segunda-feira, 30 de maio de 2016

Crítica: A Terra e a Sombra (2015)


Vencedor do Camera D'Or no Festival de Cannes de 2015, prêmio concedido ao melhor filme de um diretor estreante, A Terra e a Sombra (La Tierra Y La Sombra), do colombiano César Augusto Acevedo, encanta e emociona ao apresentar uma história extremamente humana e carregada de crítica social em um país que ainda vive numa devastadora desigualdade.


Gerardo (Edison Raigosa) enfrenta uma terrível doença respiratória, resultado de anos de trabalho nas plantações de cana-de-açúcar, de onde sempre tirou o sustento da família. A enfermidade é tão grave que Gerardo mal consegue levantar da cama, e para manter a casa, sua mãe (Marleyda Soto) e sua mulher (Hilda Ruiz) trabalham duro no canavial, onde são exploradas pelos patrões.

Certo dia Alfonso (Haimer Leal), pai de Gerardo, resolve reaparecer na casa, de onde saiu 17 anos atrás e nunca mais retornou. Em meio a este conturbado cenário, o patriarca tenta ajudar o filho ao mesmo tempo em que tenta retomar alguns assuntos pendentes do passado junto com a ex-esposa.


O roteiro lento, silencioso e contemplativo de Acevedo casa de forma extraordinária com os eventos e os fatos apresentados. O diretor consegue extrair o máximo de cada ator, e nos traz uma história rica em personagens que demonstram seus sentimentos apenas pelos olhares, com poucos diálogos.

O mote central do filme é o drama familiar, mas como pano de fundo ele traz uma crítica social sucinta, desde o explorado doente que não recebe nenhuma ajuda dos patrões até as péssimas condições dos serviços de saúde. No meio de tudo uma criança, que apesar de todos os problemas que o cercam, tenta enxergar a vida sempre com esperança.


Por fim, A Terra e a Sombra é mais um exemplar de ouro do cinema latino, e comprova o porque do cinema daqui merecer cada vez mais ser exaltado por sua qualidade e excelência para o resto do mundo. Grande obra de um diretor que vai longe.

domingo, 22 de maio de 2016

Os vencedores do Festival de Cannes 2016


Chegou ao fim neste domingo mais uma edição do charmoso Festival de Cannes, realizado anualmente na França, e o principal premiado foi na verdade uma grata surpresa. Poucos apostavam nele, mas I, Daniel Blake, do veterano Ken Loach, foi o grande vencedor da Palma de Ouro. O filme conta a história de um operário doente que não consegue receber seu seguro-desemprego por causa da burocracia do sistema social do Reino Unido, e no discurso Loach não poupou palavras para criticar o crescimento dos governos de direita pelo mundo. O diretor irlandês se junta a Francis Ford Coppola, Michael Haneke, Emir Kusturica e os irmãos Dardenne como os únicos diretores a ganhar o prêmio duas vezes.

Ken Loach agradecendo após receber sua segunda Palma de Ouro da carreira.

Se poucos esperavam a vitória de Loach na Palma de Ouro, menos ainda esperavam que Juste la Fin du Monde, de Xavier Dolan, ganhasse o Grande Prêmio do Júri. O canadense de 27 anos, que já é presença constante no festival, já havia ganhado o mesmo prêmio em 2014 por Mommy, mas este ano quase ninguém apostava na sua vitória. A comédia alemã Tony Erdman confirmou o status de "queridinha" dos jornalistas e levou para casa o prêmio de melhor filme segundo a Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema).

Xavier Dolan, só 27 anos e mais uma vez premiado em Cannes.

O prêmio mais polêmico da noite foi para Olivier Assayas, como melhor diretor por Personal Shopper. O filme com Kristen Stewart foi bastante vaiado durante sua exibição, e recebeu novas vaias quando o nome de Assayas foi anunciado como vencedor. O prêmio de melhor direção ainda foi dividido com o romeno Cristian Mungiu por Graduation, que no discurso criticou a falta de espaço para o "cinema de autor" no mundo de hoje.

Olivier Assayas recebeu o prêmio de melhor diretor por Personal Shopper.

Na mostra Un Certain Regard, a segunda mais importante do festival, o principal ganhador foi o finlandês Hymyileva Mies, do diretor Juho Kuosmanen, que conta a história real do primeiro finlandês a lutar pelo campeonato mundial de boxe peso pena. Na mesma mostra, o prêmio do júri foi para Fuchi Ni Tatsu, do japonês Koji Fukuda. Já o prêmio da crítica foi para o romeno Dogs, drama pesado sobre um homem que se dá conta de que o avô morto era um criminoso. 

Na mostra Olho de Ouro, criada ano passado para premiar os melhores documentários, quem se deu bem foi um brasileiro: Eryk Rocha e seu Cinema Novo, que mostra um pouco mais do movimento cinematográfico que lançou nomes como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Cacá Diegues e tantos outros para o mundo. Enfim, confira abaixo os principais prêmios do festival.

Palma de Ouro
I, Daniel Blake, de Ken Loach (Reino Unido)

Grande Prêmio do Júri
Juste la Fin du Monde, de Xavier Dolan (Canadá/França)

Melhor Diretor
Olivier Assayas, por Personal Shopper (França) e Cristian Mungiu, por Graduation (Romênia)

Melhor Atriz
Jaclyn Jose, por Ma' Rosa (Filipinas)

Melhor Ator
Shahab Hosseini, por The Salesman (Irã)

Melhor Roteiro
The Salesman, de Ashgar Farhadi (Irã)

Prêmio do Júri
American Honey, de Andrea Arnold (Estados Unidos)

Prêmio Caméra d'Or (para diretores estreantes)
Divines, de Houda Benyamina (Afeganistão)

Melhor Filme na Mostra Un Certain Regard
Hymyileva Mies, de Juho Kuosmane (Finlândia)

Prêmio do Júri na Mostra Un Certain Regard
Fuchi Ni Tatsu, de Koji Fukeda (Japão)

Prêmio Olho de Ouro
Cinema Novo, de Eryk Rocha (Brasil)

Crítica: Para Minha Amada Morta (2016)


Um drama psicológico que prioriza o silêncio e se concentra principalmente nas ações dos personagens principais. É assim Para Minha Amada Morta, primeiro filme solo de Aly Muritiba, um diretor que já era bastante conhecido pelos seus curtas metragens, mas que agora resolveu se arriscar pela primeira vez em algo de longa duração.



A trama gira em torno de Fernando (Fernando Alves Pinto), um fotógrafo que acabou de perder a esposa. Vivendo em luto junto com filho pequeno, Fernando continua guardando e organizando as coisas da esposa todas as noites, como forma de relembrar o grande amor da sua vida.

Um dia, ao remexer em fitas VHS antigas, ele descobre uma traição. Obcecado com o homem que aparece nas gravações, Fernando vai atrás dele e descobre ser Salvador (Lourinelson Vladmir), um homem católico, casado e com duas filhas. Munido de um sentimento de vingança, mas sem saber bem qual atitudes tomar, Fernando decide se aproximar da família de Salvador, tornando parte da rotina deles.



Cada cena do filme transborda tensão, como se a cada minuto algo estivesse prestes a acontecer. Diferente de thrillers do gênero, não vemos aqui nada de ação ou reviravoltas, mas apenas o dia-dia de um homem angustiado que não sabe bem o que quer. O que mais me incomodou no filme todo, porém, é o fato do diretor não se preocupar em explicar alguns atos, que acabam ficando soltos e mal aproveitados. As atuações também são no mínimo estranhas, para não dizer fracas, e os atores em nenhum momento conseguiram me deixar imerso na história, o que fez uma enorme diferença no resultado final.


Crítica: Ave, César! (2016)


Depois do indigesto Inside Llewyn Davis, lançado em 2013, os irmãos Ethan e Joel Coen estão de volta às telas com o gênero que eles mais dominam: a comédia. Mas, apesar do humor negro continuar o mesmo, eles ainda estão longe daquela qualidade que os consagraram nos anos 1990 e no começo dos anos 2000, e nos entregam um filme que até entretém, mas não convence.



A trama de Ave, César! (Hail, Ceaser!) gira em torno de Eddie Mannix (Josh Brolin), um importante funcionário dos estúdios Capitol Pictures durante a era de ouro de Hollywood. Sua função sempre foi dar uma "ajeitada nas coisas", ajudando suas estrelas em diversas situações, desde cumprir seus compromissos profissionais até varrer escândalos para debaixo do tapete antes que chegassem à mídia.

O estúdio está em plena produção de diversos filmes, entre eles um épico milionário que contará a história de Jesus Cristo e que tem como estrela o famoso Baiard Whitlock (George Clooney). Apesar de lidar com problemas todos os dias, Mannix se vê de frente com o maior desafio de toda a sua carreira quando Baiard é sequestrado durante as filmagens finais do filme, e isso ameaça pôr em risco toda a produção.



Apesar da premissa, o filme não fica apenas na história do sumiço de Baiard, mas mostra também os bastidores de outras produções do estúdio no momento, e isso consegue ser seu ponto forte. Uma dessas produções é um musical aquático, que conta com a negligente DeeAnna Moran (Scarlett Johansson) como protagonista. Outro filme, também um musical, é protagonizado por Burt Gurney  (Channing Tatum), e fala sobre um grupo de marinheiros em alto mar que estão preocupados por ficarem meses longe de qualquer contato feminino. Por fim, tem um drama com o jovem ator Hobie Doyle (Alden Ehrenreich), que ficou famoso pelos seus filmes de faroeste mas não possui nenhuma aptidão para atuar entre quatro paredes. Este último, aliás, é o responsável pelas melhores cenas da produção.

Além destes personagens, o filme ainda conta com participações interessantes de Ralph Fiennes e Tilda Swinton, e mais uma série de rostos conhecidos. Ambientado no período de "paranoia anti-comunista" instaurada nos Estados Unidos nos anos 1950, o enredo abre uma discussão divertida acerca de crenças e valores que estavam em voga na época, como o cristianismo e o próprio comunismo, mas nada que se possa levar realmente a sério.



Apesar de todos os tropeços, a realista ambientação da época e o giro por diversos gêneros, como uma verdadeira homenagem ao cinema, conseguem fazer com que o filme tenha lá os seus bons momentos, ainda que seja facilmente esquecível.


quarta-feira, 11 de maio de 2016

Crítica: Conspiração e Poder (2016)


Depois da vitória de Spotlight no Óscar deste ano, o público e principalmente os estúdios voltaram a dar atenção para filmes que abordam o importante trabalho do jornalismo investigativo. Conspiração e Poder (Truth), do diretor estreante James Vanderbilt, se aproveita disso e traz às telas uma história real que causou polêmica em 2004 e envolveu duas das maiores emissoras de televisão do país.


Naquele período, os Estados Unidos passavam por um período de incertezas com a eleição presidencial que poderia reeleger George W. Bush ou tirá-lo  definitivamente do poder. E é neste cenário que a jornalista Mary (Cate Blanchett), apresentadora do famoso programa 60 minutos, recebeu fortes indícios de um fato do passado de Bush que faria sua carreira política ruir de vez.

Decidida a levar essa história aos seus telespectadores, Mary e seus colegas passam a investigar o fato. Segundo documentos obtidos pelos mesmos, Bush teria escapado sorrateiramente de lutar no exército americano durante a Guerra do Vietnã, e quem conhece um pouco do povo americano sabe que mexer os pauzinhos para escapar de defender o país numa guerra é uma das piores coisas que um americano pode fazer.


Porém, depois que a matéria vai ao ar, começam a aparecer as controvérsias da história. Tanto Mary como a própria emissora e o programa passam a ser desacreditados pela emissora rival e militantes pró-bush, com documentos que provam que tudo aquilo que foi exposto na televisão era na verdade mera especulação. É quando começa o pesadelo na vida de Mary, que chega a ser ameaçada de morte.

Com um roteiro preciso, o filme tem como missão mostrar o quanto a mídia tem o poder de movimentar massas e mudar situações, criando seus próprios vilões e mocinhos. O ponto forte está nas atuações competentes dos veteranos Cate Blanchett e Robert Redford, que em cena tem uma parceria bastante interessante. Mesmo não aprofundando no assunto, o filme mostra ainda a visão machista da sociedade que tentou desacreditar Mary criticando seu posicionamento liberal e feminista, como se isso fosse motivo para não levá-la a sério.


Por fim, Conspiração e Poder pode até ter os seus defeitos, principalmente na montagem, mas não deixa de ser um filme interessante num todo. A verdade nem sempre consegue ser maior do que o jogo de interesses, e isso é muito mais real e rotineiro do que se pensa.