inclusive foi escolhida como melhor atriz no último Festival de Cannes.


Holy Spider é um filme poderoso, que critica sobretudo o fanatismo religioso, que foi o grande responsável por esses crimes ocorrerem e serem aplaudidos por uma parte considerável da população. Mais do que isso, fala sobre o quanto esse tipo de pensamento é normalizado e passa de geração para geração, como quando Saeed ensina seu filho a seguir seus passos.


sábado, 14 de janeiro de 2023

Crítica: Last Film Show (2022)


Quando a Índia anunciou seu candidato oficial ao Óscar de melhor filme internacional para a edição de 2023, muita gente ficou surpresa. O mais esperado era que fosse escolhido "RRR: Revolta, Rebelião, Revolução", filme que vem conquistando muitos admiradores e, inclusive, tem representado o país em outras premiações como o Globo de Ouro e o BAFTA. Porém, bastam apenas alguns minutos de Last Film Show (Chhello Show) para que a gente compreenda o motivo deste filme ter sido escolhido.


Filmes que conseguem captar a magia que envolve o cinema sempre me encantam. Não é à toa que Cinema Paradiso (Giuseppe Tornatore, 1988) é um dos grandes filmes da minha vida, por mostrar um menino que faz amizade com o projetista de um cinema e se apaixona pela sétima arte. Aqui também temos um menino curioso e adorável, e que também fica deslumbrado com a forma que rodam as películas no projetor até chegar à tela grande. Estou falando de Samay (Bhavin Rabari), que é proibido pelo pai de ir ao cinema, mas consegue fugir da escola todos os dias para acompanhar escondido os grandes sucessos no precário cinema do centro da cidade.

A família do menino é extremamente pobre, e ganha a vida vendendo chá para os passageiros do trem que passa no vilarejo onde vivem. Se as condições de vida impedem o garoto de sonhar alto, o cinema serve como válvula de escape, onde sua imaginação voa longe. Ao fazer um acordo com Fazal (Bhavesh Shrimali), o projetista do cinema, Samay passa a assistir os filmes direto da cabine, onde vai aprendendo como funcionam todos os aspectos da projeção e os detalhes de como são feitos os filmes. Com a intenção de levar a experiência do cinema para as pessoas do seu vilarejo, que em sua grande maioria nunca tiveram a oportunidade de ver um filme, Samay passa a estudar os movimentos de luz e projeção, e com a ajuda de seus amigos acaba criando até mesmo um projetor feito de sucatas.

Desde o início do filme, fica evidente que a grande intenção do diretor Pan Nalin é fazer uma homenagem ao cinema e a quem ajudou a tornar o que ele é hoje, como quando agradece Stanley Kubrick, David Lean, Andrei Tarkovski e os irmãos Lumière logo nos letreiros iniciais. São diretores que moldaram a forma de contar histórias, e serviram de inspiração para praticamente todos os que vieram depois. Mas muito mais do que lembrar de cineastas estrangeiros, Nalin também faz uma belíssima homenagem ao cinema indiano, que é gigantesco e possui uma longa  e importante história, mesmo que do lado de cá a gente conheça muito pouco sobre. No final, o diretor também usa o sentimento de nostalgia para falar sobre o avanço da modernidade e da tecnologia, com uma sequência muito emocional e que toca fundo no coração de qualquer um que tem amor pela sétima arte, mesmo àqueles que, como eu, já cresceram na era digital.

 

A atuação do menino Bhavin Rabari impressiona, ainda mais por pensarmos que é o seu primeiro trabalho como ator. Ele consegue nos apresentar com perfeição um personagem doce e carismático, que tem muita gana de fazer seus sonhos se tornarem realidade. Não posso deixar de falar que o filme tem muitas facilitações, principalmente quando envolve uma "super inteligência" nas crianças, que faz elas ultrapassarem certos obstáculos com uma facilidade que até mesmo adultos não teriam. Mas isso de fato não atrapalha o resultado final, principalmente se você estiver envolvido com a trama da forma como eu fiquei. Por fim, Last Film Show é um filme que não só nos faz regressar às raízes do cinema de uma forma muito sensível e tocante, como também celebra a importância que essa arte tem na vida de todos nós.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Crítica: Corsage (2022)


Representante da Áustria no Óscar de melhor filme internacional, Corsage se passa na Viena dos anos 1880, quando o país era comandado pelo imperador Francisco José I e sua esposa, a Imperatriz consorte Elizabeth. Sissi, como também era conhecida, nunca quis estar no lugar onde estava, e vivia uma vida triste e solitária, ainda que passasse a imagem de imponência quando estava diante das responsabilidades do cargo. E é sobre essa personalidade desconhecida da monarca que se trata o filme de Marie Kreutzer.


Ao completar 40 anos de idade, Elizabeth (Vicky Krieps) vive uma série de conflitos internos, sobretudo quando envolve sua aparência. Ela passa a se sentir muito velha para o cargo, e isso se dá muito mais pela pressão externa do que pelos seus próprios pensamentos, já que na época existia esta visão de envelhecimento precoce por conta da baixa expectativa de vida. Ela se vê cada vez mais forçada a entrar nos padrões que a sociedade impunha, e isso afeta não apenas sua saúde física como também sua saúde mental. Os únicos momentos em que a imperatriz se sente bem é quando está fazendo coisas fora desta realidade sufocante, como quando anda a cavalo ou quando mantém um caso com seu jovem instrutor.

 

O roteiro poderia facilmente seguir a linha de outros filmes biográficos de época que acabam caindo na mesmice e no tédio, porém a direção consegue incluir elementos que não deixam isso acontecer. Dentre os pontos que mais me chamaram a atenção, eu destaco os pequenos alívios cômicos que surgem principalmente por conta da personalidade conflitante da protagonista, e que acabam deixando o filme muito mais leve do que era de esperar. Também gostei muito da fotografia do filme e da representação da época, tanto nos cenários como nos figurinos. Há ainda um momento muito especial que me marcou, onde um dos personagens fala para a Imperatriz que está criando uma máquina capaz de fazer com que fotos ganhem movimentos, remetendo desta forma aos primórdios do cinema e contextualizando uma época onde esta tecnologia estava recém engatinhando.

 


A atriz luxemburguense Vicky Krieps está muito bem no papel de Elizabeth, e consegue passar com muita veracidade o sentimento de melancolia que a personagem carregou durante quase toda sua vida. Aliás, o próprio nome do filme deriva do espartilho que ela usava para reduzir cada vez mais a sua cintura, e serve como metáfora à maneira que ela foi ficando cada vez mais presa dentro do seu próprio casulo e da sua própria realidade sufocante.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Crítica: Os Fabelmans (2022)


Você lembra como foi a sua primeira vez no cinema? Na história de Os Fabelmans (The Fabelmans), novo filme de Steven Spielberg, a primeira ida ao cinema mudou completamente a vida do garoto Sammy (Gabriel Labelle). Eram os anos 1950, e Sammy nada mais é do que a representação do próprio diretor, em uma cinebiografia que visa retratar sua infância e o nascimento da sua paixão pela sétima arte.


Steven Spielberg é um diretor que recusa apresentações. Responsável por alguns dos maiores clássicos do cinema, ele teve sua criatividade aguçada após assistir O Maior Espetáculo da Terra (1952) junto com seus pais, e ficar obcecado por uma cena que mostra um acidente entre um trem e um carro. Tanto que o seu primeiro pedido de presente é uma locomotiva de brinquedo, que ele usa para recriar o acidente inúmeras vezes. Filho de uma família judia, Sammy ficou encantado (e chocado) com a magia do cinema nesta sua primeira experiência, e não demorou muito para ele ganhar a primeira câmera 8mm dos pais. Foi com ela que ele começou a fazer vários pequenos filmes dentro de casa com as irmãs, além de filmar as férias da família. A coisa começa a ficar um pouco mais séria na adolescência, quando ele passa a chamar os amigos para fazer pequenos curtas, sobretudo de "Bang Bang", sua grande paixão.

 

Devido a carreira do pai (Paul Dano) na área de engenharia tecnológica, eles são obrigados a se mudar várias vezes ao longo dos anos, tendo como última parada a Califórnia. A mãe (Michelle Williams) vive como dona de casa, mas diferente do marido que é extremamente burocrático, ela possui uma veia artística muito forte, tendo sido uma pianista e cantora de aparente sucesso. E junto deles sempre está Bennie (Seth Rogen), melhor amigo do pai de Sammy e considerado quase um membro da família por todos. O roteiro é uma verdadeira viagem por dentro deste álbum de memórias do diretor. A relação conturbada dos pais, a depressão da mãe, e o racismo sofrido na escola por ser judeu são alguns dos temas mais fortes trabalhados aqui, mas o que chama mesmo a atenção é o surgimento do que viria a ser um grande cineasta. Acompanhamos o aprendizado de Sammy com a câmera e com o aparelho de montagem, as ideias de roteiros surgindo na cabeça e sobretudo a inteligência de conseguir criar cenários para seus primeiros curtas mesmo tendo poucos recursos.

 


O filme possui muitas cenas memoráveis, mas em um primeiro momento eu destacaria três delas: a primeira é quando Sammy grava imagens que aparentemente eram inocentes, mas que olhando novamente, mostram um segredo que a olhos nus não foi possível identificar. A segunda é quando o garoto mostra estas mesmas imagens gravadas para quem aparece nelas, com a intenção de justificar a sua mudança de comportamento desde então, em uma cena muito sentimental. Outra cena de bastante apelo emocional é quando o garoto ganha a incumbência de fazer um vídeo para ajudar a mãe a lidar com a depressão, e ele o faz brilhantemente. Citaria ainda a exibição pública de imagens gravadas por ele durante um passeio escolar, e a maneira inteligente que ele lidou com o "marmanjo" que o infernizava pelos corredores, e também a exibição do seu primeiro curta-metragem.

As atuações são muito potentes, começando pelo próprio Gabriel Labelle. Paul Dano, Michelle Williams e Seth Rogen também conseguem transportar para as telas tudo aquilo que estes três personagens da vida real significaram para o crescimento do garoto, tanto pessoal como profissionalmente. Destaco ainda uma curta mas importante participação de Boris Schildkrauft, na pele de um tio distante de Sammy que fica uns dias na casa da família e trava bons diálogos com o garoto sobre a vida e sobre os sonhos que cada um carrega dentro de si. No fim, ainda tem uma das maiores participações especiais que já vi em um filme, mas essa eu deixo de surpresa para quem ainda não sabe quem é.

 


A trilha sonora é marcada por mais uma parceria de Spielberg com John Williams, talvez uma das mais icônicas da história do cinema, e não poderia ter sido mais perfeita. A estética setentista e a ambientação da época também são feitas com muito requinte e cuidado aos detalhes. Por fim, Os Fabelmans é muito mais do que uma realização pessoal do diretor, mas um filme sobre a arte de fazer cinema, e isso por si só já o torna apaixonante. Parabéns Sammy (Spielberg), você conseguiu!

 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Crítica: O Pálido Olho Azul (2022)


Adaptado do livro homônimo escrito por Louis Bayard, O Pálido Olho Azul (The Pale Blue Eye) é um thriller psicológico intenso e bastante sombrio que se passa nos arredores de Nova Iorque nos anos 1830, e acompanha a investigação sobre a morte precoce e intrigante de um cadete da Academia Militar dos Estados Unidos.


Em seus sexto filme da carreira, o diretor Scott Cooper retoma pela terceira vez a sua parceria com o ator Christian Bale, que desta vez dá vida ao inspetor aposentado Augustus Landon, convocado para resolver o caso de um jovem soldado que foi encontrado enforcado durante a madrugada. Ele logo ganha a ajuda de Edgar Allan Poe (Harry Melling), um jovem soldado e aspirante a poeta, que se empolga com a ideia de investigar a morte por gostar de temas mórbidos. 

O roteiro vai caminhando lentamente (até demais), soltando dicas nada sutis ao longo do decorrer da trama, o que fez com que eu conseguisse descobrir o motivo da morte bem antes do meio do filme, o que normalmente não acontece pois definitivamente não sou bom em desvendar mistérios. Porém, confesso que o grande plot twist que acontece no final me pegou de surpresa.

 


O grande nome do filme é Bale, mas quem rouba mesmo a cena é Harry Melling, na pele do excêntrico e desajeitado Poe. Os dois juntos são responsáveis pelas melhores cenas do longa, numa parceria que à primeira vista deu muito certo.  Apesar do ritmo extremamente arrastado, e da sua longa duração também não ajudar, O Pálido Olho Azul vale a pena por algumas boas sequências e pelo clima sombrio e gótico que apresenta, que deve agradar os fãs da obra de Poe, mesmo que aqui ele seja um mero personagem fictício.

domingo, 8 de janeiro de 2023

Crítica: O Menu (2022)


Conhecido por dirigir episódios de séries de sucesso como Game of Thrones, Shameless e Sucession, Mark Mylod volta ao cinema depois de onze anos com O Menu (The Menu), um filme que mistura elementos de comédia e terror, e apresenta uma sátira inteligente e perspicaz sobre a burguesia e a sociedade das aparências.


O filme começa com um grupo de pessoas da alta sociedade embarcando em um iate rumo a uma ilha distante, onde fica localizado o conceituado restaurante do chef Slowik (Ralph Fiennes). Só o ingresso para a experiência gastronômica custa mais de mil dólares por pessoa, o que já demonstra ser uma realidade muito distante e restrita apenas às pessoas com muito dinheiro. Entre elas está Tyler (Nicholas Hoult), que sonha se tornar um chef de renome um dia e vê na figura de Slowik quase um Deus, apesar de sua personalidade excêntrica. Quem acompanha ele é Margot (Anya Taylor-Joy), que aparentemente foi levada junto às pressas só porque é proibido ir sozinho ao local.

Junto deles ainda tem outros clientes que esbanjam "prestígio", como um ator de cinema e sua assistente, funcionários do mercado financeiro e uma das principais críticas gastronômicas do país. De forma teatral, Slowik e sua equipe iniciam a degustação dos pratos, e a partir de então o filme segue em forma de capítulos, cada um recebendo o nome do prato ofertado aos clientes na ocasião. Pouco a pouco eles vão ficando incomodados com os atos que acompanham os pratos, que vão ficando cada vez mais violentos e estranhos até atingir níveis bizarros de escatologia.

No meio do ricos, a personagem de Anya Taylor-Joy acaba sendo o ponto fora da curva. Enquanto todos ficam extasiados, ela não sente a mínima vontade de comer aquelas comidas elaboradas, até por ser a única que não faz parte da elite e não está acostumada com toda essa ostentação. O que ela queria mesmo era um bom e velho "xis burguer", e a gastronomia acaba sendo usada como ponto central para a crítica social que o filme pretende trazer. A maioria está ali apenas pelo status, em um claro retrato da sociedade de hoje em dia que parece querer fazer coisas apenas para poder postar na internet.


Infelizmente, na medida em que o roteiro ia evoluindo, eu ia ficando cada vez mais incomodado com a complacência dos personagens diante dos atos que vão acontecendo, e isso me desprendeu um pouco da história. Entendo que talvez seja uma crítica ao culto cego que as pessoas tem por celebridades, que as fazem não recriminar suas ações erradas por mais repugnantes que sejam, mas ainda assim foi bem difícil de engolir certas omissões. O destaque mesmo fica por conta da atuação brilhante de Ralph Fiennes na pele de um homem misterioso e extremamente controverso, e que acaba rendendo ótimos momentos isolados.
 

sábado, 7 de janeiro de 2023

Crítica: Close (2022)


Vencedor do Grande Prêmio do Júri em Cannes e escolhido para representar a Bélgica no Oscar de melhor filme internacional em 2023, Close é um filme muito delicado sobre afeto e amadurecimento, mas que infelizmente perde muito no desenvolvimento fraco dos seus personagens.
 

O filme acompanha Leo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav de Waele), dois amigos inseparáveis que estão na altura dos 13 anos de idade. Eles fazem praticamente tudo juntos, desde brincar até dormir na mesma cama, e isso acaba despertando bullying por parte dos colegas na volta às aulas, que passam a chamá-los de "maricas" e rir da relação dos dois. Incomodado com essas provocações, Leo acaba se distanciando do amigo, até que uma tragédia interrompe de vez a amizade.

O roteiro põe o dedo na ferida da masculinidade tóxica, que desde cedo é incentivada pela sociedade. Enquanto meninas crescem dormindo juntas, e até mesmo tomando banho juntas, qualquer tipo de afeto entre dois garotos é visto com "maus olhos". Na tentativa de mostrar que é "homem", mesmo sem entender muito bem o que significa isso, Leo acaba se fechando em seu mundo, perdendo a inocência dos seus sentimentos e assumindo uma personalidade que não é a sua.
 

O ritmo é extremamente lento, uma característica do diretor que já havia sido marcante em Girl (2019), e isso por si só não seria defeito algum. O problema é que o roteiro acaba desenvolvendo muito mal seus personagens, principalmente Rémi e sua mãe. Não consegui criar nenhum tipo de vínculo com eles, e muito menos comprar a justificativa do ato trágico que ocorre no meio do filme. Meu único destaque é para Eden Dambrine, que apenas com o olhar consegue passar todo o sentimento de culpa e de confusão de um garoto que está sendo obrigado a crescer antes do tempo.