sábado, 19 de junho de 2021

Crítica: Loucos por Justiça (2020)


Sucesso de público e crítica na Dinamarca, o novo filme de Anders Thomas Jensen (de Men & Chiken) aborda o tema do luto familiar de um jeito muito original e ousado, abusando de uma característica típica do cinema do diretor: o humor ácido.



Na trama de Loucos por Justiça (Retfaerdighedens Ryttere), Markus (Mads Mikkelsen) é um militar em ação que precisa voltar pra casa após a notícia de que sua esposa morreu em um acidente de trem. Lidando com o luto e tendo que cuidar da filha adolescente (Andrea Gadeberg) que sobreviveu, ele recebe a visita de Otto (Nikolaj Kaas), que estava no mesmo vagão da sua esposa e desconfia que não foi um acidente, mas sim uma ação criminosa para matar um dos passageiros sem deixar pistas.

Otto é um matemático que trabalha com probabilidades, e se junta aos amigos Lennart (Lars Brygman) e Emmenthaler (Nicolas Bro), para tentar comprovar a teoria do suposto atentado, algo que a polícia não leva a sério e descarta investigar. Mas eles não desistem e procuram a ajuda de Markus, sabendo que na dor da perda ele faria de tudo para procurar a verdade e consequentemente a justiça.



Temos aqui mais um trabalho genial de Mads Mikkelsen, um dos melhores atores da atualidade, que interpreta um personagem frio e bastante melancólico, que tem dificuldade em demonstrar seus sentimentos e de lidar com pessoas. Mas ao mesmo tempo é extremamente humano, e isso fica evidente em pequenas demonstrações de afeto que tem com a filha. O resto do elenco também está magistral, e consegue achar um equilíbrio perfeito entre ação, drama e comédia como há muito tempo eu não via. Parecem personagens simples, mas vão ganhando complexidade na medida que vamos descobrindo seus traumas e suas inseguranças.

O roteiro tem pitadas de humor muito bem colocadas e nem um pouco forçadas, sendo tudo muito natural. Porém, mesmo com esses alívios cômicos, não se trata de um filme leve. Temos aqui uma história recheada de reflexões importantes sobre temas como o luto, a amizade, a família, o sentido de algumas coisas acontecerem nas nossas vidas e o fato de que não precisamos de respostas para tudo.


quarta-feira, 16 de junho de 2021

Crítica: Rocks (2020)


Quando foram anunciados os indicados ao BAFTA deste ano, dois filmes de destacaram com sete indicações cada. Um deles era o conhecidíssimo Nomadland, que logo depois veio a conquistar não somente o próprio BAFTA como também o Óscar de melhor filme. O outro era o desconhecido Rocks. Mas afinal, que filme é esse?


Dirigido pela britânica Sarah Gavron (de As Sufragistas), Rocks é um drama bastante humano sobre a dificuldade universal de se viver às margens da sociedade nas periferias espalhadas por aí. O roteiro acompanha Rocks (Bukky Bakray), uma adolescente que sonha ser uma cantora de rap. A personagem é uma típica menina do colegial, que é divertida, está sempre rodeada das amigas e não tem muita preocupação em tirar notas boas ou ser um exemplo a ser seguido.

Mas em casa, as coisas não são tão boas como ela deixa aparentar na escola. Sua mãe foi embora deixando apenas um bilhete e alguns trocados, e Rocks precisa cuidar do irmão menor, Emannuel. A menina tenta esconder a todo custo a situação para que a assistência social não bata na sua porta e separe os irmãos, e enquanto isso, precisa achar uma maneira de sustentar os dois usando seus dotes para maquiagem.



Rocks deixa algumas coisas em aberto, e em certos momentos parece até um pouco perdido na sua condução. Porém, não tem como não deixar de falar do elenco juvenil, que está espetacular em cena. Sobretudo a protagonista, Bukky Bakray, cuja estreia nas telas com certeza vai abrir novas portas para ela na carreira. É um filme curto e direto, com uma filmagem que por vezes parece até um documentário, e que mesmo não sendo perfeito é altamente recomendável pelo tema abordado e pela enorme diversidade de seus personagens

domingo, 13 de junho de 2021

Crítica: Cruella (2020)


Dirigido por Craig Gillespie (de A Garota Real e Eu, Tonya), Cruella vai muito além de uma simples releitura em live-action de uma história animada, como tem sido feito aos montes nos últimos anos, e acerta justamente ao trazer uma história original sobre uma velha personagem conhecida do público. A antagonista Cruella De Vil apareceu pela primeira vez nas telas em 1961, na animação 101 Dálmatas, e ganhou sua primeira versão live-action em 1996 nas mãos da atriz Glenn Close. Agora, nesta nova versão de 2021, Gillespie se propôs a mostrar as origens da vilã como ninguém havia feito, desde quando ela ainda se chamava Estella.



Estella desde criança mostrava ser uma menina de personalidade forte e que não gostava de seguir regras. Logo cedo acaba perdendo a mãe num acidente, e passa a viver com dois amigos trombadinhas com quem pratica pequenos delitos para sobreviver. Seu sonho sempre foi trabalhar com moda, e ela fica em êxtase quando consegue um emprego em uma famosa agência de Nova Iorque, sem saber que seu cargo seria na parte da limpeza. Certo dia, quando a dona da agência, a conceituada estilista Baronesa (Emma Thompson) visita o local, ela se encanta com uma vitrine criada "sem querer" por Estella, e isso faz com que a a jovem ganhe uma oportunidade e comece a sonhar ainda mais alto na carreira. Mas é aí que começa também uma rivalidade conflituosa dela com a estilista de sucesso.

Gillespie soube conduzir muito bem o roteiro, que não podia perder seu tom infantil mas ao mesmo tempo precisava agradar os olhos adultos. Emma Stone e Emma Thompson estão impecáveis nos seus papéis, o que ajuda essa rivalidade entre elas ser mais crível o possível. Gostei também dos personagens que servem como "comparsas" de Cruella, que diferente dos filmes anteriores, não são seres totalmente desprovidos de inteligência e a ajudam de verdade nas ações. 

 


Algo que sempre me incomoda nos grandes filmes americanos da atualidade é a sensação final de que eles terão uma sequência, como se o filme não tivesse um fim propriamente dito e não bastasse sozinho. E isso acontece aqui em Cruella. O roteiro tem os seus clichês e facilitações, mas isso não estraga a experiência. Há que se destacar por fim  a trilha sonora, uma das mais incríveis que ouvi nos últimos anos, e que revisita vários clássicos do Rock n' roll. 


sexta-feira, 4 de junho de 2021

Crítica: Adults in the Room (2020)

 


Em 2015, o partido de esquerda da Grécia ganhou as eleições e tinha como prioridade tirar o país de uma dívida astronômica e de uma das maiores crises econômicas da sua história. Braço direito do primeiro-ministro eleito, o novo ministro das finanças, Yanis Varoufakis (Christos Loulis), começou uma série de negociações entre o governo grego e os países europeus, além de instituições internacionais como o Banco Central Europeu e o FMI, para tentar aliviar a situação sem que houvesse ônus para a população grega que já estava bastante castigada.



Porém, indo contra o que o novo governo pregava, os credores exigiam que para receber novos empréstimos o país precisaria aceitar uma série de medidas, chamadas de Austeridade Fiscal, que dentre outras recomendações pediam a redução de gastos públicos, cortes de direitos trabalhistas, cortes de benefícios da população e o aumento de impostos. Com muita diplomacia, Yanis tentou convencê-los de levar as negociações de outra forma, mas não obteve sucesso graças ao conservadorismo da política econômica e todas as suas burocracias.

Confesso a vocês que não conhecia muito da política grega atual antes de ver o filme, e no começo fiquei um pouco confuso com alguns termos, mas a direção sempre competente de Costa-Gavras consegue deixar tudo muito bem esclarecido ao longo do filme. Ele mostra não somente os bastidores das negociações das dívidas, como também as consequências que levaram o país ao colapso financeiro e tudo o que foi (e o que não foi) feito durante os anos anteriores para que isso acontecesse.



Com ótimas atuações e uma trilha sonora impecável do compositor Alexandre Desplat, Adults in the Room consegue nos colocar a par da situação mas principalmente nos indignar ao mostrar a forma impiedosa como o sistema financeiro e suas instituições comandam o mundo, entre conversas cínicas de corredores e falsos apertos de mão.